O Faz Nada (Nada, 2023), minissérie que estreou neste mês no Star+, traz dois personagens em evidência nos últimos dias. Um é o ator Robert De Niro, que comemora 50 anos de parceria com o diretor Martin Scorsese no filme Assassinos da Lua das Flores, lançado nos cinemas na quinta-feira (19). Outro é o país Argentina, que no domingo (22) realizou o primeiro turno das turbulentas eleições presidenciais.
Os cinco episódios são dirigidos pelos argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat, que escreveram o roteiro com Emanuel Diez. É a mesma dupla criadora do seriado Meu Querido Zelador (2022-), também disponível no Star+, e realizadora dos filmes O Homem ao Lado (2011), O Cidadão Ilustre (2016), Minha Obra-Prima (2018, assinado só por Duprat) e Concorrência Oficial (2021).
Depois de refletir sobre os universos da arquitetura, da literatura, das artes plásticas e do cinema, agora Cohn e Duprat miram o mundo da gastronomia. A sátira mordaz convive tanto com a lição de vida quanto com o comentário político.
Na pele do nova-iorquino Vincent Parisi, um escritor ganhador de dois prêmios Pulitzer, o octogenário De Niro narra a história ambientada em uma Buenos Aires lindamente fotografada. Ele explica as expressões portenhas que intitulam cada capítulo, como "Remar en dulce de leche" (que significa fazer alguma coisa com muito esforço) e "Tirar manteca al techo" (o equivalente a esbanjar). E também diferencia xingamentos em espanhol: "boludo" é quase carinhoso, "pelotudo" é chamar para a briga.
Encarnado pelo argentino Luis Brandoni, 83 anos, amigo de De Niro e ator de Minha Obra-Prima e de A Odisseia dos Tontos (2019), o personagem principal é Manuel Tamayo Prats, um renomado e impiedoso crítico gastronômico — "A ofensa é mais prazerosa para o leitor e para quem escreve", justifica. E a minissérie é tremendamente apetitosa para o espectador: cheguei a salivar na cena em que, com orgulho e diante do olhar incrédulo de De Niro, um garçom usa apenas uma colher para cortar um bife de chorizo a cavalo com 900 gramas de carne.
Manuel tem a pose, mas não os recursos financeiros para manter seu gosto exigente e seu discurso arrogante. Com sua mescla de sofisticação e decadência, é praticamente um símbolo da própria Argentina, que enfrenta talvez sua pior crise econômica desde a redemocratização, em 1983. Não deve ser coincidência que, na minissérie, 40 anos seja o tempo em que a empregada Celsa (María Rosa Fugazot) fez absolutamente tudo para o protagonista — inclusive tirar dinheiro do próprio bolso para pagar as compras. Quando ela morre, ainda no primeiro episódio, ele precisa encarar o mundo.
A inaptidão de Manuel para a vida real rende momentos cômicos, mas com um travo amargo. Porque se misturam aí tanto o seu conservadorismo quanto o preconceito contra idosos, porque é sempre triste quando alguém precisa sair vendendo tudo o que tem — não raro, junto com bens materiais vão alguns intangíveis, como o valor afetivo ou até a dignidade. De qualquer forma, é bastante engraçada a participação de Guillermo Francella (protagonista de Meu Querido Zelador e da comédia Granizo) como um sujeito a quem o crítico gastronômico tenta vender seu carro, que não é nem antigo o suficiente para ser item de colecionador, nem novo o suficiente para ser útil.