Dirigido por Melissa Brogni e Gabriel Motta, Pastrana não deixou ir embora do Rio Grande do Sul o Kikito de melhor filme da competição nacional de curtas-metragens do 52º Festival de Cinema de Gramado. Os vencedores foram anunciados na noite deste sábado (17), no Palácio dos Festivais. É a primeira vez que uma produção gaúcha ganha o principal prêmio desde 2015, quando O Corpo, de Lucas Cassales, faturou o troféu.
Em 2024, o RS também venceu no júri popular, com Ana Cecília, de Julia Regis, sobre uma adolescente (papel de Luiza Quinteiro) em fase de revolta, descoberta sexual e amadurecimento em uma cidadezinha gaúcha, Dom Feliciano.
O suspense no andamento da premiação e a pulverização na distribuição dos Kikitos vistos na competição de longas-metragens brasileiros se repetiram na disputa dos curtas. Dez dos 12 concorrentes foram distinguidos. No mínimo, com uma das quatro menções honrosas concedidas pelos jurados — o cineasta e professor Clementino Jr., o produtor Luiz Alberto Cassol, idealizador do Festival Santa Maria Cinema e Vídeo, e a produtora executiva Marília Garske.
Novamente, o ganhador do Kikito mais cobiçado perdeu para outro concorrente em número de subidas ao palco. Uma realização da Okna Produções, Pastrana conquistou três prêmios — também venceu em fotografia, de Livia Pasqual, e em montagem, de Bruno Carboni —, enquanto Maputo (SP) ganhou nas categorias de direção (Lucas Abrahão) e direção de arte (Coh Amaral), recebeu o Prêmio Canal Brasil (que inclui R$ 15 mil e a entrada na programação do canal) e uma menção honrosa pelo elenco adolescente (que se destaca mesmo nessa história sobre um garoto que encara desafios perigosos para fazer parte de uma turma).
Novamente, fui voto vencido na deliberação do Prêmio da Crítica — mas vale dizer que o júri do Troféu Assembleia Legislativa dos curtas-metragens gaúchos também não ficou sensibilizado por Pastrana. Deu apenas um prêmio, na categoria de produção executiva, para Graziella Ferst e Marlise Aúde. Já a Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, a ACCIRS, reconheceu o curta como o melhor da seleção.
Trata-se de uma homenagem de Melissa Brogni ao skatista catarinense Allysson Nascimento, mais conhecido como Allysson Pastrana, que morava em Novo Hamburgo e que morreu aos 18 anos, em novembro de 2018, após grave acidente durante o Mundial de Skate Downhill na Vista Chinesa, Zona Sul do Rio. Fã do piloto de acrobacias estadunidense Travis Pastrana, o brasileiro disputava a segunda bateria das quartas de final, quando, na última curva do trajeto, uma moto da organização, que subia fazendo o caminho contrário, se chocou com ele. De acordo com relatos, Allysson estava a quase 90km/h na descida, enquanto a moto tinha velocidade próxima a 60km/h.
Melissa Brogni e Gabriel Motta fizeram um filme que é a um só tempo sofisticado e emotivo. A montagem de Bruno Carboni costura imagens de arquivo — muitas delas captadas pela própria Melissa, que paulatinamente aprimorou a forma de gravar as descidas de skate nas estradas — com cenas registradas pela diretora de fotografia Lívia Pasqual. Os depoimentos nunca são diretos para a câmera: a edição prefere narrações em off, ilustradas por planos poéticos.
O curta jamais escorrega para o sensacionalismo ou o sentimentalismo. A tragédia é tratada com discrição, mas os diretores não edulcoram o seu impacto: por luto ou por medo, alguns amigos de Pastrana, incluindo Melissa, já não descem mais tanto de skate. A ausência é lembrada não aos prantos, mas com recordações da alegria que era estar com Pastrana.
Eu é que chorei diante da beleza contundente do epílogo de Pastrana, um casamento perfeito dos trabalhos de direção de fotografia, edição e trilha sonora (composta por Jonts Ferreira), emoldurado pelo último depoimento de Melissa: "Obrigado por me ensinar a parar o tempo. A acelerar o tempo. A voltar no tempo".
Onde ver o curta "Pastrana"
A carreira de Pastrana em festivais prossegue. De 22 de agosto a 1º de setembro, participará do 35º Kinoforum, o Festival Internacional de Curtas de São Paulo. Em novembro, entra na grade de programação do Canal Brasil, que adquiriu os direitos de exibição no 56º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, onde o filme também conquistou os troféus de melhor curta-metragem e melhor montagem.
Premiação dos curtas no Festival de Gramado
- Melhor filme: Pastrana (RS), de Melissa Brogni e Gabriel Motta (daqui a pouco, publico coluna sobre a vitória do curta gaúcho)
- Melhor direção: Lucas Abrahão, por Maputo (SP)
- Melhor roteiro: Adriel Nizer, por A Casa Amarela (PR)
- Melhor ator: Wilson Rabelo, por Ponto e Vírgula (RJ)
- Melhor atriz: Edvana Carvalho, por Fenda (CE)
- Melhor fotografia: Livia Pasqual, por Pastrana
- Melhor montagem: Bruno Carboni, por Pastrana
- Melhor direção de arte: Coh Amaral, por Maputo
- Melhor trilha musical: Liniker, por Ponto e Vírgula
- Melhor desenho de som: Felippe Mussel, por A Menina e o Pote (PE)
- Prêmio especial do júri: Ponto e Vírgula, de Thiago Kistenmacher
- Júri popular: Ana Cecília (RS), de Julia Regis
- Prêmio Canal Brasil de Curtas: Maputo, de Lucas Abrahão
- Prêmio da Crítica: Fenda, de Lis Paim
- Menções honrosas: Ressaca (MG), de Pedro Estrada, Via Sacra (DF), de João Campos, Navio (RN), de Alice Carvalho, Larinha R. Dantas e Vitória Real, e Maputo, de Lucas Abrahão