Ao entrarmos no nono mês de 2024, resolvi atualizar a lista dos melhores filmes do ano até agora.
Esta seleção ainda tem muitos representantes de 2023 (ou até de 2022) que só nesta temporada estrearam comercialmente no Brasil. Friso o "comercialmente" para justificar a presença de obras que já haviam sido exibidas em festivais no ano passado. Mas possíveis candidatos ao Oscar 2025 já começaram a aparecer (há quem considere garantida a presença de Tipos de Gentileza na premiação da Academia de Hollywood, mas eu não embarquei no novo filme do diretor grego Yorgos Lanthimos: foram 164 minutos de bastante tédio, quebrado aqui e ali por uma tirada de humor nonsense/perverso ou por uma cena supostamente chocante).
A ordem é puramente alfabética. Clique nos links se quiser saber mais.
Antes, as menções honrosas: para a atuação de Nicolas Cage, irreconhecível e inesquecível, em Longlegs; para a cena de sexo de Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer em Cidade; Campo; e para a sensacional ação corpo a corpo de Fúria Primitiva e Kill (que estreia nos cinemas nesta quinta, dia 5), ambos ambientados na Índia.
1) Meu Amigo Robô (2023)
De Pablo Berger. O diretor espanhol competiu no Oscar dos longas de animação com este filme ambientado na Nova York dos anos 1980, onde um cachorro compra um robô pra fazer companhia a ele. É uma história linda e sem diálogos sobre solidão, amizade e lealdade. (Aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube)
2) Anatomia de uma Queda (2023)
De Justine Triet. Interpretando em francês e em inglês, a atriz alemã Sandra Hüller tem um dos desempenhos mais elogiados dos últimos tempos na pele de uma escritora suspeita de matar o marido. A investigação traz à tona as fissuras do casamento e permite ao roteiro — premiado no Oscar — discutir o que é verdade, a ilusão das palavras e o poder das narrativas. (Amazon Prime Video)
3) As Bestas (2022)
De Rodrigo Sorogoyen. Vencedor de nove prêmios Goya e exibido no ano passado no Fantaspoa e no Festival Varilux, o filmaço espanhol está ambientado em uma aldeia no interior da Galícia, onde o diretor acompanha as desavenças de um casal francês — que cultiva vegetais e reabilita casas abandonadas — com os vizinhos, que querem vender as terras para a implementação de um parque eólico. (MUBI)
4) Os Colonos (2023)
De Felipe Gálvez. O primeiro longa-metragem do diretor chileno tem forte parentesco com o mais recente do veterano Martin Scorsese, Assassinos da Lua das Flores (2023). É outro faroeste revisionista, agora ambientado na fronteira do Chile com a Argentina, no inóspito arquipélago da Terra do Fogo, que retrata o massacre das populações nativas pelos homens brancos, por motivos que vão da ganância ao racismo, do ego masculino a um suposto progresso. Novamente, é pelo ponto de vista de um personagem indígena que testemunhamos a perfídia e a crueldade. E em Os Colonos também há um salto no tempo no epílogo, que, com ironia, critica a institucionalização da violência e a hipocrisia sociopolítica. (MUBI)
5) Deadpool & Wolverine (2024)
De Shawn Levy. E não é que o Deadpool, como diz a piada antecipada nos trailers, pode ser mesmo o Jesus da Marvel? O enorme sucesso de bilheteria traduz uma aposta na combinação de violência e bagaceirice, pelo lado do personagem encarnado por Ryan Reynolds, e violência e rabugice, pelo lado do Wolverine vivido por Hugh Jackman, que nasceu para o papel. Outro elemento característico, a metalinguagem, pode afugentar os neófitos, mas é capaz de fazer os fãs das aventuras de super-heróis voltarem para uma segunda vez: nunca se viu tanta referência. Na sessão de pré-estreia que eu vi, houve palmas efusivas e gargalhadas estridentes em pelo menos três momentos. (Em cartaz nos cinemas)
6) Dias Perfeitos (2023)
De Wim Wenders. Sob direção do cineasta alemão e com canções de Nina Simone, Lou Reed, Van Morrison e Patti Smith na trilha sonora, representou o Japão no Oscar internacional. Acompanhamos o dia a dia de um faxineiro (Koji Yakusho, prêmio de melhor ator no Festival de Cannes) dos banheiros públicos de Tóquio. Solitário e quase calado, ele vai nos ensinar a arte do komorebi, a beleza da rotina e o prazer das coisas simples da vida. (MUBI)
7) Divertida Mente 2 (2024)
