Dez dias após o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, um dos suspeitos presos pelo sumiço confessou, em depoimento à Polícia Federal (PF), na quarta-feira (15), ter participado do assassinato da dupla. Os irmãos Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos, e Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, estão detidos temporariamente pelo crime.
Na quinta-feira (16), a PF ampliou as investigações e, agora, considera a participação de cinco suspeitos no caso. A corporação diz ainda que as primeiras apurações não indicam que haja um mandante para o crime.
Pereira e Phillips desapareceram no Vale do Javari, na Amazônia, no último dia 5. Eles foram vistos pela última vez na manhã daquele domingo, na comunidade de São Gabriel, não muito longe do destino, a cidade de Atalaia do Norte.
Veja o que a polícia já sabe sobre o crime e o que ainda precisa ser apurado.
Quem são as vítimas?
Bruno Araújo Pereira, da Fundação Nacional do Índio (Funai), era considerado um dos maiores especialistas em indígenas que vivem em isolamento ou de recente contato no país. Era alvo constante de ameaças pelo trabalho que vinha fazendo juntos aos indígenas contra invasores na região, pescadores, garimpeiros e madeireiros, sendo considerado um dos mais experientes da Funai.
Já Dom Phillips era um jornalista freelancer britânico que trabalhava para o jornal The Guardian e havia se mudado para o Brasil em 2007, com passagens por São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.
O que faziam na Amazônia?
De acordo com lideranças da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), a dupla se deslocava com o objetivo de visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontra próxima à localidade chamada Lago do Jaburu. O objetivo era que o jornalista visitasse o local e fizesse algumas entrevistas com os indígenas.
Os dois chegaram ao local de destino na sexta-feira (3), às 19h25min. No domingo (5), os dois iniciaram logo cedo o retorno para a cidade de Atalaia do Norte. Antes, pararam na comunidade de São Gabriel, em uma visita previamente agendada, para que o indigenista fizesse uma reunião com um líder comunitário, com o objetivo de consolidar trabalhos conjuntos entre ribeirinhos e indígenas na vigilância do território, bastante afetado por intensas invasões.
Onde desapareceram?
O jornalista e o indigenista foram vistos pela última vez na manhã do dia 5, na comunidade de São Gabriel.
Quais riscos a região apresenta?
Presidente da Funai nos anos 1990 e referência nacional em estudos sobre povos isolados, Sydney Possuelo avalia que a expedição feita por Pereira e Phillips foi extremamente arriscada. Conforme ele, a região do Vale do Javari é marcada há décadas por um conflito com criminosos que vem recrudescendo nos últimos anos. A comunidade é conhecida por sofrer influência financeira de traficantes de drogas, garimpeiros e demais exploradores que invadem o território.
Em setembro de 2019, Pereira tirou licença, sem remuneração, ao ser destituído da função de coordenador-geral da Funai no Vale do Javari, após deixar garimpeiros furiosos. Ele foi peça decisiva na destruição de 60 balsas que mineravam ilegalmente no Rio Jandiatuba, situado na Terra Indígena, onde vivem 19 povos indígenas isolados. É a mesma região onde ele e Philips desapareceram.
Quem são os suspeitos presos?
Os irmãos Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos, e Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, estão presos temporariamente pelo crime. O primeiro a ser detido foi Amarildo, em 8 de junho, três dias após o desaparecimento. O segundo suspeito de participação nos desaparecimentos, Oseney, foi capturado na terça-feira (14). Ambos tiveram a prisão temporária de 30 dias decretada.
Amarildo confessou o crime, conforme a PF. Na quinta-feira (16), a corporação declarou que a investigação foi ampliada e que, agora, cinco pessoas estão sendo investigadas por participação no caso — os demais, contudo, não tiveram os nomes divulgados.
O que a polícia já apurou?
Amarildo foi preso após policiais civis encontrarem com ele munição sem procedência legal e drogas. Pesam também contra ele as ameaças que teria feito ao indigenista e o fato de estar no local presumido para o desaparecimento.
No barco dele foi encontrado sangue, que está sendo periciado. A Marinha encontrou ainda vísceras humanas boiando num rio na região das buscas, reforça relatório da PF. Pertences dos dois também foram achados na água.
Já o irmão dele, Oseney, foi visto nas proximidades de onde o barco do indigenista e do jornalista desapareceu e onde foram encontrados os pertences. Havia um cartão de saúde, uma calça, um chinelo e um par de botas pertencentes ao indigenista em uma mochila. No local, também estavam um par de botas e uma mochila com roupas de Phillips.
