Ticiano Osório

Ticiano Osório

Jornalista formado pela UFRGS, trabalha desde 1995 no Grupo RBS. Atualmente, é editor em Zero Hora e escreve sobre cinema e seriados em GZH e no caderno ZH2.

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Comédia criminal com sabor brasileiro volta ao menu

Paranaense Marcos Jorge dirige o baiano João Miguel no premiado "Estômago" (2007)

Ticiano Osório

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Downtown / Divulgação
Fabiula Nascimento e João Miguel em "Estômago" (2007), de Marcos Jorge

A Netflix adiciou recentemente a seu cardápio uma comédia criminal com sabor brasileiro e inspiração italiana. Estômago (2007), dirigido pelo paranaense Marcos Jorge, por vezes remete às sátiras produzidas naquele país na década de 1970; em outras, o despudor lembra o cinema de Marco Ferreri (1928-1997), autor de A Comilança (1973), Crônica de um Amor Louco (1981) e A Carne (1991).

Baseado no conto Presos pelo Estômago, do livro Pólvora, Gorgonzola e Alecrim, de Lusa Silvestre, Estômago ganhou cinco troféus no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro: melhor filme, diretor, roteiro, ator coadjuvante (Babu Santana) e escolha do público. Seu protagonista é o baiano João Miguel, um dos rostos que se tornaram onipresentes na produção audiovisual nacional no século 21. Esteve em filmes como Cinema, Aspirina e Urubus (2005), Se Nada Mais Der Certo (2008), Xingu (2011) e Pacarrete (2019) e em miniséries e seriados como O Canto da Sereia (2013), A Teia (2014), Felizes para Sempre? (2015) e 3% (2016-2018).

Em Estômago, João Miguel interpreta o paraibano Raimundo Nonato, que desembarga na cidade de São Paulo com a roupa do corpo e, em busca de abrigo, aceita trabalhar por casa e comida fritando coxinhas em um boteco. Os petiscos caem no gosto dos boêmios que frequentam o local, entre elas a prostituta Iria (Fabiula Nascimento) e logo Raimundo irá progredir na vida. Mas como ele narra sua saga de uma cela de presídio, de partida ficamos sabendo que algo ruim ocorreu pelo caminho. 

Downtown / Divulgação
A bandidagem de "Estômago" inclui personagens vividos por Paulo Miklos, Babu Santana e Jean-Pierre Noher

Marcos Jorge conta duas histórias em paralelo que têm em comum o uso que Nonato faz de suas habilidades culinárias para ascender socialmente. Tanto no emprego que arruma em um restaurante quanto no incremento que promove na gororoba servida aos detentos, o que o faz cair nas graças do chefão do xadrez, Bujiú (Babu Santana) e ganhar regalias. Vale prestar atenção nas receitas e dicas que são mostradas, da coxinha de galinha ao espaquete à putanesca, da origem do queijo gorgonzola ao emprego da angustura para dar sabor a drinques. 

A figura de Nonato atrás das panelas, experimentando temperos e misturas, parece tão improvável e deslocada quanto a do rato gourmet do desenho animado Ratatouille, lançado no mesmo ano. Mas João Miguel equilibra a verve cômica e o contorno dramático exigido para compor uma figura que transita por luzes e sombras.

Em entrevistas à época da estreia, o ator disse que a história de ascensão e queda de Raimundo tem leitura universal e não apenas regional. O baiano também comparou a dimensão tragicômica do personagem à do palhaço de circo — e foi vestido de palhaço que ele começou sua carreira de ator no Rio, aos 18 anos, atuando nas ruas, em escolas e hospitais, antes estrear no teatro: 

— O palhaço me deu mais interação social. Com ela também veio um despojamento, uma desconstrução. Toda tragédia tem um fundo de comédia. Todo humor pode ser triste. O importante é que essa vontade de fazer, de compartilhar, me transformou num ator investigativo. Gosto de fazer pesquisa, e os diretores têm de respeitar isso.

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