De Kelsey Mann. Campeão de bilheteria em 2024, é exemplar como continuação, pois não se limita a ser apenas um retorno, uma repetição: amplia e desenvolve o elenco de personagens, expande seu universo e seu discurso. Agora que Riley entrou na puberdade, novas emoções surgem na sala de controle para bagunçar a vida da garota: Tédio, Vergonha, Inveja, Nostalgia e, principalmente, Ansiedade. E se Divertida Mente ensinou que todas as emoções são importantes, Divertida Mente 2 ensina que nenhuma emoção nos define. As oscilações e as contradições fazem parte do que constitui uma pessoa. (Em cartaz nos cinemas; deve chegar em breve às plataformas de aluguel digital)
8) Entrevista com o Demônio (2023)
De Cameron Cairnes e Colin Cairnes. Os irmãos gêmeos australianos fizeram um falso documentário sobre os acontecimentos sinistros registrados durante um episódio de um talk show, na noite de Halloween de 1977. Para aumentar a audiência, o apresentador brilhantemente interpretado por David Dastmalchian convida para o programa uma garota supostamente possuída pelo Diabo. A construção de atmosfera é maravilhosa. (Para aluguel em Amazon Prime Video e Apple TV)
9) Furiosa: Uma Saga Mad Max (2024)
De George Miller. Os números não mentem: Furiosa: Uma Saga Mad Max foi um retumbante fracasso comercial. Custou US$ 168 milhões, fora os gastos com marketing, e arrecadou US$ 172,7 milhões nas bilheterias. O prejuízo colocou em xeque os planos do cineasta australiano de realizar novas aventuras no mundo pós-apocalíptico que criou há 45 anos. É uma pena, porque o prólogo que conta a história da personagem de Mad Max: Estrada da Fúria (2015) é um filmaço, sobretudo para quem curte cenas de ação que parecem estar realmente acontecendo. Há duelos corpo a corpo ou motorizados e perseguições de carro, de moto, de caminhão, a cavalo ou até via aérea no vasto deserto em que a Austrália se transformou. (Max)
10) The G (2023)
De Karl R. Hearne. O diretor e roteirista canadense faz uma abordagem neo-noir para um candente tema social, o dos idosos ludibriados pelos guardiões legais. A trama é protagonizada por Dale Dickey, coadjuvante em títulos como A Promessa (2001), Inverno da Alma (2010), A Qualquer Custo (2016) e Palm Springs (2020). Aqui, ela interpreta uma vovó durona, daí o G do título, uma abreviação da substantivo inglês grandmother. Na trama, depois que um tutor corrupto coloca um casal em um lar de idosos para tomar posse de sua propriedade, Ann (papel de Dickey) sai em busca de vingança com a ajuda de sua neta Emma (Romane Denis). A personagem da atriz sexagenária remete àqueles tipos que Liam Neeson começou a encarnar quando já estava perto dos 60 anos, em filmes como Busca Implacável (2008) e Vingança a Sangue Frio (2019), sujeitos com um passado algo obscuro que precisam voltar à ativa e tomar medidas extremas quando sua família corre perigo. Ann não chega a ser atlética no combate corpo a corpo, mas se vira bem com armas de fogo e sabe os atalhos para machucar os vilões. Com sua voz rouca, profere algumas frases antológicas, como esta: "Minha mãe dizia que soltar a raiva fazia viver mais. Ela morreu com 102 anos". (Foi exibido no Fantaspoa e ainda não tem previsão de estreia)
11) O Homem dos Sonhos (2023)
De Kristoffer Borgli. Nicolas Cage interpreta um professor universitário que leva uma vida absolutamente comum ao lado da esposa e das duas filhas, mas que acaba ganhando fama global ao aparecer nas fantasias noturnas de quase todo mundo. Não raro, em situações de perigo ou terror — ou ainda eróticas. O enredo incita o cineasta norueguês a criar cenas que embaralham o real e o imaginado e a abordar os fenômenos midiáticos, a fabricação da fama, o narcisismo patológico e a cultura do cancelamento. (Aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play)
12) O Mal Não Existe (2023)
De Ryûsuke Hamaguchi. Provocativo em seu título e enigmático em seu epílogo, é o novo filme do cineasta japonês que venceu o Oscar internacional com Drive my Car (2021). Apesar de não chegar a duas horas de duração (contra as três horas do longa anterior, as quatro horas e 15 minutos de Intimacies e as cinco horas e 17 minutos de Happy Hour), traz diversas características do diretor, como a naturalidade fria da fotografia, o ritmo contemplativo e os diálogos que vão desnudando a índole de seus personagens. A trama se passa em um vilarejo nos arredores de Tóquio que se vê ameaçado quando uma empresa de turismo decide construir na floresta um empreendimento de glamping (a fusão de glamour com camping). Recebeu o Leão de Prata no Festival de Veneza. (Em cartaz na Sala Eduardo Hirtz)
