Serei sincero: tenho certa preguiça de começar a ver uma série com muitas temporadas. Falta tempo na vida. Falta paciência para histórias que são nitidamente espichadas além do necessário. Prefiro aquelas com início, meio, fim e, por último mas não menos importante, curta duração.
São as minisséries, que não deixam de oferecer atrativos dos seriados longos, como o desenvolvimento das tramas, a evolução dos personagens e o prazer do suspense e da expectativa entre um episódio e outro.
A seguir, em ordem alfabética, listei 14 das melhores dos últimos anos. Dá para maratonar em um único dia a escolhida, se você estiver disposto. Todas estão disponíveis em plataformas de streaming (clique nos links se quiser saber mais).
1) Acima de Qualquer Suspeita (2024)
É a nova adaptação do best-seller publicado em 1987 por Scott Turrow, levada ao cinema em 1990 com Harrison Ford no papel principal. Agora, Jake Gyllenhaal interpreta o promotor Rusty Sabich, casado e pai de dois adolescentes, designado para assumir o caso de um assassinato chocante: o de Carolyn Polhemus (Renate Reinsve), sua colega de trabalho e, não é spoiler, sua amante.
Desenvolvida por David E. Kelley, famoso por criar e produzir séries de tribunal (Ally McBeal, Boston Legal), a minissérie deve ser melhor apreciada por quem não conhece a trama original, cheia de reviravoltas. Mas quem sabe do desfecho também encontra qualidades, a começar pelo elenco, que inclui Ruth Negga (como a esposa de Rusty), Bill Camp (como o chefe do promotor) e Peter Sarsgaard (como seu rival no escritório). Tanto no campo jurídico-político quanto no território matrimonial, somos brindados por duelos verbais que, afiadamente, desnudam a personalidade nada exemplar dos personagens. É uma grande história sobre o poder da narrativa em detrimento daquilo que entendemos como certo ou verdade, e sobre como as idealizações e as hipocrisias da sociedade podem ser nocivas, tóxicas. Acima de Qualquer Suspeita fez tanto sucesso, que terá uma segunda temporada, mas com um enredo novo. (8 episódios, Apple TV+)
2) Bebê Rena (2024)
Uma das sensações deste ano, foi criada pelo escocês Richard Gadd para processar publicamente seu trauma. Ele mesmo interpreta o personagem principal, Donny Dunn, que trabalha como garçom em um pub de Londres enquanto sua carreira de comediante não decola. Logo conhecemos Martha Scott (papel de Jessica Gunning), a versão ficcional da mulher que, ao longo de quatro anos, enviou para Gadd cerca de 41 mil e-mails, 350 horas de mensagens de voz, 746 tuítes e 106 páginas de cartas, criando para ele apelidos como o Bebê Rena do título.
Martha é obesa, transparece solidão e diz não ter dinheiro nem para comprar um chá. "É um sentimento arrogante, sentir pena de alguém que mal conhece, mas eu senti. Senti pena dela", afirma o protagonista na narração em off — ferramenta dramatúrgica que amplia o caráter confessional e terapêutico da minissérie. Mas essa é a só a superfície de Bebê Rena: há algo mais pesado que Donny demora para trazer à tona. (7 episódios, Netflix)
3) Black Bird (2022)
Nesta minissérie baseada em um caso real, Taron Egerton interpreta James Keene, o Jimmy, um filho de policial (o último papel de Ray Liotta) e um promissor jogador de futebol americano que enveredou para o tráfico de drogas. Dono de um pequeno império em Chicago, ele acaba preso em uma operação do FBI. Enquanto isso, vemos o surgimento dos outros dois personagens importantes de Black Bird.
