Não deu no New York Times, mas na New Yorker. A quarta temporada de Succession, que estreia no dia 26 de março na HBO e na HBO Max, será a última da série que já ganhou 13 troféus no Emmy, o mais importante prêmio da TV nos Estados Unidos.
A revelação foi feita pelo criador da série lançada em 2018, Jesse Armstrong. Em entrevista publicada na quinta-feira (23) pela revista The New Yorker, ele lembrou que o próprio título da atração (em inglês, sucessão) é um indicativo de que a história não poderia durar para sempre.
— O fim esteve sempre presente na minha mente — disse Armstrong. — Eu me reuni com alguns de meus colegas roteiristas antes de começarmos a escrever a quarta temporada, por volta de novembro ou dezembro de 2021, e meio que disse: "Olha, acho que talvez seja isso. Mas o que vocês acham? E criamos vários cenários. Poderíamos fazer algumas temporadas curtas ou mais duas temporadas. Ou poderíamos continuar por muito tempo e transformar a série em algo bem diferente, ser um tipo de série divertida e livre, em que haveria semanas boas e semanas ruins. Ou podemos fazer algo um pouco mais robusto e completo, e sair meio que com força. Essa sempre foi, definitivamente, a minha preferência.
Por mais fã que eu seja, acho que foi a decisão correta. Em uma eventual quinta temporada, Succession correria o risco de se tornar repetitiva. Ou pior: em nome da progressão na trama, poderia transformar seus personagens a ponto de torná-los irreconhecíveis. Segundo críticos e espectadores, não faltam exemplos de séries que foram esticadas além da conta, como Grey's Anatomy (que nem terminou ainda!), Supernatural, Smallville, 13 Reasons Why, Dexter, The Big Bang Theory... Todas as boas histórias precisam ter fim.
E a história de Succession, minha nossa! Não foi à toa que, entre os 13 Emmys conquistados, estão dois de melhor série dramática (em 2020, pela segunda temporada, e em 2022, pela terceira) e três de melhor roteiro. O elenco é um show à parte: 23 indicações nas categorias de ator, atriz, ator coadjuvante, atriz coadjuvante, ator convidado e atriz convidada. Em 2020, venceu os troféus de melhor ator (Jeremy Strong) e atriz convidada (Cherry Jones). Em 2022, emplacou em ator coadjuvante (Matthew Macfadyen).
Se você nunca viu, fica o convite para começar agora. Dá tempo de assistir aos 29 episódios das três temporadas até a estreia da quarta e última.
E se você nunca viu a série que provoca inveja até em Charlie Brooker, o criador da maravilhosa Black Mirror, não se preocupe: este texto não trará spoilers. O objetivo é agregar mais gente à família Roy, embarcar mais passageiros em uma trepidante montanha-russa — ou seria um cruzeiro marítimo?
Trepidante parece um adjetivo deslocado em relação a uma série desprovida daquilo que conhecemos como cenas de ação. Mas Succession tem personagens que estão sempre andando na corda bamba e sempre esgrimindo com diálogos afiados. Na companhia de diretores como Mark Mylod, Andrij Parekh e o casal Shari Springer Berman e Robert Pulcini, e com a colaboração inestimável do compositor Nicholas Britell, também já premiado no Emmy, Jesse Armstrong faz um retrato impiedoso e sarcástico da família de
Logan Roy (personagem do ator escocês Brian Cox), dono do quinto maior conglomerado de mídia e entretenimento — a Waystar Royco comanda jornais, canais de TV, sites, estúdios de cinema, turismo náutico, parques temáticos etc. Como o título indica, a sucessão na empresa deflagra os atritos neste "ninho de serpentes", a definição dada por um parente à família, que inclui: Marcia (Hiam Abbass), atual esposa de Logan; Connor (Alan Ruck), o primogênito; Kendall (Jeremy Strong), o suposto herdeiro; Roman (Kieran Culkin), o filho caçula; Siobhan (Sarah Snook), a filha; Tom (Matthew Macfadyen), o genro; e Greg (Nicholas Braun), o sobrinho.
Nada é uma linha. Tudo, em todos os lugares, está sempre se movendo. Para sempre. Acostume-se.
LOGAN ROY
Personagem de Brian Cox em "Succession"
Espere duelos verbais, intrigas, conspirações, traições, reviravoltas, mancadas, puxadas de tapete e acidentes que nos deixarão sedentos para seguir assistindo um episódio depois do outro (a propósito, são 10 na primeira temporada, 10 na segunda e nove na terceira, cada um com mais ou menos uma hora de duração). A câmera na mão, o zoom para flagrar as reações dos personagens e a edição ágil realçam a urgência e os riscos — só que também podem servir de alívio cômico.
Os roteiristas são hábeis em conjugar insultos e carraspanas (existem sites que se dedicam a compilar os melhores ao fim de cada episódio) a comentários ácidos sobre o mundo real dos negócios, da política, da comunicação e da vida como um todo. A certa altura, Logan dirá para um dos filhos uma frase que praticamente define o século 21:
— Nada é uma linha. Tudo, em todos os lugares, está sempre se movendo. Para sempre. Acostume-se.
Em outro episódio, a possível ascensão de um candidato supremacista à Casa Branca gera uma menção nada elogiosa ao Brasil:
— I'm not saying it's going to be the full Third Reich, but I am genuinely concerned that we could slide into a Russian Berlusconized Brazilian fuckpile (em tradução livre, "Não estou dizendo que será o Terceiro Reich completo, mas estou genuinamente preocupado com a possibilidade de virarmos uma p**ra brasileira berlusconizada russa").
Shakespeare
Mas não basta uma trama incisiva se não houver também personagens com os quais a gente se importa. Podemos até não gostar deles, pois — repetindo — são cobras, mas é difícil não se identificar com alguns de seus dramas, algumas de suas angústias, alguns de seus pecados. Afinal, estamos diante de uma fauna com traços shakespearianos — aliás, a peça Rei Lear (1605-1606) é uma inspiração assumida. Há o pai tirano, o primogênito que parece o bobo da corte por conta das asneiras ditas, o filho covarde que finge ser corajoso, o genro que procura ser querido por todos mas que sabe ser abusivo, o primo pobre que quer ascender, a filha que procurou trilhar outro caminho (o da consultoria política), o caçula imaturo, mimado e não raro desagradável para com seus interlocutores... Ao acompanhar a movimentação desses tipos, Succession consegue mexer com sentimentos conflitantes que podemos ter em relação aos super-ricos: raiva, inveja, um certo alívio por não estarmos em seu lugar...
E o elenco, repito, é extraordinário. Jeremy Strong, que faz o papel do tragicômico Kendall, o filho ora superconfiante, ora superfrágil, encara o personagem como se fosse um Hamlet, o que talvez acabe tornando mais embaraçosas suas interações com o resto da família, que parece estar em uma comédia maldosa e maliciosa. A premiada Cherry Jones (a presidente Allison Taylor em 24 Horas) interpreta Nan Pierce, uma empresária da imprensa inspirada na família proprietária do jornal The New York Times. Entre os demais atores e atrizes convidados e já indicados ao Emmy, estão Adrien Brody, James Cromwell, Alexander Skarsgard, Hope Davis e Harriet Walter.
Uma última dica: preste atenção nas interações entre Tom, namorado de Siobhan e executivo na Waystar Royco, e Greg, o primo dos filhos de Logan que tenta galgar postos na empresa. De certa forma, os dois são os estrangeiros no clã dos Roy e, portanto, talvez sejam os tipos mais humanos e funcionam como nossos guias — ainda que, a exemplo dos demais personagens, não sejam nada confiáveis.