À espera de medidas que sinalizem cortes efetivos de gastos por parte do governo federal, a reação do mercado tem elevado a cotação do dólar a marcas históricas no apagar das luzes de 2024. A moeda norte-americana fechou a quarta-feira (18) cotada a R$ 6,26, o maior valor nominal desde o Plano Real, em 1994. Na terça-feira (17), a turbulência já havia levado o dólar a R$ 6,09, maior cotação até então.
A escalada a patamares históricos teve início ainda no fim de novembro, quando o dólar chegou à marca dos R$ 6 pela primeira vez. O pico respondeu à declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que anunciou isenção no Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. De lá para cá, outras questões de ordem fiscal encorparam a desvalorização do real. A projeção pessimista é de que a cotação na casa dos R$ 6 se torne “um novo piso” para a moeda.
Nesta quarta, outro fator, desta vez externo, influenciou. O mercado sentiu a última decisão de política monetária do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, de optar uma redução de 0,25 ponto na taxa de juros, agora no intervalo entre 4,25% e 4,50%.
Desafios e desconfiança
De acordo com os analistas, a disparada dos últimos dias repercute pelo menos dois episódios recentes. Primeiro, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) que dá sinais de um futuro desafiador na economia brasileira, com juros e inflação mais altos em 2025. Depois, a repercussão da entrevista do presidente Lula ao Fantástico, da TV Globo, no domingo (15), com a declaração de que o mercado não deve interferir na política fiscal. Algo que "pegou muito mal", segundo economistas, e que colocou ainda mais tempero na descrença de que o governo ajuste as suas contas no médio e longo prazo.
Mais do que a soma dos fatores macroeconômicos, é a desconfiança do mercado quanto à atuação do governo que tem influenciado a dinâmica cambial. A "perda de credibilidade", como noticiou a colunista Marta Sfredo, é incapaz de superar outras marcas econômicas positivas, como o desemprego em níveis historicamente baixos ou mesmo a boa capacidade de pagamento do Brasil em moeda estrangeira.
Para o economista e membro do Insper Lucas Borges, as oscilações representam um comportamento natural do mercado quando há incerteza sobre o futuro econômico.
— O mercado sempre vai querer se antecipar ao risco. O investidor está fazendo uma previsão, que não é muito boa, e nisso ele tira dinheiro daqui para aplicar onde vai render mais.
A instabilidade do dólar mesmo com ações do Tesouro para conter as altas deve se manter até que o governo dê respostas concretas sobre os gastos públicos. Entre as preocupações, chama atenção o aumento da relação entre dívida bruta e PIB, comenta o economista e professor da UFRGS Marcelo Portugal. Em dois anos, a relação aumentou sete pontos percentuais, para 78,6% do PIB no segundo semestre de 2024. O entendimento do mercado é de que o quadro fiscal é insustentável na maneira como está.
— Se continuar nesse ritmo, sete pontos a cada dois anos, vamos chegar a 85% do PIB, perto do valor máximo que se chegou durante a pandemia. Então, há um problema fiscal sério no país. Estamos numa trajetória que não é sustentável.
Fuga de investidores
Ainda que a época do ano represente um movimento típico de envio de dinheiro de multinacionais para as suas matrizes, a saída de investidores do Brasil está intimamente relacionada ao grau de risco. A menor atratividade do mercado brasileiro ocorre mesmo com a sinalização das ações econômicas, justamente pela incerteza.
— É como se você tivesse contraído um empréstimo no banco e neste momento estivesse bem. Mas em algum momento esta conta vai chegar. O governo criou várias taxas, ele está num momento de investimento, mas o mercado está antecipando que, a longo prazo, talvez não haja um cenário de estabilidade fiscal — exemplifica Borges.
Trump vem aí
Para os especialistas, outras turbulências que se avizinham podem estremecer o ambiente cambial. Uma delas é o novo governo de Donald Trump nos Estados Unidos, com posse marcada para janeiro.
O presidente eleito, que também tem uma questão inflacionária a resolver, sinalizou durante a campanha que pretende elevar taxas para equilibrar as contas internas, o que deve impactar o dólar na sua dinâmica global. Isso porque o juro alto em economias mais sólidas, como é o caso dos Estados Unidos, costuma atrair mais investidores. Com menos dólares circulando no Brasil, a valorização frente ao real tende a ser ainda mais forte.
— Se isso se confirmar, tendemos a ter impactos no ambiente cambial, nos juros e na inflação — projeta o economista do Insper.