Um é o detetive vivido por Greg Kinnear, que investiga o desaparecimento — e provável assassinato — de jovens mulheres. O outro é o principal suspeito, Larry Hall, um tipo excêntrico que adora participar de reencenações da Guerra Civil e é encarnado por Paul Walter Hauser. A combinação de seu físico roliço com a voz estridente e as costeletas suíças do personagem transformam Larry em um sujeito ora bizarro, ora patético, ora perigoso — merecidamente, Hauser venceu o Globo de Ouro, o Critics' Choice e o Emmy de ator coadjuvante. Essas duas narrativas, a de Jimmy e a de Larry, são cruzadas pelo escritor policial Dennis Lehane, autor dos livros que inspiraram filmes como Sobre Meninos e Lobos, de Clint Eastwood, e Ilha do Medo, de Martin Scorsese. (6 episódios, Apple TV+)
4) Depois da Cabana (2023)
É o nome horrível dado no Brasil para a minissérie alemã Liebes Kind (2023) — uma tradução mais apropriada seria "querida filha". Além de não se justificar ao longo da adaptação do romance policial lançado em 2019 por Romy Hausmann, o título nacional também cria uma confusão desnecessária com A Cabana, livro de 2007 voltado ao público religioso. O curioso é há mesmo alguns pontos de contato.
Tudo começa com a fuga de uma mulher, Lena (Kim Riedle), e sua filha de 12 anos, Hannah (Naila Schuberth, em atuação assombrosa), de um cativeiro sem janelas onde o suposto pai impõe uma série de regras e punições. Desde as primeiríssimas cenas, dúvidas assaltam a mente do espectador: por que a mãe e as duas crianças precisam mostrar a palma e o dorso da mão? Aliás, por que o outro filho, o menino Jonathan, não fugiu junto? Qual é a identidade do homem? A cada vez que achamos estar diante de uma resposta, surge um novo enigma; a cada passo à frente, há um desvio ou mesmo um beco sem saída. A condução pelo olhar de Hannah, talvez pautado pela impulsividade e pela fantasia características da infância, turva ainda mais o quadro. Uma pena que, em seu último capítulo, a minissérie acabe sendo apressada em sua solução. Mas vale, muito, a jornada. (6 episódios, Netflix)
5) Dopesick (2021)
Com idas e vindas no tempo, mostra como a Purdue Pharma promoveu de forma agressiva e mentirosa o OxyContin, analgésico considerado responsável pela crise de opioides que provocou 500 mil mortes nos EUA a partir de 1999.
Há cinco núcleos narrativos em Dopesick. O principal é o de Finch Creek, uma fictícia cidade onde moram o médico Samuel Finnix (Michael Keaton, premiado no Emmy, pelo Sindicato dos Atores dos EUA e no Globo de Ouro) e a jovem Betsy Mallum (Kaitlyn Dever), operária em uma mina de carvão. Em outras duas pontas, estão personagens reais. Dona da farmacêutica, a família Sackler vive em meio a intrigas e disputas por conta da ambição de Richard Sackler (Michael Stuhlbarg). E Rick Mountcastle (Peter Sarsgaard) e Randy Ramseyer são dois promotores públicos que querem investigar e levar a empresa ao tribunal. (8 episódios, Disney+)
6) O Faz Nada (2023)
Depois de refletir, no cinema, sobre os universos da arquitetura, da literatura, das artes plásticas e do cinema, a dupla argentina Mariano Cohn e Gastón Duprat mira o mundo da gastronomia. A sátira mordaz convive tanto com a lição de vida quanto com o comentário político nesta minissérie em que Robert De Niro, na pele do escritor nova-iorquino Vincent Parisi, narra eventos ambientados em uma Buenos Aires lindamente fotografada.
O personagem principal de O Faz Nada, encarnado por Luis Brandoni, é Manuel Tamayo Prats, um renomado e impiedoso crítico culinário. Manuel tem a pose, mas não os recursos financeiros para manter seu gosto exigente e seu discurso arrogante. Com sua mescla de sofisticação e decadência, é praticamente um símbolo da própria Argentina, que enfrenta talvez sua pior crise econômica desde a redemocratização, em 1983. (5 episódios, Disney+)
7) O Homem das Castanhas (2021)
Não se deixe enganar pelo nome simpático: a minissérie dinamarquesa baseada no romance homônimo de Soren Sveistrup é um típico exemplar do noir nórdico, cru e violento quando necessário.
