Divertido. Exuberante. Triste. Há muitos adjetivos positivos aqui, não à toa. Pacarrete foi aplaudido por cerca de três minutos e ovacionado com gritos de “bravo!” após sua exibição, terça-feira (20), no Palácio dos Festivais, pela mostra competitiva nacional do 47º Festival de Gramado.
A aclamação ao longa cearense ocorreu logo em sua primeira sequência, com o público aplaudindo a dança executada por Marcélia Cartaxo, 55 anos – que interpreta a personagem que dá nome ao filme. Pacarrete marca a requintada estreia do cineasta Allan Deberton na direção de um longa-metragem. Ele procurou contar uma história afetiva de uma personagem célebre de sua cidade natal, Russas (CE). Bailarina e professora aposentada, Pacarrete vivia em um universo particular: não queria que ninguém andasse por sua calçada para não sujá-la.
Pacarrete vive com sua irmã cadeirante, Chiquinha (Zezita Matos), e a empregada-governanta Maria (Soia Lira) – a química entre as três atrizes é certeira. Ela quer fazer uma apresentação de balé para o povo de Russas, na festa de aniversário da cidade. Quem incentiva Pacarrete é Miguel (João Miguel), um terno e amoroso dono de armazém. A bailarina parece viver dentro de um sonho sem querer acordar. Acima de tudo, ama a arte.
Há dois filmes em Pacarrete. No primeiro, somos apresentados a esse lado incomum da bailarina sonhadora e sua relação com os vizinhos – que a veem como “doida”. É uma pessoa incomum, com seus vestidos coloridos que remetem às décadas de 1920 e 30, sempre carregada na maquiagem. São cenas ensolaradas, abertas, com muita luz que destacam ambientes com tons claros e cores vivas. Uma comédia. Marcélia brilha a cada segundo de Pacarrete. Sua entonação ora estridente, ora doce e mansa, garante uma comicidade somada aos diálogos do “primeiro filme”. Seu trabalho de expressão corporal proporciona momentos de plenitude em cena.
A boa condução de Deberton traz uma transição sutil para o “segundo filme”, um drama. Pacarrete ganha tons mais escuros em ambientes fechados. As trevas e a solidão chegam para a bailarina. Mais uma vez, Marcélia se sobressai ao expressar a dor da personagem.
Com previsão de estreia para o primeiro semestre de 2020, Pacarrete não seria exatamente um filme sobre a loucura de uma personagem. Talvez tenha mais relação com o que é ser artista – especialmente hoje em dia. Pacarrete não é levada a sério e é destratada pelo governo de sua cidade. Não é loucura, certo? Bravo para Pacarrete.