13) O Mal que nos Habita (2023)
De Demián Rugna. Neste filme argentino de terror, os moradores de uma pacata cidade do interior recebem uma notícia alarmante: um homem infectado pelo diabo está prestes a dar à luz um demônio real. Desesperados, os habitantes tentam escapar do local. Tem uma das cenas mais chocantes dos últimos tempos. (Netflix)
14) Memórias de um Esclerosado (2024)
De Thais Fernandes e Rafael Corrêa. Documentário sobre o premiado cartunista gaúcho Rafael Corrêa, que foi diagnosticado com esclerose múltipla em 2010. Dados o ofício e o perfil de seu personagem, o filme tem sequências de animação e de bom humor. Há também um tanto de sonho e de fantasia: a investigação de Rafael sobre seu passado nos leva ao episódio da morte de um sapo, o que pode, via carma, ser a causa de sua doença. Mas Memórias de um Esclerosado começa de forma dura, acertadamente. Ao simplesmente observar o árduo e complexo processo para tomar um banho, o filme registra o quão severos são os sintomas dessa doença degenerativa sem cura. (Foi exibido no Festival de Gramado e ainda não tem previsão de estreia)
15) Motel Destino (2024)
De Karim Aïnouz. É um noir cearense, focado no triângulo erótico que se forma quando o jovem Heraldo (papel de Iago Xavier), fugindo de uma chefona do crime, se esconde no motel de beira da estrada administrado pelo casal Elias (Fábio Assunção) e Dayana (Nataly Rocha). Rodadas em Beberibe, as primeiríssimas cenas retratam as célebres falésias locais, permanentemente sob a ação erosiva do mar. É como se fosse uma tradução visual do quão transformador e marcante o desejo sexual pode ser. (Em cartaz nos cinemas)
16) Oeste Outra Vez (2024)
De Erico Rassi. Neste faroeste contemporâneo ambientado na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, Ângelo Antônio interpreta Totó, que, inconformado após ter sido abandonado por Luiza (Tuanny Araújo), contrata um velho pistoleiro, Jerominho (Rodger Rogério), para matar o novo par da mulher, Durval (Babu Santana). Esse é um resumo simplificado de uma obra que aposta no não-dito e em diálogos enviesados para falar sobre a masculinidade frágil. Seus personagens são homens patéticos que só têm a bebida e a bala como companheiras fiéis, sujeitos que não conseguem expressar o que sentem nem quando um amigo se dispõe a ouvi-los. Ganhou os Kikitos de melhor filme, ator coadjuvante (Rodger Rogério) e fotografia. (Foi exibido no Festival de Gramado e deve estrear em janeiro ou fevereiro de 2025)
17) Pisque Duas Vezes (2024)
De Zoë Kravitz. Tem o grande plot twist do ano, portanto, não dá para avançar muito na sinopse. Naomi Ackie interpreta a protagonista, Frida, que sobrevive fazendo tatuagens de unha e trabalhando como garçonete. Durante um evento de gala, ela encontra um bilionário do ramo da tecnologia, Slater King (Chaning Tatum), que acaba convidando Frida e sua amiga, Jess (Alia Shawkat), para passar uns dias de luxo e hedonismo na ilha particular do magnata. (Em cartaz nos cinemas)
18) Planeta dos Macacos: O Reinado (2024)
De Wes Ball. Ambientado 300 anos depois da morte de César, o líder da rebelião e da evolução dos macacos, o quarto título da revitalização da franquia faz comentários políticos e convida a refletir sobre a arrogância humana em relação à natureza e às outras formas de vida na Terra, como é característico da saga de ficção científica. (Disney+)
19) Pobres Criaturas (2023)
De Yorgos Lanthimos. Ganhadora do Oscar nas categorias de melhor atriz (Emma Stone), design de produção, figurinos e maquiagem e cabelos, esta mistura de Frankenstein, socialismo e muito sexo talvez seja o filme mais polêmico da temporada. Para algumas pessoas é uma obra-prima feminista; para outras, uma ofensiva fantasia sexual masculina. (Disney+)
20) A Primeira Profecia (2024)
De Arkasha Stevenson. Eu confesso que quase deixei passar, cansado de tantas apostas de Hollywood na nostalgia e do excesso de títulos de terror protagonizados por freiras. Mas o prelúdio do clássico A Profecia (1976) parte de uma ótima ideia: contar a história da mãe de Damien, o Anticristo, mulher que não havia recebido atenção nos cinco filmes e no seriado anteriores. (Disney+)
21) Rivais (2024)
