A mais tradicional honraria do Festival de Cinema de Gramado, que a partir desta sexta-feira (12) celebra a sua 50ª edição, será entregue a um ator já premiado duas vezes na Serra. Neste sábado (13), quando subir ao palco do Palácio dos Festivais para receber o troféu Oscarito, Marcos Palmeira vai inscrever seu nome em uma lista que inclui Grande Otelo (homenageado na estreia da distinção, em 1990), Anselmo Duarte (diretor de O Pagador de Promessas, Palma de Ouro no Festival de Cannes), o casal Glória Menezes e Tarcísio Meira, Fernanda Montenegro, Sônia Braga e Marco Nanini — o último laureado, em 2020 (não houve entrega no ano passado, quando, por causa da pandemia, optou-se por festejar "todos os profissionais que atuam à frente ou atrás das telas e que tiveram a missão de arejar e de nos abrir janelas", segundo os organizadores).
Carioca que vai completar 59 anos no dia 19 de agosto, Palmeira vive um momento especial na televisão. Na RBS TV, no papel de José Leôncio, é um dos destaques da nova versão de Pantanal, novela que na produção original, em 1990, ajudou a forjar sua imagem de galã, na pele do personagem Tadeu.
Na entrevista a seguir, o ator fala sobre sua relação com o Festival de Gramado e o RS, sobre seus projetos paralelos e sobre seus planos para a vida a partir dos 60 anos:
Qual é o significado de receber o troféu Oscarito justamente na edição de número 50 do Festival de Gramado?
Receber esse prêmio nos 50 anos de Gramado, e em um momento no qual estou fazendo uma novela que é tão importante pra mim, é um marco. Fico muito feliz e muito honrado, pra caramba.
O Rio Grande do Sul é um cenário especial para você, não? Foi no Festival de Gramado que recebeu seus primeiros prêmios, o de ator coadjuvante por Dedé Mamata (1988) e o de melhor ator por Barrela: Escola de Crimes (1990). Em 2015, subiu ao palco do Palácio dos Festivais para homenagear seu pai, o cineasta Zelito Viana, que recebia o Troféu Eduardo Abelin. E foi por Anahy de las Misiones (1997) que faturou o Candango no Festival de Brasília. Você pode falar um pouco sobre sua relação com o Estado?
É um Estado muito forte na minha vida. Fiz aí um dos filmes de que mais gosto, um filme de arte, o Anahy de las Misiones, do querido Sérgio Silva (1945-2012). Fui sempre muito bem recebido, fui casado com uma gaúcha (Vanessa Barum, de 1993 a 1998), fiz muitos amigos... Tenho orgulho de, através dos personagens, poder apresentar esse Brasil de norte a sul.
Com a sua experiência de quatro décadas (sem contar a ponta em Copacabana me Engana, de 1968), como você vê o atual momento do cinema brasileiro? Quais são as virtudes e quais são os desafios?
O cinema brasileiro nunca esteve tão forte. Há muita produção, e as plataformas de streaming ajudam muito, dando mais espaço e visibilidade. Os desafios são os de sempre. Ter uma política cultural realmente definida, o público poder enxergar a cultura como forma de transformação, de educação. A classe artística segue unida, lutando, ainda mais neste momento em que a arte está sendo criminalizada, em uma uma inversão de valores.
A sua família é cheia de artistas do cinema e da TV: o diretor Zelito Viana, seu pai; a produtora Vera de Paula, sua mãe; a sua irmã, Betse de Paula; os tios Chico Anysio e Lupe Gigliotti e os primos Bruno Mazzeo, Nizo Neto, Cininha de Paula e Maria Maya. Chegou a imaginar uma carreira diferente? Qual seria?
Por ter uma família de artistas, sempre fui ligado às artes. Mas eu queria ser indigenista, fazer esse trabalho que o finado Bruno (Bruno Pereira, assassinado em junho no Vale do Javari) exercia lá na Amazônia, trabalhar com comunidades indígenas isoladas. Cheguei a me inscrever em um curso de indigenismo, também tinha desejo de ser psicólogo ou veterinário, mas acabei abduzido pela arte, e hoje acho que fiz a escolha certa, ainda mais agora com essa homenagem em Gramado.
Em paralelo ao trabalho de ator você também se tornou produtor de alimentos orgânicos e desenvolve ações para a proteção e a valorização das culturas indígenas. Pode falar sobre como surgiram esses interesses e como concilia as três atividades?
A questão ambiental entrou forte na minha vida a partir de quando adquiri a fazenda que virou a Vale das Palmeiras (em Teresópolis, na região serrana do RJ). Descobri que os produtores não comiam as verduras e os legumes que plantavam, porque eles usavam agrotóxicos. Aquilo mudou a minha cabeça. Talvez também tenha pesado a convivência com os indígenas, isso me manteve com os pés no chão, voltado pro mato. Sou conectado com eles até hoje, acho que também precisávamos ter uma política indigenista bem definida, é muito complicado o que eles estão passando. Aliás, se tem alguém sofrendo muito no Brasil são as comunidades indígenas e quilombolas. São os excluídos dos excluídos. Eu consigo conciliar porque tudo o que eu faço eu amo muito fazer. Amo ser ator, amo trabalhar em defesa da natureza, sou um cara focado nisso, no meu dia a dia, nas minhas atitudes, procurando enfrentar as pequenas corrupções do dia a dia, uma coisa ancestral do Brasil, e mostrar que sem preservação a gente não vai a lugar nenhum.
Em recente entrevista ao jornal O Globo, você disse que José Leôncio, seu personagem na nova versão da novela Pantanal, o ensinou a aceitar a idade: "Eu me toquei que estava lendo o texto da novela como se ainda fosse o Tadeu e tivesse 27 anos. Daqui a pouco, vou fazer 60 anos! Nem parei para pensar nisso ainda. A gente não se sente assim, né? Se não olha no espelho, ninguém se sente velho. Às vezes, estou com questões que não sei como resolver e o personagem aparece com a solução. Zé Leôncio fez eu me ver como um homem maduro". Dito isso, quais são seus planos para a vida depois dos 60?
Depois dos 60, pretendo continuar nesse ritmo aí, entretendo as pessoas, levando alegria para as pessoas, personagens interessantes, enquanto eu tiver energia e tiver memória. E cada vez mais focado na questão ambiental, o Vale das Palmeiras se tornando um núcleo preservado, pulsante, em uma terra que era totalmente degradada. Mas como diz o Ernst Götsch, da antroposofia, não existe terra degradada, existe terra mal manejada. Pretendo, a partir dos 60 anos, continuar manejando a terra da melhor maneira possível, seja o meu adubo na agricultura, seja na arte, na minha relação com as pessoas, com a minha filha, minha mulher, meus pais, praticar a empatia e a escuta. O estado de aprendizado constante é uma coisa importante de não se perder. Quero seguir nessa toada, podendo jogar meu futebol, meu tênis, fazer meu Pilates... O bom de envelhecer é que a gente vai tendo tempo de se tornar uma pessoa melhor. É um objetivo.