Modéstia à parte, este texto nada contra a corrente de má vontade que existe em relação aos filmes dos X-Men – dizem, por exemplo, que contam sempre a mesma história (há uma grande ameaça aos mutantes, e em determinado momento o conflito de ideias entre o Professor Xavier e Magneto ganha o protagonismo), como se nos gibis fosse muito diferente. É provável que, ao rever Fênix Negra, eu também reveja minha opinião, mas duvido que passe a espinafrar o longa que estreia nesta quinta-feira (6) nos cinemas como estão fazendo críticos americanos e brasileiros.
Trata-se de uma despedida muito digna da franquia que vinha sendo tocada pela Fox, recentemente comprada pela Disney, gerando imensa expectativa de que personagens como Wolverine e Rainha Branca interajam, a exemplo dos quadrinhos, com os demais heróis da Marvel. Quem escreve e dirige é Simon Kinberg, que até então havia aparecido como roteirista e/ou produtor de um punhado de adaptações estreladas pelos mutantes, incluindo Dias de um Futuro Esquecido (2014), Apocalipse (2016) e Logan (2017). Como os três títulos citados, Fênix Negra se baseia em uma HQ famosa, mas é bom avisar aos fãs radicais: não é uma transposição da clássica saga assinada por Chris Claremont (texto) e John Byrne (arte) na virada dos anos 1970 para os 1980. Muitos vão reclamar de diferenças, de mudanças – de sacrilégios! –, mas, para mim, mais uma vez o cinema respeita a essência dos gibis. O que importa é que, na tela, vê-se o conto sobre a corrupção pelo poder contado por Claremont.
Evitarei spoilers, mas preciso descrever um pouco a sinopse, né? O filme começa em 1975, enfocando um episódio traumático na vida da pequena Jean Grey, que – para quem chegou agora – tem poderes telepáticos e telecinéticos. Depois desse evento, a menina é levada, sob tutela do professor Charles Xavier (James McAvoy), à mansão onde ele mantém uma escola para jovens superdotados. Pula para 1992, quando os X-Men, com um insuspeito status de Vingadores – afinal, costumam ser perseguidos pelas autoridades –, são convocados pelo presidente dos EUA para salvar, no espaço, a tripulação do ônibus espacial Endeavour.
É aí que Jean (encarnada por Sophie Turner, a Sansa do seriado Game of Thrones), enfrentará uma nova provação, em uma espécie de releitura do mito de Ícaro. E é aí que vemos uma faceta diferente de Xavier, a do mentor vaidoso e propenso a fazer de tudo para preservar a imagem pública de seus pupilos – como ele diz, os X-Men estão sempre "a um dia ruim" de voltarem a ser inimigos.
A essa altura, eu já estava me perguntando se Fênix Negra conseguiria ser tão trepidante (a sequência do resgate é de tirar o fôlego), comovente (nada como uma câmera lenta na hora certa) e épico até o final. Pois bem: acabou se mostrando um filme mais coeso do que seus antecessores, que alternavam bons e maus momentos, impacto e algum tédio, júbilo e vergonha alheia. Não chega perto de X-Men 2, que, mais de 15 anos depois, permanece fresco, com cenas que ainda sideram mesmo diante do avanço dos efeitos especiais (vide a antológica abertura com o ataque de Noturno à Casa Branca, ou a fuga de Magneto da prisão). Mas está longe de deixar o travo amargo de X-Men: O Confronto Final (2006), que encerrou aquela trilogia também adaptando A Saga da Fênix Negra.
Um dos grandes responsáveis pelo equilíbrio dramático é o compositor Hans Zimmer. Parceiro habitual do cineasta Christopher Nolan e autor de trilhas marcantes para Batman: O Cavaleiro das Trevas e O Homem de Aço, Zimmer estabelece desde o início de Fênix Negra um tom épico e uma gravidade que camuflam o desenvolvimento algo genérico da segunda metade do filme, quando as duas pontas narrativas se unem – ao abismo emocional de Jean, devastada por descobrir uma mentira sobre seu passado, soma-se o surgimento de uma ameaça alienígena interpretada por Jessica Chastain, desencadeando explosões de fúria. (Por falar em tensão, quase não há humor, exceto algumas piadas do Peter Maximoff de Evan Peters e uma boa tirada sobre o nome do supergrupo – que deveria se chamar X-Women, visto que são sempre as mulheres a resolver as paradas.) O contagiante leitmotiv, que se desdobra em diferentes arranjos, ora incorporando tubas e percussão eletrônica acelerada, ora investindo na sutileza de um piano, por vezes lançando, ao fundo, vocalizações angelicais, espelha, de certa forma, a evolução da própria franquia, que sempre se debruçou sobre os mesmos temas, aqueles que pautam os X-Men desde sua estreia nos quadrinhos, em 1963: o combate ao preconceito, o convite à tolerância, a busca por uma difícil, mas necessária convivência harmoniosa, as questões de identidade.
É verdade que a música pode incomodar por ser onipresente. Inexiste o silêncio, talvez porque não haja um solo de interpretação. Michael Fassbender, que galvanizava atenções em segmentos como Primeira Classe (2011) e Apocalipse, ligou o piloto automático para a última jornada de Magneto. Jennifer Lawrence parece nitidamente cansada de encarnar Raven/Mística. Sophie Turner, desobrigada de carregar o filme nas costas (ela sequer encabeça o elenco), apesar da condição de protagonista que o título sugere, não compromete, mas fica um tantinho aquém da carga que o papel pedia. À vilã de Chastain, por sua vez, nem nome deram (ou eu não prestei atenção), como indício de que logo será esquecida, em que pese a visível satisfação da atriz de fazer uma personagem bidimensional, sem maiores nuances do que a dupla frieza e malvadeza.
Mas essa falta de brilho individual reverte-se a favor de Fênix Negra. Novamente, empresta consonância. Indo além, parece ecoar uma das mensagens do filme e dos mutantes como um todo: aquela que valoriza o pertencimento dos desajustados, a união dos diferentes. X-Men sempre foi uma história sobre reunir características particulares em nome de uma causa coletiva, sobre ser capaz do sacrifício em nome daqueles que nos acolheram como uma família. E agora heróis e atores com quem nos familiarizamos ao longo de quatro filmes e quase 10 anos estão nos dizendo adeus. Não se surpreenda se verter uma lágrima. E lembre-se: é a emoção que nos torna fortes. É ela que nos permite alcançar e exercer o superpoder da empatia.