Juntos, Helen Mirren e Ian McKellen – os atores de A Grande Mentira (2019), em cartaz no Google Play e no YouTube – somam seis indicações ao Oscar, 18 ao Globo de Ouro, 16 ao Emmy (da TV americana) e 16 ao Bafta (a principal premiação britânica).
Juntos, também provam que às vezes, em raras exceções, as portas do estrelato abrem-se não apenas para a juventude: Sir Ian já tinha mais de 55 anos quando disputou pela primeira vez o Globo de Ouro, como o protagonista de Ricardo III (1995), uma versão da peça de Shakespeare transposta para a Inglaterra da década de 1930. Na sequência, concorreu ao Oscar de melhor ator por Deuses e Monstros (1998) e de ator coadjuvante pela primeira parte da trilogia O Senhor dos Anéis (2001). Também ganhou fama como o vilão Magneto nos primeiros filmes dos X-Men.
Dame Helen já estava quase passando dos 50 anos quando foi indicada ao Oscar de atriz coadjuvante por As Loucuras do Rei George (1994). Depois, na mesma categoria, voltaria à premiação da Academia de Hollywood por Assassinato em Gosford Park (2001). Como melhor atriz, venceu por interpretar Elizabeth II em A Rainha (2006) e ficou entre as finalistas por A Última Estação (2009). No Globo de Ouro, vem competindo praticamente a cada ano: em 2013, por Hitchcock, em 2014, por Phil Spector, em 2015, por A 100 Passos de um Sonho, em 2016, por Trumbo, em 2018, por Ella e John, e em 2020, por Catherine the Great.
Juntos pela primeira vez na carreira, os ingleses McKellen, hoje com 81 anos, e Mirren, 75, fazem de The Good Liar um filme melhor do que de fato é.
Há um motivo extra para eu ter gastado espaço falando da carreira dos dois atores. É que A Grande Mentira é um filme sobre trapaça – quanto menos o espectador souber o que vai ver, mais ele poderá ser entretido durante quase duas horas (talvez seja melhor nem assistir ao trailer abaixo). O que dá para dizer é o seguinte:
Em sua quarta parceria com o diretor americano Bill Condon (após Deuses e Monstros, Mr. Holmes e a refilmagem de A Bela e a Fera, da Disney), McKellen encarna Roy Courtnay. Trata-se, como descobrimos logo nos minutos iniciais, de um golpista. Com ajuda do fiel escudeiro, Vincent (Jim Carter, o mordomo Carson de Downton Abbey), mente para todos, sejam viúvas com uma senhora poupança e uma confiança desmedida, sejam investidores dispostos a acreditar em lucro fácil e rápido.
Helen Mirren interpreta Betty, a próxima vítima de Roy. Os dois se conhecem por meio de um site de relacionamentos, usando nomes falsos, omitindo uma informações aqui, mudando sua história ali. Ou seja: ela também é capaz de mentir.
E chega de falar sobre a sinopse.
Baseado em um best-seller homônimo escrito por Nicholas Searle, A Grande Mentira tem uma virada na trama que, apesar de aguardada (pois os dois personagens certamente estão escondendo algo – "É mais profundo do que parece", dirá Betty), é um tanto quanto mirabolante e duvidosa, daquelas capazes de derrubar a suspensão da descrença. Mas cumpre dizer que, para não soar como uma solução mágica, tirada da cartola, o diretor Bill Condon espalha pistas. Fica a dica: preste atenção no filme a que Betty e Roy assistem quando vão ao cinema e no que os dois dizem após a sessão, e repare no destino turístico onde ela quer passar umas férias. Ainda assim, é possível que, ao final, o espectador sinta um gosto não de champanhe, mas de uma reles água – e sem gás.
Enquanto isso, vale, muito, testemunhar dois grandes atores maduros brincando como crianças em um parque de diversões. Ian McKellen e Helen Mirren aproveitam cada minuto em cena. Exibem seu talento para traduzirem, com uma fração de olhares, toda uma gama de sentimentos. Saboreiam cada linha de diálogo — chega a dar um frisson quando Betty fala sobre "segredos guardados entre a gente, Deus, o Diabo e os mortos".