Tom Cruise é o herói de Top Gun: Maverick (2022), da franquia Missão: Impossível, das aventuras cinematográficas de Jack Reacher e de filmes como Minority Report (2002), O Último Samurai (2003) e Guerra dos Mundos (2005). Mas este mocinho por excelência de Hollywood também já trilhou o lado do mal. E fez isso muito bem! (Veja, mais abaixo, os títulos disponíveis nas plataformas de streaming.)
Aliás, seu primeiro papel de destaque, no drama Toque de Recolher (1981), de Harold Becker, foi o do esquentado cadete Shawn, que, em meio à rebelião dos estudantes de uma academia militar, se transforma em um atirador no próprio campus.
Como vilão de fato, a estreia só aconteceu em Entrevista com o Vampiro (1994), a versão do cineasta Neil Jordan para o best-seller escrito por Anne Rice.
Na San Francisco dos anos 1990, o vampiro Louis (Brad Pitt) conta sua história bicentenária para um repórter (Christian Slater), relembrando sua transformação pelos dentes do sedutor Lestat (Tom Cruise) e seu encontro com o mais antigo chupa-sangue do mundo (Antonio Banderas). Lestat mantém distanciamento da humanidade, mas, ao mesmo tempo, por solidão e tédio, acaba usando-a para sua diversão — assim como Cruise claramente se divertiu fazendo o personagem. O curioso é que Pitt e Cruise foram "premiados" com o Framboesa de Ouro de pior casal.
Depois desse vampiro, há raríssimos tipos na carreira de Cruise que podem ser considerados malvados. Um deles é Frank T.J. Mackey, o guru motivacional de Magnólia (1999) que prega a supremacia dos homens sobre as mulheres, mas que tem suas próprias fragilidades. O filme de Paul Thomas Anderson tem uma das interpretações mais elogiadas de Cruise, indicado ao Oscar e ao prêmio do Sindicato dos Atores dos EUA (SAG Awards) de ator coadjuvante e vencedor do Globo de Ouro.
Outro é Les Grossman, o inescrupuloso produtor cinematográfico da comédia Trovão Tropical (2008), de Ben Stiller, no qual, em uma ponta memorável, aparece careca, barrigudo, com peito cabeludo e dançando o rap Get Back, de Ludacris.
Mas o grande vilão de Tom Cruise, pelo qual merecia sua quarta indicação ao Oscar — também concorreu por Nascido a 4 de Julho (1989) e Jerry Maguire (1996), ambas como melhor ator —, foi o matador profissional Vincent de Colateral (2004).
Dirigido por um esteta e, de certa forma, um filósofo do filme policial, Michael Mann — o realizador de Profissão: Ladrão (1981), Caçador de Assassinos (1986), Fogo Contra Fogo (1995), Miami Vice (2006) e Inimigos Públicos (2009) —, Colateral foi escolhido pelo American Film Institute (AFI) como um dos 10 melhores títulos de 2004. Na justificativa, o AFI disse que o longa-metragem é, a um só tempo, "um passeio eletrizante" e "uma meditação sombria e onírica sobre a moralidade" — o equilíbrio é providenciado pela edição de Jim Miller e Paul Rubell, indicados ao Oscar. Também enalteceu sua excursão por uma Los Angeles depois do pôr do sol, graças às novas tecnologias empregadas pelos diretores de fotografia Dion Beebe e Paul Cameron.
Toda a história se desenrola ao longo de uma noite na cidade californiana. Jamie Foxx (que disputou o Oscar de coadjuvante) interpreta o motorista de táxi Max, que, ao olhar para um corpo estatelado no teto de seu carro, em um beco de Los Angeles, pergunta ao passageiro que até então parecia ser um sujeito simpático:
— O que ele fez para você matá-lo?
— Só o conheci esta noite — responde Vincent, o personagem encarnado por Tom Cruise, de barba e cabelos grisalhos combinando com o terno cinza e a camisa branca.
O taxista, mais incrédulo, retruca:
— Como você atira em alguém que nem conhece?
O assassino, agora irônico, quase como se fosse uma versão perversa do Maverick de Top Gun, devolve:
— Eu só deveria matar as pessoas que conhecesse bem?
O diálogo sintetiza a trama de Colateral — Max terá de fazer uma corrida com cinco paradas mortíferas para Vincent — e as semelhanças e diferenças que existem entre aqueles dois homens. São dois solitários, que precisam saber detalhes da vida das pessoas: Max para se sentir vivo, Vincent para matá-las.
O duelo existencial travado pelo assassino de aluguel e seu chofer envolve temas como ética profissional, coragem e legado — um debate característico na obra de Mann, encenado também em O Informante (1999) e Ali (2001). Os desejos e as dúvidas de cada um são realçados pela paisagem lá fora, que, como já escreveu o crítico Ruy Gardnier, ex-editor da revista eletrônica Contracampo, adquire "contornos sentimentais" no cinema de Michael Mann.
Esse confronto chega a colocar o público em xeque, porque Tom Cruise conseguiu transmutar seu carisma de mocinho para o papel de vilão. Mas o foco é na jornada de transformação empreendida por Max. O roteirista Stuart Beattie diz que não foi a ideia de entrar na mente de um matador que o inspirou, mas os riscos diários de um taxista: "Peguei um táxi no aeroporto e fui conversando com o motorista. Ao chegar em casa, parecíamos velhos amigos. Mas eu poderia ser um maníaco homicida e ele nunca saberia".
Vincent embarca no táxi após um prólogo que revela a obsessão de Max pelo trabalho e seus sonhos. Também percebemos como o carro é sua zona de conforto, seu mundinho seguro: quando o motorista fecha a porta do veículo, some todo o barulho de Los Angeles. O pistoleiro também é um homem absolutamente dedicado ao que faz, mas, em contraste, ama os improvisos do jazz e estimula seu condutor a se adaptar — "Darwin, shit happens, I Ching", ele recita.
A tensão decorrente tem as marcas de Michael Mann, um cineasta muito interessado em transmitir a impressão de um momento presente em estado puro. O ápice é a sequência na abarrotada boate Fever, quase sete minutos nos quais a ação é crua, rápida, por vezes turva. Luzes e sombras, os cortes bruscos e a trilha sonora desamparam o olhar do espectador, já febril, como o nome do clube noturno sugere, diante dos múltiplos personagens envolvidos na perseguição a um duplo alvo. Tudo está a serviço da ideia, declarada pelo diretor à época, de evocar a "selvageria" que existe logo abaixo da superfície na noite de Los Angeles. É por isso que, momentos antes de chegarem ao endereço, Max e Vincent avistam três coiotes atravessando a rua. Nas palavras de Mann, os animais exibem a atitude de quem sabe que ali ainda era seu domínio e que a presença da civilização era meramente temporária.
O que ver
- Entrevista com o Vampiro (1994), de Neil Jordan: HBO Max e NOW, disponível para aluguel em Amazon Prime Video e Google Play
- Magnólia (1999), de Paul Thomas Anderson: HBO Max, disponível para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play
- Colateral (2004), de Michael Mann: Amazon Prime Video, Globoplay, Netflix e Telecine
- Trovão Tropical (2008), de Ben Stiller: Amazon Prime Video, disponível para aluguel em Apple TV