Vinte e sete pessoas subiram ao palco do Palácio dos Festivais na apresentação do segundo concorrente aos Kikitos da mostra de longas-metragens nacionais do 52º Festival de Cinema de Gramado, na noite deste domingo (11). O grande contingente garantiu algumas risadas e os aplausos ao final da sessão de Estômago 2: O Poderoso Chef, um filme que deu fome, mas no mau sentido: a vontade despertada durante a projeção era de que o prato servido fosse mais saboroso, bem mais saboroso.
Com estreia comercial prevista para o dia 29 de agosto, esta é a continuação de uma comédia criminal-culinária lançada 17 anos atrás e vencedora de cinco troféus no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro: melhor filme, diretor (o paranaense Marcos Jorge), roteiro, ator coadjuvante (Babu Santana) e escolha do público. Em Estômago (2007), o baiano João Miguel interpreta o paraibano Raimundo Nonato, que desembarga na cidade de São Paulo com a roupa do corpo e, em busca de abrigo, aceita trabalhar por casa e comida fritando coxinhas em um boteco. Os petiscos caem no gosto dos boêmios que frequentam o local, entre elas a prostituta Iria (Fabiula Nascimento), e logo Nonato irá progredir na vida. Mas como ele narra sua saga de uma cela de presídio, de partida ficamos sabendo que algo ruim ocorreu pelo caminho.
Marcos Jorge conta duas histórias em paralelo que têm em comum o uso que Nonato faz de suas habilidades na cozinha para ascender socialmente. Tanto no emprego que arruma em um restaurante quanto no incremento que promove na gororoba servida aos detentos, o que o faz cair nas graças do chefão do xadrez.
Estômago 2 repete a receita original, misturando dois tempos narrativos, mas economiza demais no seu ingrediente principal. A ausência de João Miguel no palco do Palácio dos Festivais funcionou, em retrospecto, como um alerta: Nonato perdeu o protagonismo.
O curioso é que "o entusiasmo imediato" do ator baiano foi um dos três motivos listados por Marcos Jorge para explicar o surgimento desta sequência. O primeiro foi o fã-clube que se criou em torno de Estômago, filme que, em 2015, acabou entrando na lista dos cem melhores do país elaborada pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE). O terceiro, mas não menos importante, foi a viabilização de uma coprodução internacional.
Daí que os cenários de Estômago 2 se alternem entre a Itália e o Brasil; daí que o filme seja falado em dois idiomas, o português e o italiano; daí que o primeiro nome do elenco, nos créditos, seja o do genovês Nicola Siri, conhecido por aqui graças às novelas Mulheres Apaixonadas (2003) e Vidas Opostas (2006-2007), visto também nos filmes gaúchos Diário de um Novo Mundo (2005) e Valsa para Bruno Stein (2007).
Estômago 2, chega a abrir o apetite em seu prólogo, que cita uma cena clássica de Os Intocáveis (1987) protagonizada pelo Al Capone de Robert De Niro. Siri, na pele de um chefão da Máfia, Don Caroglio, circula às costas dos homens sentados a uma grande mesa. Enquanto vai abrindo os pratos do banquete, o personagem profere um discurso sobre cadeia alimentar que reflete as regras da organização criminosa: traição, como sabemos, é uma sentença de morte.
Logo a seguir, uma versão abrasileirada do concerto As Quatro Estações, de Vivaldi (1678-1741), faz a transição para uma penitenciária do nosso país, onde Nonato cozinha um tortellini à bolonhesa para dois clientes. Um é o líder dos presidiários, Etcétera (papel de Paulo Miklos, menos engraçado do que no primeiro filme), o outro é o diretor da cadeia. A chegada de Don Caroglio abala as estruturas do local, e Nonato fica no meio do conflito entre o bandido brasileiro e o mafioso italiano.
Se Estômago 2 fosse concentrado nessa história, poderia ser um filme razoavelmente gostoso. Pelo menos nos momentos estrelados por Nonato. Mas Marcos Jorge acabou se tornando refém de uma ideia, a de requentar a estrutura narrativa do longa original, e do dinheiro dos produtores italianos. Toda a trama rodada no país italiano, onde descobrimos como o chef de cozinha Roberto se transformou em Don Caroglio, é absolutamente genérica e desinteressante. Ainda que coloque à mesa o binômio sexo e morte, ficou um prato sem sal nenhum. E demorado: dura menos de duas horas, mas a impressão é de que se passou uma eternidade.