Desde a última quinta-feira (12), o Banco Central faz intervenções consecutivas no câmbio. Só na segunda-feira (16), foram vendidos US$ 3 bilhões com compromisso de recompra em março do próximo ano — modelo chamado de leilão de linha, com recursos das reservas internacionais — e US$ 1,6 bilhão em leilão extraordinário, na maior intervenção à vista desde o início da pandemia, em 2020.
A dose total dos últimos dias já chega a cerca de US$ 10 bilhões. A intenção é baixar o dólar, que teve novo recorde nominal na segunda-feira, de R$ 6,094. Em nota enviada à coluna, o BC afirma que "as operações têm como objetivo manter a funcionalidade do mercado cambial local".
Há, portanto, disfuncionalidade detectada, o que não era reconhecido até as vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Conforme o economista-chefe da corretora de investimentos gaúcha Monte Bravo, Luciano Costa, há efeito da sazonalidade. Nesta época do ano, existe maior demanda por financiamento para exportação, que pode ser suprida por leilões de dólares com compromisso de recompra.
— Normalmente, as linhas são oferecidas por bancos estrangeiros. Mas quando o fechamento do ano se aproxima, por questão de balanço, os bancos diminuem a oferta. A demanda no mercado doméstico fica maior do que o normal, e o BC acaba suprindo para evitar distorções o câmbio por algo natural — afirma Costa.
O economista ainda lembra que, no final do ano, há maior fluxo de saída de capitais. Para fechar o balanço, empresas estrangeiras enviam recursos às matrizes, o que justificaria injeção de dólares à vista no mercado doméstico. Costa, no entanto, aposta que o BC vai concentrar a atuação apenas em pressões inesperadas.
— A gente não acha que o BC está buscando defender o nível de câmbio nem mudar a trajetória, até porque não consegue. Na verdade, o BC não controla o risco subjacente, que é questão fiscal.
Esse é o ponto de destaque para o chefe de pesquisa da Eleven Financial, Fernando Siqueira, que aponta que as intervenções consecutivas podem ser explicadas por efeito nulo do choque de juro no dólar. Apesar da alta de 1 ponto percentual no juro básico e anúncio de mais duas iguais até março de 2025, a cotação opera em patamar recorde.
— Aumentar o juro poderia reduzir a depreciação do real. Como não teve impacto, o BC começa a atuar. Outro ponto é a pressão do governo, que está reclamando faz tempo. Há tanta gente falando que o BC tem de evitar que a moeda suba demais que o BC acaba atuando — diz Siqueira.
É bom lembrar que, até o início deste mês o BC havia feito apenas uma intervenção à vista no governo Lula, em agosto deste ano, conforme levantamento do UOL. Na última sexta-feira (13), houve oferta de US$ 845 milhões na modalidade. Na segunda-feira, foram mais US$ 1,6 bilhão. Na gestão Bolsonaro, o BC fez 113 operações no mercado à vista para baixar o preço do dólar.
Mesmo considerando que houve uma pandemia no período entre 2019 e 2022, há uma diferença notável, que fez, na época, as reservas internacionais baixarem às mínimas dos últimos 10 anos (veja gráfico). Costa afirma que, no período, houve maior uso de instrumentos cambiais para recompor a oferta de financiamento.
— Durante a pandemia, os bancos, até para manter caixa e solvência, retraíram todo o crédito. E o emprestador, em última instância, acaba sendo o BC, porque é o único que tem um colchão tão grande para suprir o mercado e diminuir a pressão no câmbio.
A despeito das justificativas relacionadas ao período do ano, as sucessivas intervenções foram vistas com desconfiança no mercado. Na segunda-feira (16), os juros futuros dispararam depois da mais recente, indicando que a oferta foi interpretada de outra forma, não como uma ação pontual.
Sinais dúbios do Congresso sobre o pacote de corte de gastos também contribuíram para o estresse. Embora houvesse expectativa de votação ainda ontem, também houve indicação de que parte das medidas poderia ser adiada para aprovação só em 2025.
Outro fator de pressão para o câmbio e os juros futuros foram as novas críticas feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na entrevista concedida no domingo ao Fantástico, da TV Globo:
— A única coisa errada nesse país é a taxa de juros, está acima de 12%. Essa é a coisa errada, não há nenhuma explicação. A inflação está quatro e pouco, é uma inflação totalmente controlada. A irresponsabilidade é de que aumenta a taxa de juros todo dia, não é do governo federal.
A declaração se sobrepôs a um reconhecimento há muito tempo esperado nos meios econômicos feito pelo presidente:
— Se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, sabe quem vai pagar? O povo pobre.
*Colaborou João Pedro Cecchini