É fácil entender por que O Casal Perfeito (The Perfect Couple, 2024), lançada na quinta-feira (5) pela Netflix, logo se tornou a série número 1 no top 10 da plataforma de streaming.
Começa pelo elenco, encabeçado por Nicole Kidman, que acabou de somar o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, por Babygirl (2024), a um currículo que inclui o Oscar por As Horas (2002) e mais quatro indicações à estatueta dourada da Academia de Hollywood — por Moulin Rouge! (2001), Reencontrando a Felicidade (2010), Lion (2016, como coadjuvante) e Apresentando os Ricardos (2021).
Ultimamente, ela vem fazendo carreira em outro trunfo do título dirigido pela dinamarquesa Susanne Bier, realizadora de Em um Mundo Melhor (2010), ganhador do Oscar de melhor filme internacional, e de Bird Box (2018), uma das maiores audiências na Netflix (o nome da cineasta também pode ter atraído espectadores atentos aos créditos). É o formato de minissérie, convidativo às maratonas diante da tela: tramas e personagens são desenvolvidos com mais tempo do que um filme, mas sem exigir de nós uma vida inteira. Depois de ganhar o Emmy por Big Little Lies (2017), Kidman estrelou The Undoing (2020, sob direção de Bier), Nove Desconhecidos (2021), a primeira temporada de Operação Lioness (2023), Bem-vindos à Austrália (2023, uma reedição de épico lançado em 2008 pelo cineasta Baz Luhrmann) e Expatriadas (2023-2024).
No novo trabalho, a atriz de 57 anos tem a seu lado Liev Schreiber, 56, que concorreu três vezes ao Emmy na pele do protagonista do seriado Ray Donovan (2013-2020), Dakota Fanning, que, com 30 anos, já soma quase 70 filmes e séries — inclusive disputa o Emmy de coadjuvante por outra minissérie da Netflix, Ripley (2024) —, e um time de jovens talentos vistos em produções do tipo no streaming. Filha de Bono Vox, o vocalista do U2, Eve Hewson atuou em Por Trás de seus Olhos (2021) e Mal de Família (2022); Billy Howle esteve em O Paraíso e a Serpente (2021) e Em Nome do Céu (2022); Meghann Fahy foi um dos destaques da segunda temporada de The White Lotus (2022).
Aí está o terceiro fator de apelo: a familiaridade com The White Lotus, série que recebeu 15 troféus no Emmy por suas duas temporadas, e obras similares, como os filmes Entre Facas e Segredos (2019), O Menu (2022), Triângulo da Tristeza (2022), Piscina Infinita (2023) e Pisque Duas Vezes (2024), sátiras macabras do mundo dos super-ricos. Vale dizer, contudo, que O Casal Perfeito nasceu antes dessas histórias: a minissérie é uma adaptação de Jenna Lamia para o romance homônimo publicado em 2018 por Elin Hilderbrand, escritora de best-sellers ambientados na ilha de Nantucket, ponto de férias para milionários estadunidenses na costa do Massachussets, com areias brancas e mansões coloniais.
Nesse cenário paradisíaco, Kidman e Schreiber interpretam o casal Greer, ela própria uma bem-sucedida autora dos chamados livros de praia e absolutamente preocupada com a imagem, e Tag Winbury, um bon-vivant focado em acertar com uma tacada de golfe as aves que repousam no mar, beber todo o álcool possível e fumar maconha o tempo todo. Eles têm três filhos: o mais velho, Thomas (Jack Reynor, de Midsommar), é um fracasso na área dos investimentos financeiros, por isso pede ao pai dinheiro para comprar o apartamento desejado pela esposa, Abby (Dakota Fanning), que está esperando seu primeiro bebê. O caçula, Will (Sam Nivola), é um adolescente às voltas com o romantismo e os impulsos sexuais dessa faixa etária. E o do meio, o sensível Benji (Billy Howle), vai se casar com Amelia (Eve Hewson), que vem de uma família humilde.
O Casal Perfeito começa na véspera desse casamento, no qual também desempenham papéis importantes a dama de honra da noiva, a influenciadora digital Merrit Monaco (Meghann Fahy, novamente emprestando nuances a uma personagem aparentemente superficial), o padrinho do noivo, Shooter Dival (Ishaan Khatter), uma amiga francesa da família, Isabel Nallet (Isabelle Adjani), o organizador de cerimônia Roger Pelton (Tim Bagley), a governanta Gosia (Irina Dubova) e a garçonete Chloe (Mia Isaac). A trama remete tanto a Big Little Lies quanto a The White Lotus: a descoberta de um corpo boiando na água cancela os festejos, mas não sabemos quem morreu. A investigação policial vai reduzindo a lista de possíveis vítimas — a identidade só vem à tona ao final do primeiro episódio — e aumentando a lista de suspeitos.
A combinação de mistério policial, deboche da elite, personagens arquetípicos e dinamismo narrativo — Susanne Bier intercala cenas no presente, o interrogatório na delegacia e flashbacks — torna sedutor e promissor o capítulo inicial. Cada depoimento aos detetives lança simultaneamente pistas, dúvidas e farpas.
— Eles são ricos do tipo rede de pedofilia numa ilha privada. Ricos do tipo estou entediado, vamos comprar um macaco. Ricos do tipo que pode matar e sair impune — enumera um coadjuvante.
Mas à medida que a história avança, cresce a sensação de déjà vu e salta ao olhos a descartabilidade de O Casal Perfeito. A minissérie jamais se consolida como drama familiar ou crítica mordaz ao mundo dos ricaços, porque as situações já são muito batidas, além de empalidecerem diante do que se viu em Bloodline (2015-2017) ou Succession (2018-2023). E jamais se consolida como um enigma intrigante ou um suspense tenso, porque o tom adotado nas cenas com o delegado Carter (Michael Beach) e a detetive Nikki Henry (Donna Lynn Champlin) é quase sempre de paródia — com direito a piadas sobre donuts, como se uma pessoa morta não fosse uma gravidade.
Verdade seja dita, a comicidade e o abraço ao efêmero são assumidos nos créditos de abertura, feitos de olho no Tik Tok. Coreografado por Charm La'Donna, é um flash mob ambientado na praia, onde todo o elenco dança ao som de Criminals (2024), música do disco lançado em agosto por Meghan Trainor, cantora nascida e criada justamente em Nantucket. Ao Tudum, o site informativo da Netflix, Jenna Lamia comentou:
— A abertura diz imediatamente: alguém vai morrer, mas você também vai rir.
Não vou dar spoiler sobre a solução do crime, mas achei duplamente frustrante — tanto pelo seu significado, que reforça clichês antiquados, quanto pelo modo que se chegou a ela. É uma jornada salpicada de distrações desinteressantes, como reviravoltas bobas, traições amorosas totalmente esperadas e segredos familiares mal trabalhados (modéstia à parte, imaginei uma revelação menos banal e mais bombástica sobre o passado de Greer). As atuações não ajudam: ora são farsescas demais, ora são farsescas de menos. Vamos até o fim mais por inércia do que por prazer. Quando termina, bate aquele retrogosto de um fast-food nada nutritivo e, pior, pouco temperado.
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