É fácil entender o apelo de Velozes e Furiosos, franquia de ação que já tem 22 anos de vida e que vai dominar os cinemas brasileiros nesta quinta-feira (18), quando entra em cartaz o 10º filme oficial — os fãs mais apressados podem conferir as sessões de pré-estreia nesta quarta (17).
Nascida como uma trama ambientada no submundo das corridas clandestinas de rua em Los Angeles, Velozes e Furiosos evoluiu para uma saga à la James Bond ou Missão: Impossível, que envolve traficantes de drogas, mercenários, assassinos profissionais, roubos milionários, vinganças, espionagem e até um passeio pelo espaço.
Também evoluiu de uma história sobre uma gangue urbana para uma história sobre uma grande família, ressaltando valores como amor, união e legado.
Tudo é turbinado por outros chamarizes de público: o elenco estelar (que inclui os astros marombados Vin Diesel, Dwayne Johnson e Jason Momoa e três ganhadoras do Oscar: Charlize Theron, Helen Mirren e Brie Larson), as locações que dão a volta ao mundo (Rio, Havana, Abu Dhabi, Tóquio, Londres, Roma, Tbilisi), o investimento e o despudor nas cenas de ação, que vão da pancadaria a explosões, passando pelas imprescindíveis perseguições com todo tipo de veículo motorizado.
Um trágico fator extra comoveu ainda mais os fãs: a morte do ator Paul Walker, em um acidente de carro, durante um período de intervalo das filmagens de Velozes e Furiosos 7 (2015), no dia 30 de novembro de 2013. Nos filmes, seu personagem, Brian O'Conner, continuou vivo.
Os números de bilheteria justificam a longevidade da franquia. Contando com o derivado Hobbs & Shaw (2019), os filmes já somaram US$ 6,6 bilhões. Dois deles ultrapassaram a marca do US$ 1 bilhão: Velozes e Furiosos 7, que tem a 11ª maior arrecadação na história (US$ 1,51 bilhão), e Velozes e Furiosos 8 (2017), com US$ 1,23 bilhão. A expectativa é de que o mesmo aconteça com Velozes e Furiosos 10, livre das restrições pandêmicas que minaram o desempenho nono capítulo, lançado em junho de 2021 (faturou US$ 726,2 milhões).
Mas é preciso muita boa vontade para aguentar as duas horas e 20 minutos de duração, aí incluída a cena pós-créditos que mostra como rusgas hollywoodianas podem ser só pura jogada de marketing. Por outro lado, uma briga de egos entre o ator Vin Diesel, que interpreta o protagonista da saga, Dom Toretto, e o diretor Justin Lin, realizador dos segmentos 3, 4, 5, 6 e 9, foi a gota d'água que acabou causando a saída do cineasta taiwanês-estadunidense às vésperas do início das filmagens. Quem assumiu a bronca foi o francês Louis Leterrier, de Carga Explosiva (2002), O Incrível Hulk (2008) e Fúria de Titãs (2010).
A trama — se é que se pode chamar assim — escrita por Lin e Dan Mazeau retoma a de Velozes e Furiosos 5 (2011), a aventura parcialmente ambientada no Rio. Como já virou hábito na franquia, há o que nos Estados Unidos recebeu o nome de retcon, abreviação de retroactive continuity, ou seja: a alteração do passado, a transformação de fatos previamente estabelecidos na cronologia de uma obra ficcional (vide o irmão do herói, Jakob, encarnado por John Cena e surgido no filme 9 sem jamais ter sido mencionado nos oito títulos anteriores). Em uma mistura hábil de cenas que se tornaram clássicas — as do cofre sendo arrastado pelas ruas cariocas — com novas filmagens, descobrimos que o bandido Hernan Reyes (Joaquim de Almeida) tinha um filho, Dante, papel de Jason Momoa. Mais de 10 anos depois, o sujeito enfim começa a colocar em prática seu plano de vingança.
Mas Dante não quer simplesmente matar Toretto: quer fazê-lo sofrer, atacando todos os que o cercam, desde o filho do mocinho, o pequeno Brian, até a brasileira Isabel (vivida pela portuguesa Daniela Melchior, de O Esquadrão Suicida e Guardiões da Galáxia vol. 3), fruto de mais um retcon — ela é a irmã caçula da policial Elena, mãe do garoto, morta no oitavo filme.
Engana-se, porém, quem imagina um vilão frio e sádico. Dante de fato sente prazer em machucar, mas é um tipo bastante extravagante e falastrão, que permite a Momoa se divertir muito e se desvincular da imagem firmada em trabalhos anteriores, como o sisudo Khal Drogo de Game of Thrones e os heroicos personagens de Aquaman, a série See e Duna. Sem freios para brincar com o visual andrógino do malvadão (que chega a usar chuquinhas nos cabelos) e proferir frases de efeito e bordões ("Eu sou Dante, enchanté"), o ator havaiano é o que mantém a aceleração de Velozes e Furiosos 10.
O resto do elenco atua no piloto automático. Talvez por estar desorientado sem o condutor habitual.
Talvez por causa do percurso cheio de obstáculos, como o sentimentalismo forçado (as lágrimas correm tanto quanto os carros), as piadas que raramente provocam risos (pelo menos na sessão para a imprensa) e a falta de inspiração nas sequências de ação (à exceção da já antológica cena em que Toretto "pousa" seu Dodge Charger, pulando de um avião em cima de uma estrada apinhada de veículos).
Talvez porque as muitas e rápidas idas e voltas nas intenções dos personagens sejam desnorteadoras, mas no mau sentido: em questão de segundos, um inimigo vira aliado, e vice-versa.
Talvez porque estivesse poupando combustível, já que a viagem é longa, e o destino, incerto: o filme termina sem fim, jogando uma série de mistérios e respostas para Velozes e Furiosos 11, previsto para 2025, no encerramento da saga.
Ou não: segundo Vin Diesel, o estúdio Universal sugeriu estender este epílogo em duas partes para uma trilogia. É de se imaginar quantos outros parentes e agregados vão aparecer na família de Dom Toretto. Ou quantos outros mortos vão pegar de novo a estrada da vida, um atropelamento da suspensão da descrença que já virou delito comum na franquia.