Pleasure (2021), que estreou na sexta-feira (17) na plataforma MUBI, é um filme que desnuda a indústria pornô. Embora não faltem cenas com pênis eretos e expostos, a ênfase está em indústria. No seu primeiro longa-metragem, a diretora sueca Ninja Thyberg adota o olhar de uma atriz novata — interpretada com assombro pela estreante Sofia Kappel — para retratar o negócio do sexo explícito na Califórnia. Ganhamos acesso a bastidores que vão desde os termos de um contrato e uma espécie de glossário da profissão até as técnicas (ou mesmo improvisos) demandadas em uma produção.
Seu enredo remete ao de Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1998), com as diferenças evidentes de gênero (agora temos uma protagonista feminina) e de época (Pleasure se passa nos dias atuais), além de Thyberg centrar o foco na personagem principal. Indicado a três Oscar — roteiro original, atriz coadjuvante (Julianne Moore) e ator coadjuvante (Burt Reynolds) — e disponível na HBO Max, o filme do diretor e roteirista estadunidense Paul Thomas Anderson narra a trajetória de ascensão e queda de um jovem lavador de pratos que vira ator pornô no Vale San Fernando, situado no mesmo Estado dos EUA, no final dos anos 1970. Dirk Diggler (o nome artístico adotado pelo personagem de Mark Wahlberg) se envolve em um triângulo amoroso com a estrela Amber Waves (Moore) e seu diretor, Jack Horner (Reynolds), marido da atriz.
Por coincidência, tanto Boogie Nights quanto Pleasure nasceram como curtas-metragens. Thyberg, 37 anos, já havia retratado esse universo no curta homônimo de 2013, coescrito por Peter Modestij. O filme conta a história de uma garota que concorda em fazer uma cena de sexo anal duplo para manter seu emprego.
Em sua versão expandida, Pleasure tem personagens, elenco e uma trama diferentes, mas o leitmotiv é o mesmo: até onde está disposta a ir Bella Cherry, o pseudônimo artístico de Linnéa, garota de 19 anos que trocou a Suécia por Los Angeles. Para a mãe, ela diz que está fazendo um estágio estudantil. Para o funcionário da alfândega no aeroporto, quando perguntada se foi aos Estados Unidos a negócios ou a prazer (business or pleasure), ela hesita um pouco antes de responder a segunda opção.
Essa hesitação vai se repetir na primeira cena de sexo a ser gravada pela protagonista, mas não trai uma convicção que pode ser desconcertante para o espectador mais cartesiano ou mais puritano: Bella não foi forçada a fazer filmes pornô, não está nessa por dinheiro — a certa altura ela própria dirá isso —, mas porque quis. Encara como uma carreira de trabalho.
E, embora tenha a ambição de se tornar uma estrela, Bella entende que há etapas a serem cumpridas. Cenas de sexo anal, por exemplo, prefere guardar como uma carta na manga. Só que, ao conhecer a elegante e distante Ava (Evelyn Claire), ela decide se aventurar mais — ou se humilhar mais? —, com o objetivo de virar uma Spiegler Girl.
A referência é a Mark Spiegler, um famoso produtor de filmes pornográficos vivido por ele mesmo. Aliás, Pleasure conta com vários nomes da indústria. Alguns interpretam a si próprios, como as atrizes Chanel Preston e Casey Calvert e a diretora Aiden Starr. Outros fazem papéis fictícios — Revika Anne Reustle é Joy, colega de ofício e melhor amiga de Bella; Chris Cock encarna Bear, que em um monólogo com a protagonista vai tocar o dedo na chaga do racismo:
— Eu não sou um astro, eu sou um fetiche. Não há nada mais extremo do que sexo interracial.
Pelos ouvidos e pelos olhos de Bella, Thyberg vai nos mostrando o resultado de cinco anos de entrevistas com profissionais de um mercado do qual era crítica.
— Comecei como uma ativista muito radical quando tinha 16 anos, e naquela época eu fazia parte de um grupo de ativistas anti-pornografia porque achava que isso era degradante para as mulheres — disse Thyberg durante uma entrevista recente com o site IndieWire. — Depois de alguns anos, comecei a questionar essa visão muito preto no branco e me interessei pela pornografia feminista. Fiz parte dessa comunidade por um tempo. Mas havia algo muito elitista em mulheres dizendo que nosso pornô é libertador para as mulheres, mas o pornô convencional é opressivo. Então me interessei em tentar entender mais a pornografia convencional.
Não quer dizer que Pleasure seja um filme pró. Aliás, uma reportagem do IndieWire registrou as queixas expressadas por alguns colaboradores de Ninja Thyberg, como o diretor Axel Braun e Lucy Heart, que ainda não havia feito sua transição de gênero quando fez sua participação — aparece no papel de um astro arrogante e abusivo chamado Ceasar. Acharam "inautêntico" e se sentiram "explorados".
É verdade que, por um lado, Thyberg procura mostrar como pode haver realização profissional — e, por que não, pessoal — nessa indústria. Também revela todo o cuidado e todo o carinho que pode haver em uma cena de BDSM (bondage, dominação, sadomasoquismo).
Por outro, a sequência sobre "a fantasia de uma garotinha rica" nos lembra de como essa é uma indústria na qual mulheres são estrelas, mas homens dão as cartas — além de refletir a aproximação de uma parcela dos consumidores com a pedofilia (a "adolescente inocente" é um dos principais "produtos"). E a perturbadora gravação de uma cena de submissão e humilhação alerta: essa é uma indústria que se alimenta da cultura do estupro, e a empatia vai até o momento em que o lucro fica ameaçado. No fundo, Pleasure é um filme sobre as relações de poder no universo do trabalho. Sobre como podemos ser manipulados e sobre como nossas ambições podem nos dessensibilizar. No fim do dia, quem nunca se perguntou: vale a pena?