Em Copenhague, nos dias atuais, uma jovem mãe é brutalmente assassinada. Seu corpo é encontrado em um parque, sem uma das mãos. Próximo do corpo há um pequeno boneco feito de castanhas. Essa é a principal pista para a investigadora Naia Thulin (Danica Curcic), uma mãe solteira que agora conta com um novo parceiro policial, o instável Mark Hess (Mikkel Boe Folsgaard). Paralelamente, acompanhamos o difícil recomeço da ministra Rosa Hartung (Iben Dorner) — um ano antes, sua filha adolescente desapareceu. (6 episódios, Netflix)
8) Mare of Easttown (2021)
Fascinada com o "quem foi" da minissérie criada por Brad Inglesby, a atriz Kate Winslet ressaltou que embarcou no projeto porque "não é só a história de um crime".
De fato, o crime descoberto no primeiro capítulo de Mare of Easttown é chocante e misterioso, mas serve sobretudo como catalisador dos dramas pessoais e familiares em uma cidadezinha dos EUA. A morte traz à tona relações e segredos guardados em vida, imagem reforçada pela ambientação numa estação fria, que obriga os personagens a se esconderem atrás de casacos, mantas e gorros. E, até o final, todos têm o que ocultar ou algo do que não gostam de falar. (7 episódios, Max)
9) Missa da Meia-Noite (2021)
Criada, dirigida e editada por Mike Flanagan, se passa na fictícia e minúscula (tem somente 127 habitantes) Ilha Crockett. Lá, desembarca Paul Hill (papel de Hamish Linklater, absurdamente esnobado no prêmio Emmy), um padre que vai substituir o monsenhor Pruitt, afastado temporariamente por causa de um problema de saúde.
Sua chegada coincide com o retorno de Riley Flynn (Zach Gilford), que viu sua carreira no mundo das startups ruir quando, ao dirigir embriagado, matou uma adolescente. Ele passou quatro anos na prisão e tenta recomeçar sua vida, contando com o apoio da mãe, Annie (Kristin Lehman), mas enfrentando a relutância do pai, o pescador Ed (Henry Thomas), reencontrando sua namorada dos tempos de escola, a professora Erin Greene (Kate Siegel, esposa do diretor), e revendo, todas as noites, o fantasma da garota atropelada. Esse não é o único evento fantástico na ilhazinha, mas não convém avançar muito na trama de Missa da Meia-Noite, em que Flanagan costura sua educação no catolicismo, seu subsequente ateísmo e sua paixão pelo horror. (7 episódios, Netflix)
10) Pluto (2023)
A animação japonesa adapta o mangá homônimo de Naoki Urasawa, uma história de ficção científica misturada a trama policial e discussão filosófica — ideal para quem curte a obra do escritor Philip K. Dick (1928-1982), autor de Blade Runner e Minority Report.
Gira em torno da investigação do detetive Gesicht sobre o brutal assassinato de Mont Blanc, um dos mais poderosos e queridos robôs do mundo. Pelos olhos desses androides que parecem tão humanos, Pluto analisa a nós mesmos, nossas inquietações e angústias acerca do futuro. Mas as implicações da tecnologia não são o único tema: a minissérie também permite leituras sobre a geopolítica contemporânea. (8 episódios, Netflix)
11) Treta (2023)
Quem viu a série brasileira Os Outros (2023) vai encontrar alguns pontos de contato com esta produção ambientada na Califórnia e criada por Lee Sung Jin. Uma discussão no trânsito entre os dois protagonistas desencadeia uma espiral de ódio e vingança que traz à tona mentiras e segredos, retratando a ansiedade e a intransigência do mundo contemporâneo. Eles são Danny (vivido por Steven Yeun), um empreiteiro solteiro e endividado, e Amy (interpretada pela comediante Ali Wong), uma bem-sucedida mas infeliz mãe de família. Cada ação gera uma reação, cada fagulha gera um incêndio, em um ciclo vicioso que tem como combustível outras frustrações - familiares, amorosas, econômicas. Danny e Amy não parecem nada dispostos a fazer as pazes. É como se eles encontrassem na briga um sentido para suas vidas, conforme ilustra a música The Reason (2003), da banda Hoobastank, que toca, ironicamente, no final do primeiro capítulo.
