O sucesso de bilheteria de Top Gun: Maverick (2022) — US$ 321,4 milhões arrecadados na sua primeira semana de exibição nos cinemas — atesta que Tom Cruise, 60 anos no dia 3 de julho, é um dos astros imortais de Hollywood. Essa condição é, digamos, comprovada em No Limite do Amanhã (2014), filme em cartaz na HBO Max. O ator estadunidense morre e revive, morre e revive, morre e revive.
É que o filme baseado em livro do japonês Hiroshi Sakurazaka e dirigido por Doug Liman, de A Identidade Bourne (2002) e Jumper (2008), cruza a ficção científica Tropas Estelares (1997) com a comédia Feitiço do Tempo (1993). Cruza invasão alienígena com o Dia da Marmota.
Como o personagem de Bill Murray em Feitiço do Tempo, o militar encarnado por Cruise está em uma espécie de prisão temporal — não por acaso, seu nome é William Cage (gaiola, em inglês). Como o personagem do próprio Cruise em Guerra dos Mundos (2005), ele terá de lutar contra poderosos extraterrestres.
Em um futuro indefinido, o protagonista se junta ao combate contra um exército de alienígenas que dominou a Europa — uma clara alusão ao desembarque na Normandia, quando as forças aliadas enfrentaram, na França, os nazistas que haviam assolado o continente na Segunda Guerra Mundial.
Mas este é um filme de guerra — um filme sobre o vazio da guerra— sci-fi. Portanto, após morrer em uma explosão, Cage, com o corpo contaminado pelo sangue alien, acorda outra vez no mesmo dia em que embarcou para a frente de batalha. Ao morrer repetidamente, o personagem representa os incontáveis soldados ceifados pelo horror das guerras. A cada recomeço, nosso herói aprende mais para avançar em sua missão de salvar o mundo.
Estrelado também por Emily Blunt, Bill Paxton e Brendan Gleeson, No Limite do Amanhã (Edge of Tomorrow) é um dos vários filmes que retrabalharam, em uma perspectiva mais sombria, elementos de Feitiço do Tempo. Nessa comédia dirigida por Harold Ramis, Bill Murray interpreta um arrogante meteorologista da TV que fica preso em uma armadilha temporal, na cidadezinha de Punxsuatawney, na Pensilvânia, condenado a reviver indefinidamente o mesmo dia até que mude suas atitudes. As 24 horas que ele tem de repetir são as do Dia da Marmota — Groundhog Day, no original —, uma data festiva em que, segundo a crença dos moradores locais, o pequeno mamífero teria o poder de prever a duração do inverno.
O filme se tornou um clássico tanto pela comicidade quanto pela discussão filosófica (o peso da rotina, nossa capacidade de mudar comportamentos etc.) e pela abordagem dos paradoxos das viagens no tempo. Suas desventuras inspiraram outras comédias, tipo Como se Fosse a Primeira Vez (2004), com Adam Sandler e Drew Barrymore, Questão de Tempo (2013), de Richard Curtis, e Nu (2017), com Marlon Wayans. Mas a ideia também pode ser aplicada a obras mais soturnas ou, no mínimo, dramáticas, como exemplificam estes sete títulos:
Corra, Lola, Corra (1998)
Corra, Lola, Corra (1998), o frenético filme dirigido pelo alemão Tom Tykwer, tornou-se uma obra cultuada. Na trama, a protagonista (interpretada por Franka Potente) dispõe de apenas 20 minutos para tentar salvar a vida do namorado, que esqueceu no metrô de Berlim uma bolada de dinheiro pertencente ao chefe de uma quadrilha de contrabandistas. Lola vai correr três vezes saindo do mesmo ponto de partida, mas em cada uma delas minúsculas variações de tempo afetam o destino final de todos. (Apple TV, R$ 24,90)
Contra o Tempo (2011)
Contra o Tempo (2011), estreia de Duncan Jones, filho de David Bowie, como diretor, traz Jake Gyllenhaal no papel de um soldado dos EUA que integra um programa experimental: sua consciência é "carregada" no cérebro de um homem oito minutos antes de ele morrer em um atentado a bomba no trem em que viaja. A cada nova recarga, ele precisa tentar descobrir qual dos passageiros plantou a bomba e como o ataque realmente ocorreu. (HBO Max)
Black Mirror (2011-)
Na fantástica série criada por Charlie Brooker, não são poucos os episódios em que os personagens se veem ou não percebem que estão repetindo passos. Sem dar spoilers, pode-se dizer que há traços do Dia da Marmota em White Bear, da primeira temporada, White Christmas, da segunda, San Junipero, da terceira, Hang the DJ, da quarta, e no filme interativo Bandersnatch. (Netflix)
A Morte te Dá Parabéns (2017)
Mistura de terror e comédia realizada por Christopher B. Landon, gerou uma sequência, lançada em 2019 e com a mesma dobradinha entre o diretor e a atriz Jessica Rothe. No original — assumidamente inspirado em Feitiço do Tempo —, ela encarna uma universitária arrogante e egoísta que é assassinada por um mascarado no fim do dia de seu aniversário. A protagonista, então, passa a reviver o mesmo dia em looping, tentando, no processo, descobrir a identidade de seu assassino — simultaneamente, vai aprendendo a ser uma pessoa melhor. (Apple TV e Google Play)
Boneca Russa (2019-)
No seriado de humor sinistro, Nadia (Natasha Lyonne), uma engenheira de software, fica presa em um looping fatal no dia do seu aniversário de 36 anos. A cada morte que sofre, ela vê um pedaço da sua alma se partindo em duas peças — em uma analogia às bonecas russas. Nadia pega essas duas partes e tenta ligar os pontos. Ganhou uma segunda temporada em 2022. (Netflix)
A Gente se Vê Ontem (2019)
Com produção de Spike Lee e direção de Stefon Bristol, mescla ficção científica sobre viagens no tempo a uma discussão sobre o racismo nos Estados Unidos. Na história, a genial C.J (Eden Duncan-Smith) e seu melhor amigo, Sebastian (Dante Crichlow), têm tudo para virarem os novos Einsteins, com suas pesquisas sobre máquinas no formato de mochilas capazes de voltar ao passado. Contudo, após o irmão da garota ser assassinado pela polícia, sua missão ganha um novo e urgente objetivo: salvar a vida do jovem a qualquer custo. (Netflix)
Dois Estranhos (2020)
O curta-metragem de ficção dirigido por Travon Free e Martin Desmond Roe ganhou o Oscar da categoria. Ambientada em Nova York, a história do desenhista de quadrinhos Carter (Joey Badass) é um Feitiço do Tempo para a era George Floyd. Ou Breonna Taylor. Ou Eric Garner. Ou outros tantos homens e mulheres negros dos Estados Unidos mortos por policiais brancos. Preste atenção a situações e falas nas cenas de violência e no formato de uma poça de sangue: são detalhes que dão contundência ao filme. (Netflix)