Nas férias do final de julho, assisti a duas excelentes minisséries de 2021 que ainda não havia visto. Uma, Missa da Meia-Noite, foi (quase) solenemente ignorada no Emmy, e a outra, Dopesick, em cartaz no Star+, é a vice-líder da categoria no número de indicações ao principal prêmio da TV e do streaming nos Estados Unidos, a ser entregue em 12 de setembro. Soma 14 (contra as 20 de The White Lotus), incluindo melhor minissérie, direção (Danny Strong), roteiro (também de Strong), ator (Michael Keaton, que já ganhou o Globo de Ouro e o troféu do Sindicato dos Atores), atriz coadjuvante (Kaitlyn Dever e Mare Winningham) e ator coadjuvante (Will Poulter, Peter Sarsgaard e Michael Stuhlbarg).
Tirando The White Lotus, as minisséries concorrentes guardam importantes semelhanças. Dopesick, The Dropout (2022), Inventando Anna (2022) e Pam & Tommy (2022) apresentam versões ficcionais de casos policiais e/ou judiciais e/ou empresariais e/ou midiáticos e/ou de saúde pública ocorridos nos EUA nas últimas décadas (enquadram-se nessa situação outras tantas obras recentes, como Black Bird, A Cidade É Nossa, A Escada, Super Pumped: A Batalha pela Uber e WeCrashed). Dopesick é tudo isso ao mesmo tempo.
Os oito episódios são baseados no livro homônimo publicado em 2018 pela jornalista Beth Macy, que aborda como a empresa farmacêutica Purdue Pharma promoveu de forma agressiva e mentirosa o OxyContin, um analgésico mais poderoso do que a morfina e altamente viciante — é derivado do ópio, que vai dar origem a drogas como heroína e metadona. O contexto contribuiu: na época em que o remédio surgiu, nos anos 1990, o tratamento da dor crônica estava sendo reconsiderado na medicina estadunidense. O medicamento é considerado responsável pela crise de opioides que provocou 500 mil mortes nos Estados Unidos a partir de 1999. O mais chocante é que, segundo Dopesick, a grande maioria é de pacientes que estavam simplesmente tomando as doses prescritas pelos médicos (foi a "primeira onda"). O vício em OxyContin levou centenas de milhares de pessoas a recorrerem à heroína (a segunda onda, a partir de 2010). Depois, muitos dependentes químicos migraram para opioides sintéticos, em particular o fentanil (a terceira onda).
Também a exemplo de The Dropout, Inventando Anna e Pam & Tommy, Dopesick recorre a flashbacks na trama e tem diferentes núcleos narrativos — mas aqui as idas e vindas no tempo são muito mais frequentes (e bem sinalizadas) e o elenco, maior, como em A Cidade É Nossa e A Escada. Basicamente, há cinco núcleos, que por vezes se cruzam, apesar de estarem correndo em tempos distintos. O principal é o de Finch Creek, uma fictícia cidade mineira do Estado da Virginia onde moram personagens como o médico Samuel Finnix (Michael Keaton) e a jovem Betsy Mallum (Kaitlyn Dever), operária em uma mina de carvão. Por causa de um acidente de trabalho, ele acaba receitando a ela o OxyContin.
Doses do remédio foram fornecidas a Finnix por Billy Cutler (Will Poulter), um revendedor da Purdue Pharma que busca ascender ao mesmo tempo em que tenta seduzir uma colega sem o pingo de escrúpulo que ele tem.
No DEA, sigla de Drug Enforcement Administration, órgão federal do Departamento de Justiça dos EUA encarregado da repressão aos narcóticos, uma agente sem jeito para a diplomacia, Bridget Meyer (Rosario Dawson), começa a sacrificar sua vida pessoal à medida que aumentam os casos de assalto a farmácias para roubo de OxyContin.
Em outras duas pontas, estão personagens reais. Proprietária da Purdue Pharma, a família Sackler vive em meio a intrigas e disputas por conta da ambição de Richard Sackler (Michael Stuhlbarg) pelo sucesso do OxyContin.
Peter Sarsgaard e John Hoogenakker interpretam, respectivamente, Rick Mountcastle e Randy Ramseyer, dois promotores públicos que querem investigar as ações da farmacêutica e, se possível, levá-la aos tribunais.
Dopesick costura essas linhas de modo brilhante, sendo explicativa sem esquecer que é uma obra ficcional, dramática (a propósito: uma leitora me lembrou que há um documentário em quatro partes, Prescrição Fatal, de 2020, em cartaz na Netflix). Dosa emoção e informação, por assim dizer — a minissérie consegue tornar a burocracia um assunto trepidante. Os dramas pessoais, os dilemas morais, os entraves éticos ou jurídicos e os lances da mais pura e insensível ganância permitem que todo o elenco brilhe, em especial Keaton (que vai lidar com a culpa e a tentação) e Stuhlbarg (tão patético quanto assustador). E quando você achar que a indicação de Mare Winningham como melhor atriz coadjuvante, no papel da mãe de Betsy, foi um tanto exagerada, um par de cenas nos episódios finais vai esfarelar esse pensamento.