Também como Os Outros, Treta recorre a flashbacks que ilustram a jornada de seus personagens para acrescentar camadas aos dramas do presente — uma diferença fundamental é que aqui se permite tanto a comicidade quanto o absurdo. Recebeu oito prêmios no Emmy, incluindo melhor minissérie, direção, ator, atriz e roteiro. (10 episódios, de meia hora cada, Netflix)
12) The Underground Railroad (2021)
Esta talvez demande mais de um dia, não só pela duração, mas também para assimilar tanta beleza e tanta contundência. Concebida por Barry Jenkins, diretor e roteirista de Moonlight, vencedor do Oscar de melhor filme em 2017, é a adaptação do romance homônimo escrito por Colson Whitehead e ganhador, também em 2017, do prêmio Pulitzer. A trama se passa na metade do século 19, antes da Guerra Civil nos EUA (1861-1865), que tinha como principal causa a escravização da população negra — a maioria dos Estados do Sul queria manter, o Norte era contra.
Sua protagonista é Cora (interpretada pela sul-africana Thuso Mbedu, de A Mulher Rei), uma jovem escrava que, após relutar, tenta fugir de uma fazenda na Geórgia na companhia do íntegro Caesar (Aaron Pierre). Os dois buscam a Underground Railroad do título, uma rota de fuga que de fato existiu, mas não da maneira que é apresentada na minissérie. No seu encalço, partirá o caçador Arnold Ridgeway (Joel Edgerton), tendo ao lado um surpreendente ajudante: Homer (Chase W. Dillon), um menino negro. (10 episódios, Amazon Prime Video)
13) Vale o Escrito: A Guerra do Jogo do Bicho (2023)
Documentário também pode. Com direção de Fellipe Awi, Ricardo Calil — autor do premiado Cine Marrocos (2018) — e Gian Carlo Bellotti, tem como alguns de seus principais personagens os poderosos chefões das escolas de samba do Rio de Janeiro. O espectador acostumado às histórias sobre mafiosos, sejam as verídicas ou as fictícias, vai deparar com semelhanças ou até citações em Vale o Escrito.
Para começo de conversa, os bicheiros do Rio estão divididos em cinco grandes famílias — o mesmo número dos clãs de imigrantes e descendentes de italianos que se consolidaram em Nova York nas primeiras décadas do século 20. Temos os Garcia, os Andrade, os Guimarães, os Scafura e os Abraão (cada capítulo é mais centrado em um dos núcleos familiares). Os negócios passam de pai para filho — frise-se o gênero: mulheres não podem ascender, não podem ser donas de pontos de jogo ou máquinas caça-níqueis. O enredo inclui rivalidades, traições, reviravoltas, filhos sequestrados, carros explodidos e execuções em plena luz do dia. (7 episódios, Globoplay)
14) Watchmen (2019)
Damon Lindelof pega elementos da clássica HQ de Alan Moore e Dave Gibbons (a chuva de lula, personagens como Ozymandias e Dr. Manhattan) e cria uma trama central totalmente nova e absolutamente atual. Os novos heróis, como a Sister Night (Regina King) e o Looking Glass (Tim Blake Nelson), lidam com a violência contra negros nos EUA. O inimigo é uma organização racista, a Sétima Kavalaria.
Desde a abertura, que reencena o Massacre de Tulsa, em 1921, durante anos apagado da história oficial, Watchmen mostra como os traumas da escravidão passam de geração a geração. Foram 11 troféus no Emmy, incluindo melhor minissérie, atriz (Regina King), ator coadjuvante (Yahya Abdul-Mateen II) e trilha sonora (Trent Reznor e Atticus Ross). (9 episódios, Max)