Segundo a investigação, Amarildo narrou com detalhes o crime e se comprometeu em apontar onde havia enterrado os corpos. Equipes da PF se deslocaram na manhã de quarta-feira em direção ao local indicado por ele. O local onde os vestígios humanos foram enterrados era de difícil acesso, mais de três quilômetros mata a dentro. O barco em que a dupla estava teria sido afundado.
Nesta sexta-feira (17), a PF informou que as investigações apontam que não houve mandante ou organização criminosa envolvida no crime.
O que falta esclarecer?
A identificação dos corpos está pendente. "Remanescentes humanos" foram encontrados no local onde estavam sendo feitas escavações, conforme o ministro da Justiça, Anderson Torres, e serão encaminhados para perícia.
A motivação e as circunstâncias do crime também precisam ser esclarecidas.
Quando sai o resultado da perícia?
Os restos mortais encontrados no suposto local do assassinato do jornalista e do indigenista foram transportados para Brasília na noite de quinta-feira (16). O voo desembarcou no hangar da Polícia Federal no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek por volta das 18h35min.
Agora, os restos mortais encontrados no Vale do Javari serão submetidos à perícia. Os exames já tiveram início e serão realizados no Instituto de Criminalística da PF. Os resultados devem sair até o final da próxima semana.
O que diz o governo federal?
O presidente Jair Bolsonaro comentou na quarta-feira (15) sobre o desaparecimento de Pereira e Phillips. O chefe do Executivo chamou a viagem do repórter inglês de "excursão" e disse que ele era "malvisto" na Amazônia.
— Esse inglês era malvisto na região, fazia muita matéria contra garimpeiros, questão ambiental. Então, naquela região bastante isolada, muita gente não gostava dele. Deveria ter segurança mais do que redobrada consigo próprio — afirmou o presidente. — Os dois resolveram entrar numa área completamente inóspita sozinhos, sem segurança, e aconteceu problema (...) É muito temerário você andar naquela região sem estar preparado fisicamente e também sem armamento devidamente autorizado pela Funai, que, pelo que parece, não estavam — disse.
Nesta quinta-feira (16), o presidente se manifestou pela primeira vez, no Twitter, sobre a confirmação dos assassinatos do jornalista e do indigenista. "Nossos sentimentos aos familiares e que Deus conforte o coração de todos!", escreveu Bolsonaro. A postagem, no entanto, foi feita em resposta à nota de pesar emitida pela Funai sobre as mortes — não se trata, portanto, de uma publicação à parte na rede social.
O que dizem as famílias de Dom e Bruno
Alessandra Sampaio, esposa do jornalista inglês Dom Phillips, divulgou nota na quinta-feira (16), afirmando que uma "jornada em busca por justiça" começa agora.
"Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente possível", destacou Alessandra na publicação. "Embora ainda estejamos aguardando as confirmações definitivas, este desfecho trágico põe um fim à angústia de não saber o paradeiro de Dom e Bruno", acrescentou.
Os familiares britânicos de Dom Phillips também publicaram uma nota sobre o caso. Os parentes no Reino Unido disseram que estavam "de coração partido" com a notícia e agradeceram o esforço de todos nas buscas, principalmente dos povos indígenas.
A esposa do indigenista Bruno Pereira também se manifestou publicamente sobre o assassinato do marido e do jornalista. A antropóloga Beatriz Matos, que também realiza pesquisas e trabalhos com os indígenas amazônicos, disse que "agora que os espíritos do Bruno estão passeando na floresta e espalhados na gente, nossa força é muito maior".
Repercussão internacional
O assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira repercutiu em diversos países, principalmente na Inglaterra. Na quinta-feira (16), o jornal britânico The Guardian publicou um longo editorial sobre o caso, que incluiu críticas às autoridades brasileiras e elogios ao empenho dos povos indígenas.
Nesta sexta (17), o jornal estampou uma foto de Phillips na capa da edição. Os jornais ingleses The Times, The Sun, Daily Mirror, The Telegraph e Evening Standard, assim como a BBC, também publicaram matérias sobre o caso nos últimos dias.
Nos Estados Unidos, o caso ganhou reportagens de destaque em todos os principais jornais do país, incluindo o New York Times, o Boston Globe, o Washington Post e o Los Angeles Times.
Veículos como o El País, na Espanha, o Público, em Portugal, o Le Monde, na França, o Corriere dela Sera, na Itália, o Clarín, na Argentina, e agências internacionais de notícias como a Reuters e a Associated Press também publicaram reportagens sobre os assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira.