Só não digo que perdi duas horas da minha vida ao ver Matador de Aluguel (Road House, 2024) porque no final das contas, descontando os créditos finais, o filme lançado pelo Amazon Prime Video na quinta-feira (21) e estrelado por Jake Gyllenhaal tem 114 minutos de duração.
Número 1 no top 10 da plataforma de streaming, esta refilmagem mistura dois ingredientes muito apreciados em Hollywood — a nostalgia e a violência —, com um tempero tipicamente brasileiro: o das traduções equivocadas no título.
Road House, o nome em inglês tanto do original de 1989 dirigido por Rowdy Herrington (também disponível no Prime Video) quanto da versão assinada por Doug Liman, faz referência à taberna de beira de estrada que é o cenário principal da trama. Sabe-se lá o porquê, no Brasil virou Matador de Aluguel, apesar de o personagem encarnado por Patrick Swayze (1952-2009) — então na sua fase áurea, graças a Dirty Dancing (1987), Ghost (1990) e Caçadores de Emoção (1991) — não ser um matador de aluguel.
Nos dois filmes, o protagonista é leão-de-chácara em um bar ameaçado por clientes brigões e, principalmente, bandidos locais. Em ambos, se envolve romanticamente com uma médica — Elizabeth Clay (papel de Kelly Lynch) em 1989, Ellie (Daniela Melchior, de O Esquadrão Suicida e Velozes e Furiosos 10) em 2024.
Mas há algumas diferenças marcantes. No, digamos, clássico (como espantosamente foi chamado em alguns sites da imprensa brasileira), James Dalton trabalha em um bar do interior do Missouri, onde é atormentado pela lembrança de ter matado brutalmente um homem durante uma altercação em uma boate de Nova York. Na atualização (que só existe por um misterioso saudosismo: o primeiro filme não fez sucesso de público nem de crítica), Elwood Danton é um ex-lutador de UFC contratado para proteger um estabelecimento na região litorânea da Flórida e assombrado por uma tragédia no octógono — os detalhes vão sendo pouco a pouco revividos em seus pesadelos.
O novo vilão acena à especulação imobiliária: Ben Brandt quer destruir o bar para construir prédios no lugar. Quem o interpreta é Billy Magnussen, um eterno e esquecível coadjuvante, aqui investindo na persona do riquinho sarcástico que a certa altura perde a compostura. Seu desempenho fica ainda pior na comparação com o anterior, o efetivamente malvadão encarnado pelo intenso Ben Gazzara (1930-2012).
A grande diferença é o gosto por sangue — obviamente que embebido em uma suposta veia cômica. Diretor que traz no currículo bons filmes, como Vamos Nessa (1999), A Identidade Bourne (2002) e No Limite do Amanhã (2014), Doug Liman filia Matador de Aluguel à pancadaria coreografada da franquia John Wick e dos títulos estrelados por Jason Statham. Mesmo se encarada como pastiche — aliás, os diálogos são tão dolorosos quanto os golpes desferidos pelos personagens —, a refilmagem fica devendo, porque se leva a sério em muitos momentos, apostando em trauma e brutalidade, enquanto em outros busca arrancar risos, ainda que por quebrar dentes e ossos.
A proposta de pastiche e o desequilíbrio na execução ficam bem personalizadas na escolha de Jake Gyllenhaal como protagonista. Dono de um fã-clube barulhento desde o cultuado Donnie Darko (2001), o ator indicado ao Oscar de coadjuvante por O Segredo de Brokeback Mountain (2005) — e injustamente ignorado pela Academia de Hollywood por O Abutre (2014) — alterna atuações sombrias ou introspectivas com papéis debochados ou histriônicos. Em Matador de Aluguel, não vai nem para um lado, nem para o outro: é apenas monótono, ora dando uma viradinha de olhos, ora lançando um sorrisinho com o canto da boca.
O pior, no entanto, é seu principal oponente, seu rival nos combates corpo a corpo em que Gyllenhaal, aos 43 anos, exibe uma forma física que faz muita gente sonhar em vê-la sob o uniforme do Batman. Trata-se de Knox, o brucutu tatuadíssimo e com sotaque carregadíssimo vivido pelo irlandês Conor McGregor, lutador de MMA que, em 2015, tornou-se campeão do UFC ao nocautear o brasileiro José Aldo em apenas 13 segundos. Nitidamente, McGregor divertiu-se em cena, mostrando seu bumbum pelado, disparando frases de efeito medonhas, surrando de mentirinha atores e figurantes, sendo o mais exagerado e ridículo possível. Para mim, é forte candidato ao Framboesa de Ouro, o prêmio de galhofa dado aos piores do ano. Mas o mais provável é que em breve seja visto onde todas as suas características são virtudes: a franquia Velozes e Furiosos.