Em cartaz a partir desta sexta-feira (3) no Amazon Prime Video, John Wick 4: Baba Yaga (2023), quarto título da franquia protagonizada por Keanu Reeves, é como um filme pornô. A única diferença é que não tem cenas de sexo.
Aliás, não tem nada de romance também. Sequer um beijo. É pá-pum. Mal começa o filme, John Wick, de terno, camisa e gravata pretos, surge montado em um cavalo, caçando no deserto três árabes. Serão os primeiros que levará para a cama, quer dizer, para a cova.
Mas ação imediata não significa ação rápida. Baba Yaga é a fantasia do macho imbroxável e inesgotável: são duas horas e 49 minutos de duração! O garanhão aguenta 39 minutos a mais do que JW3: Parabellum (2019), 47 a mais do que JW2: Um Novo Dia para Matar (2017) e 73 a mais do que John Wick: De Volta ao Jogo (2014), em que a morte de um cãozinho beagle foi o estopim para o surgimento de uma franquia milionária e para o ressurgimento de Keanu Reeves.
Hoje quase um sessentão, o ator canadense nascido no Líbano em 2 de setembro de 1964 estava longe dos holofotes quando aceitou o papel, retomando os filmes de ação, gênero marcante em sua trajetória — vide Caçadores de Emoção (1991), Velocidade Máxima (1994) e a trilogia Matrix (1999 a 2003). John Wick é um assassino profissional aposentado que, após a morte da esposa (Bridget Moynahan) por uma doença terminal, recebe uma beagle chamada Daisy para ajudá-lo a lidar com o luto. Depois de um desentendimento por conta do carro do protagonista, um Mustang de 1969, gângsteres russos invadem a casa dele e acabam matando o cachorrinho. Pronto: John parte para uma vingança temperada por cenas impactantes, personagens curiosos, violência coreografada e mortes sem fim.
Escrito pelo então novato Derek Kolstad e dirigido pelo estreante Chad Stahelski, um ex-coordenador de dublês, De Volta ao Jogo arrecadou US$ 86 milhões, quatro vezes o seu custo, e abriu as portas para Um Novo Dia para Matar, que gastou US$ 40 milhões e levantou US$ 171,5 milhões nas bilheterias; para Parabellum, produção de US$ 75 milhões que alcançou US$ 326,7 milhões na venda de ingressos; para Baba Yaga, que teve um orçamento de US$ 90 milhões e se tornou o maior sucesso comercial da franquia (US$ 428,7 milhões); para um possível quinto capítulo; para o spin-off Ballerina, estrelado por Ana de Armas; e para a série The Continental, também disponível no Amazon Prime Video, centrada no luxuoso hotel que é um território neutro no submundo dos matadores.
John Wick 4 é o quarto filme da franquia dirigido por Stahelski e o primeiro não escrito por Kolstad — o fiapo de roteiro é de Shay Hatten (de Army of the Dead: Invasão em Las Vegas e Exército de Ladrão: Invasão da Europa) e Michael Finch (de Hitman: Agente 47 e O Assassino: O Primeiro Alvo). Na história, John segue em fuga (como se viu em Parabellum) depois de ter quebrado uma regra: tirar uma vida dentro do Hotel Continental (como se viu em Um Novo Dia para Matar). A recompensa por sua cabeça oferecida pela chamada Alta Cúpula está cada vez mais milionária, atraindo toda sorte de matadores de elite.
