Dois cineastas já premiados com os Oscar de melhor filme e melhor direção voltam a competir nas mesmas categorias com títulos que revisitam o passado de Hollywood. Um é Steven Spielberg, com o musical Amor, Sublime Amor. O outro é Guillermo del Toro, com O Beco do Pesadelo (Nightmare Alley), em cartaz a partir desta quarta-feira (16) na plataforma de streaming Star+.
O mexicano foi duplamente oscarizado — como produtor e diretor — por A Forma da Água (2017), um roteiro original escrito por ele em parceria com Vanessa Taylor. Agora, tendo a seu lado a roteirista Kim Morgan, Del Toro resolveu refilmar o romance O Beco das Ilusões Perdidas, de William Lindsay Graham, cuja primeira adaptação, dirigida por Edmund Goulding, ficou conhecida no Brasil como O Beco das Almas Perdidas (1947).
Del Toro manteve a ambientação no período da Segunda Guerra Mundial e a trama de danação típica do cinema noir — subgênero que se celebrizou justamente àquela época. Como os títulos indicam, filmes como Alma Torturada (1942), À Sombra de uma Dúvida (1943) e Beijo da Morte (1947) traduziam angústias da população estadunidense, com o sentimento de segurança e estabilidade em xeques por conta do conflito mundial. Assim disse o pesquisador Bertrand de Souza Lira, autor de Cinema Noir: A Sombra como Experiência Estética e Narrativa (Editora UFPB, 2015): "Com seus valores abalados, a sociedade absorveu facilmente a concepção niilista do homem, com temas sombrios, como alienação, corrupção, desilusão e neurose, alimentando os argumentos noir". Em cenários pessimistas e fatalistas, a sobrevivência demandava personagens de ética e moral ambivalentes.
O personagem principal de O Beco do Pesadelo é Stanton Carlisle (Bradley Cooper, também um dos produtores do filme), um homem de poucas palavras que aprende no circo, com o casal formado por Zeena (Toni Collette) e Pete (David Strathairn), os truques para ser um bom mentalista. Sua ambição vai levá-lo a Nova York, onde se envolverá com uma psicanalista à moda das femmes fatales (Cate Blanchett) para aplicar golpes em vítimas ricas, a partir dos traumas que elas guardam.
Fazendo jus a sua filmografia — vide A Espinha do Diabo (2001) e o premiado O Labirinto do Fauno (2006) —, Del Toro acrescentou camadas de terror à história e deu um senhor banho estético. Não à toa, O Beco do Pesadelo disputa ainda os troféus de fotografia (Dan Laustsen, antes indicado por A Forma da Água), design de produção (Tamara Deverell e Shane Vieau, oscarizado por A Forma da Água) e figurinos (Luis Sequeira, também concorrente por A Forma da Água). As duas horas e meia de duração fazem se sentir, sobretudo depois que saímos do ambiente do circo, mais interessante, e também porque, desde o início, podemos intuir o destino do protagonista. Mas, ainda assim, a sequência final é daquelas que grudam na memória. Como um trauma.