Quatro cinemas de Porto Alegre — Cinemark Barra, Espaço Bourbon Country, GNC Iguatemi e GNC Praia de Belas — exibem desde quinta-feira (4) um filme de terror que aparece em praticamente todas as listas estadunidenses de melhores do gênero nesta temporada: Entrevista com o Demônio (Late Night with the Devil, 2023), primeiro lugar no ranking de críticas compilado pelo Rotten Tomatoes.
No Slash Film, Cris Evangelista escreveu que Entrevista com o Demônio leva seu tempo construindo o terror, acariciando o público antes de envolvê-lo em um pesadelo. "Há também um senso de autenticidade que torna tudo ainda mais intenso. Aqui está um lembrete de que o subgênero found footage (filmagens encontradas) ainda pode ser empregado com grande efeito", conclui Evangelista.
No Time Out, Phil de Semlyen citou a filiação a O Exorcista (1973) e elogiou a "atuação aterrorizante do ainda subestimado David Dastmalchian como um homem cujo ego há muito tempo derrotou sua sabedoria". A Variety destacou a história habilmente construída em tempo real, com uma sucessão de imprevistos ou decisões erradas do protagonista até o excêntrico ato final.
O título é dirigido pelos gêmeos australianos Cameron Cairnes e Colin Cairnes e forma uma espécie de díptico com o trabalho anterior da dupla. Em Scare Campaign (2016), a equipe de um programa de pegadinhas enfrenta a possibilidade de ter brincado com a pessoa errada. Em Entrevista com o Demônio, o apresentador de um talk show, para aumentar a audiência, resolve convidar uma menina supostamente possuída pelo Diabo.
Aí está um dos apelos do filme junto aos críticos dos Estados Unidos: os Cairnes trabalham com uma tradição da TV daquele país, os programas noturnos de entrevista à la Johnny Carson (1925-2005), David Letterman, Jay Leno, Jimmy Fallon etc. O talk show ficcional é batizado de Night Owls (Corujas da Noite) e é comandado por Jack Delroy, papel que permite a David Dastmalchian, 48 anos, reivindicar posto de protagonista daqui em diante, depois de roubar a cena como coadjuvante em títulos como Os Suspeitos (2013), Blade Runner 2049 (2017), Duna (2021) e O Esquadrão Suicida (2021).
Na abertura do filme ambientado em 1977, uma falsa reportagem televisiva mostra a ascensão e a queda de Jack, que luta para fazer frente à popularidade de Johnny Carson e seu The Tonight Show, ao mesmo tempo em que lida com o luto pela morte de sua esposa, Madeleine, vítima de câncer. Para recuperar o prestígio, o apresentador aposta tudo em um especial de Halloween. Seu primeiro convidado é o médium Christou (Fayssal Bazzi), depois virá um especialista em desmascarar eventos e personagens paranormais, Carmichael (Ian Bliss), e, por fim, a parapsicóloga June (Laura Gordon) e sua pupila adolescente Lilly (Ingrid Torelli), uma ex-refém de culto satânico que estaria hospedando um demônio.
Os gêmeos australianos contam essa história como se fosse um falso documentário, mesclando "reproduções" de quadros do especial de Halloween do Night Owls com cenas de bastidores, em preto e branco, nas quais Jack interage com outros coadjuvantes, como um produtor megalomaníaco (Josh Quong Tart) e um receoso assistente palco (Rhys Auteri). Dentro dessa ideia, a cada intervalo do programa fictício surgem propagandas inventadas que emulam a publicidade da época. Para criar três peças estáticas que aparecem brevemente, os Cairnes contaram com a ajuda da inteligência artificial, o que gerou uma polêmica — houve quem acusasse os diretores de estar privando um artista gráfico de trabalhar.
Controvérsia à parte, Entrevista com o Demônio é absolutamente eficiente e primoroso na criação de um universo ficcional com ares de real e na construção de uma atmosfera sinistra. A ambientação é o grande charme do filme — não espere tantos sustos. Mas prepare-se para um epílogo estonteante que também justifica a badalação.