Como em qualquer pornô que se preze, o elenco de John Wick precisa ser constantemente renovado. De preferência, variando as nacionalidades. Baba Yaga, que volta a contar com as presenças de Winston, o concierge Charon (Lance Reddick) e o Rei do Bowery (Laurence Fishburne), acrescenta à galeria de personagens:
Marquês de Gramont, um membro parisiense da Alta Cúpula empenhado em matar o protagonista e encarnado pelo sueco Bill Skarsgard, se divertindo com o sotaque francês;
Chidi, o braço-direito brutamontes do marquês, papel do chileno Mark Zaror;
Harbinger, um sujeito da alta cúpula da Alta Cúpula (o estadunidense Clancy Brown);
Caine, um assassino cego interpretado pelo chinês Donnie Yen, que faz valer sua fama de astro das artes marciais;
Shimazu (o japonês Hiroyuki Sanada), gerente do Continental de Osaka;
Killa, um malvadão de Berlim com corpo rotundo, dentes de ouro e rosto sempre suado, em um trabalho combinado do ator inglês Scott Adkins com as próteses tipo A Baleia desenvolvidas pela equipe de maquiagem;
Sr. Ninguém, um rastreador vivido pelo canadense Shamier Anderson, tendo como fiel companheiro um treinadíssimo pastor alemão — o cachorro da vez na franquia, sucedendo o pitbull do herói e os pastores belgas de Halle Berry em Parabellum.
Como a lista evidencia, Baba Yaga é um filme predominantemente masculino — há duas ou três atrizes, como a cantora japonesa Rina Sawayama, que faz Akira, filha de Shimazu e concierge do Continental de Osaka; as demais mulheres são aquelas que conjugam braços tatuados e vozes melífluas com figurinos e cabelos dos anos 1950 enquanto operam mesas de telefonista e toca-discos, na estética de barbearia hipster-retrô que caracteriza a franquia.
A lista também evidencia que John Wick 4 dá uma voltinha pelo mundo, como se fosse uma superprodução pornô com ares de James Bond ou Missão: Impossível, investindo em cenários exóticos, suntuosos ou bacanudos: além do Marrocos, palco da cena de abertura, e dos Estados Unidos, país representado por Nova York, visitamos o Japão, a Alemanha e a França. As "transas" ocorrem nas areias do Saara, em salas com pé-direito altíssimo e paredes ornamentadas por pinturas clássicas, em uma boate vanguardista de Berlim, na caótica rotatória do Arco do Triunfo ou na extenuante escadaria da Basílica do Sagrado Coração, em Paris.
A ambientação providenciada pela equipe de design de produção comandada por Kevin Kavanaugh, a direção de fotografia assinada pelo dinamarquês Dan Laustsen (indicado ao Oscar por A Forma da Água e O Beco do Pesadelo), a montagem de Nathan Orloff, que, contrariando a cartilha de alguns filmes de ação, não abusa dos cortes, e a combinação, na trilha sonora, da música composta por Tyler Bates e Joel R. Richard com clássicos do pop e do rock — Nowhere to Run (1965) e Paint It Black (1966) — emprestam um verniz de elegância à orgia perpetrada em John Wick 4. Corpos e mais corpos, muitos deles inidentificáveis, vão sendo consumidos. Talvez a única coisa mais disparada dos que armas de fogo sejam frases de efeito: "Nenhum de nós pode escapar de quem somos", "Como você faz uma coisa é como você faz tudo", "Segundas chances são o refúgio do homem que falha", "Tolos falam, covardes calam, mas sábios escutam", "Você não precisa ter olhos para enxergar o caminho certo", "A ambição de um homem jamais deve superar seu valor", "Os que se aferram à morte vivem, e os que se aferram à vida morrem".
Nenhum aforismo é dito por John Wick, afinal, personificando o sonho de muitos homens, este é um sujeito que nem precisa abrir a boca para dar uma marretada — o sentido pode ser literal mesmo, pois em Baba Yaga ele usa o que estiver à mão na hora do rala-rala, de espada (sem trocadilho) a um trabuco (de novo, sem trocadilho). Armado com símbolos fálicos, nosso herói é aquele astro pornô que faz sexo com várias atrizes no mesmo filme, nas posições mais variadas: ora a câmera está colada no corpo dos personagens, ora assistimos a tudo do alto. E como um legítimo ator da indústria pornográfica, onde o gozo masculino é o clímax e requer um ritual no encerramento das cenas, depois do serviço feito John Wick atira na cara de suas vítimas.