O professor e cineasta Sérgio Silva morreu na madrugada desta quarta-feira. A causa da morte foi um câncer de pulmão. Ele nasceu em 1945 em Porto Alegre. Os atos fúnebres serão na capela 9 do Cemitério Ecumênico João XXIII a partir das 14h. O sepultamento ocorrerá às 20h.
Silva era bacharel em Letras pela UFRGS, lecionou literatura e língua no Colégio Israelita, por 12 anos, e por 32 anos foi professor de disciplinas teóricas de dramaturgia no Departamento de Arte Dramática da UFRGS.
_ Não repetiu aquele clichê "lutou contra um câncer" _ comenta a amiga e produtora Gisele Hiltl, parceira de trabalho desde os anos 1980. _ Enfrentou a doença de peito aberto e com a naturalidade que se pode ter numa hora dessas, inclusive após o fim do tratamento químio e radioterápico.
No Festival de Cinema de Gramado deste ano, três dias antes de sua morte, Silva foi homenageado pelo conjunto de sua obra no Palácio dos Festivais. Os jornalistas e críticos de cinema Ivonete Pinto e Roger Lerina lembraram a obra e os ensinamentos do mestre que integrava o Clube de Cinema de Porto Alegre desde 1960 (quando tinha 15 anos) e que estreou na direção em 1968 com o curta em Super-8 Sem Tradição, sem Família, sem Propriedade.
O primeiro filme que ele dirigiu foi também aquele que deu início a uma série de trabalhos alegóricos e experimentais, que se seguiram a produções no teatro. Em 1984 e 1990, respectivamente, codirigiu com o jornalista e crítico Tuio Becker A Divina Pelotense e o elogiado longa em 16mm Heimweh/Nostalgia.
O curta O Zeppelin Passou por Aqui (1993) foi um de seus trabalhos de maior repercussão. Serviu de impulso para Anahy de las Misiones, lançado quatro anos depois e premiado com sete troféus Candango no Festival de Brasília, entre eles melhor filme, direção e atriz, para Araci Esteves.
Noite de São João (2003) e Quase um Tango (2009) foram seus dois últimos longas, ambos selecionados para Gramado _ e premiados com Kikitos como o de melhor atriz para Viviane Pasmanter, que protagoniza este último ao lado de Marcos Palmeira.
Sua paixão pelo cinema começou na infância: aos seis, sete anos, escrevia em casa as fichas técnicas dos filmes a que assistia em matinês de antigos cines da Capital como o Gioconda, no bairro Tristeza. Sobre o fazer cinematográfico, Silva era perfeccionista e se dizia eternamente insatisfeito:
- Cinema é uma equipe, cada pessoa tem seu processo criativo, você acaba sendo um maestro dessa parafernália de humano e máquina. Você nunca está completamente satisfeito, porque o controle do filme é muito difícil. Ficar 100% satisfeito é muito raro.
Jamais abandonou a cinefilia. E o humor, como lembrou em uma extensa entrevista a Zero Hora publicada em 2003 e recordada por Lerina no palco do Palácio dos Festivais no último domingo:
_ Investi uma fortuna em home theater, com caixas de som de última geração, e o primeiro filme que comprei foi A Paixão de Joana d'Arc, de Carl Theodor Dreyer, que é mudo e em preto e branco.
Sérgio Silva por seus amigos:
"Conhecia o Sérgio há mais de 30 anos. Trabalhamos próximos, embora não juntos. Ele era extremamente bem-humorado, com uma visão crítica a respeito do próprio trabalho, do cinema, do Rio Grande do Sul. Nunca fez clichês, era sempre um trabalho original. Ele tinha uma visão do cinema como forma de expressão dramática, teatral, que o Fellini e outros gênios tiveram. O cinema perde muito quando alguém com toda essa vivência no teatro vai embora. Hoje, o cinema está tomado de um realismo banal. Sérgio não filmava a vida como ela era, mas como o cinema deveria ser."
Jorge Furtado, cineasta
"Convivi com ele em espetáculos do grupo Teatro Vivo, como Mahagonny (em 1988, de Brecht e Weill, com direção de Irene Brietzke). Éramos dois bandidos e fundávamos uma cidade. Fora do palco, ele também teve esse papel fundador. Fez parte de uma geração que deu impulso para o Departamento de Arte Dramática da UFRGS, onde lecionou até 2010. Ao mesmo tempo, era de uma geração do cinema no Rio Grande do Sul que fazia um outro tipo de filme, fascinado com a produção europeia, mais intimista. No teatro, tinha essa característica artesanal, no bom sentido _ e literalmente, porque também era cenógrafo, pintava cenários."
Mirna Spritzer, professora e atriz
"Sérgio Silva será lembrado fundamentalmente pelo grande filme que fez, Anahy de las Misiones. Não estou exagerando quando digo que é o melhor filme feito no Rio Grande do Sul. É uma ambientação gaúcha da peça Mãe Coragem, de Brecht. Entre outros filmes bons que ele fez, gosto muito de Quase um Tango... No teatro, era professor de teoria, lecionava literatura dramática. Na prática, deixou sua marca como produtor. Fazia um trabalho excelente nos bastidores."
Luiz Paulo Vasconcelos, professor, diretor e ator
"Anahy de las Misiones é o melhor filme gaúcho de caráter histórico, uma superprodução. Mais recentemente, fez Quase um Tango..., ainda inédito, mas injustamente: foi exibido em Gramado (em 2009), ganhou alguns Kikitos e se comunica muito com o público. Sérgio Silva era o ponto de reunião de pessoas como Tuio Becker, Carlos Carvalho, Araci Esteves. Era um profissional brilhante nas áreas em que atuou."
Hiron Goidanich, o Goida, crítico de cinema e jornalista