De Luca Guadagnino. A história começa durante a final de um torneio de tênis segunda categoria. De um lado, está Art Donaldson (Mike Faist), que já foi campeão de quase tudo, mas agora vive uma má fase e vem pensado bastante em se aposentar, para desgosto de sua esposa, treinadora e empresária, Tashi Duncan (Zendaya), uma ex-estrela do esporte. Do outro, está Patrick Zweig (Josh O'Connor), número 270 e poucos do ranking mundial e sem dinheiro pra pagar o hotel: ele acaba dormindo no carro. Os flashbacks vão contar que os dois tenistas já foram melhores amigos, ou quem sabe mais do que isso, até que a personagem da Zendaya entrou na vida deles. É um filme cheio de tênis e de tesão, com uma trilha sonora que traduz tanto a tensão dos jogos quanto a urgência sexual. (Aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV, Google Play e YouTube)
22) A Sala dos Professores (2023)
De Ilker Çatak. Foi o filme da Alemanha no Oscar internacional. Na trama, uma professora idealista (Leonie Benesch) resolve investigar uma série de furtos na escola. Um aluno dela, filho de imigrantes, é o principal suspeito. A cada passo, a protagonista afunda numa espécie de areia movediça do campo da ética. (Max)
23) Segredos de um Escândalo (2023)
De Todd Haynes. Em sua quinta parceria com o diretor, Julianne Moore interpreta Gracie, personagem inspirada em uma história real de pedofilia: a da professora de 36 anos que acabou tendo dois filhos com um aluno de 13 anos. Natalie Portman encarna a atriz de Hollywood que vai fazer um filme sobre o casal, abrindo a porta para este filmaço reexaminar a relação dos dois e retratar o tema da duplicidade. (Amazon Prime Video)
24) O Sequestro do Papa (2023)
De Marco Bellocchio. A exemplo do que fez em Bom Dia, Noite (2003), Vincere (2009), A Bela que Dorme (2012) e O Traidor (2019), o cineasta italiano de 84 anos revê um episódio histórico e polêmico de seu país. Foi o caso Edgardo Mortara, que aconteceu em 1858, durante o período que ficou conhecido como Risorgimento, quando as forças revolucionárias lutavam para unificar a Itália, então um punhado de pequenos reinos. O próprio Papa, Pio IX (encarnado no filme por Paolo Pierobon, em atuação assombrosa), reinava feito um déspota em Bolonha, sede dos chamados Estados Papais. Edgardo, vivido pelo promissor Enea Sala, é um menino judeu de seis anos que é retirado de sua casa pelas autoridades de Pio IX, porque teria sido batizado como cristão. Portanto, o título brasileiro escolhido pela distribuidora Pandora Filmes está errado: o sequestro não é do Papa, mas a mando do pontífice da Igreja Católica. Com maestria, Bellocchio equilibra o conflito religioso, a crítica política e o drama familiar. (Aluguel em Apple TV, Google Play e YouTube)
25) Todos Nós Desconhecidos (2023)
De Andrew Haigh. Indicado a categorias do Bafta e do Globo de Ouro, foi um dos grandes esnobados no Oscar. Na trama que se passa em Londres, Andrew Scott interpreta Adam, um roteirista que leva uma vida pacata e monótona em seu apartamento. Durante um teste de alarme no condomínio, ele acaba conhecendo um vizinho, Harry (Paul Mescal). À medida que o romance entre os dois avança, Adam regride no tempo: começa a visitar a casa de sua infância e conversar com os pais (personagens de Jamie Bell e Claire Foy). Não é spoiler o que vem a seguir: os dois morreram muito tempo atrás. A direção de fotografia, a edição e a trilha sonora dão uma aparência etérea, onírica e algo fantasmagórica a este filme bonito sobre solidão, luto e traumas ligados à sexualidade, à relação com os pais e ao bullying na escola. (Disney+)
26) Vidas Passadas (2023)
De Celine Song. Jamais é manipulativo ou maniqueísta no retrato de um triângulo amoroso que tem como vértice uma escritora (Greta Lee) que emigrou da Coreia do Sul para os Estados Unidos. Concorreu ao Oscar de melhor filme e ao troféu de roteiro original ao perguntar: se aquela paixão do passado reaparecer, o que a gente faz? (Canal Telecine do Amazon Prime Video e do Globoplay)
27) Zona de Interesse (2023)
De Jonathan Glazer. Vencedor do Oscar internacional, perturba ao mostrar o cotidiano familiar do nazista comandante de Auschwitz, onde pelo menos 1,1 milhão de judeus foram exterminados. Ganhou também a estatueta de som, graças a um trabalho assombroso: existe o filme que a gente vê e o filme que a gente ouve. (Amazon Prime Video)
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