Depois da Cabana é o nome horrível que a Netflix brasileira deu para a minissérie alemã Liebes Kind (2023) — uma tradução mais apropriada seria "querida filha", seguindo seu batismo nos Estados Unidos (Dear Child).
Além de não se justificar ao longo da adaptação do romance policial lançado em 2019 por Romy Hausmann, o título nacional também cria uma confusão desnecessária com A Cabana, livro de 2007 do canadense William P. Young voltado ao público religioso que foi adaptado para o cinema em 2017. E não faltou gente que, por causa disso, evitou assistir aos seis episódios da minissérie dirigida por Isabel Kleefeld e Julian Pörksen.
O curioso é há mesmo alguns pontos de contato. Em A Cabana, o protagonista, após o rapto e o suposto assassinato de sua filha de seis anos, recebe um misterioso bilhete de Deus para visitar uma cabana no meio das montanhas, onde encontrará entidades divinas e buscará respostas para uma pergunta recorrente: "Se Deus é tão poderoso, por que não faz nada para amenizar nosso sofrimento?".
Em Depois da Cabana, também há uma menina no centro da trama e também há uma série de perguntas a serem respondidas. Mas o que se encontra em uma casa no meio da floresta está mais perto do inferno do que do céu, e tampouco há elementos sobrenaturais.
O parente mais próximo da minissérie alemã é o filme O Quarto de Jack (2015), baseado em um romance da escritora irlandesa Emma Donaghue que, por sua vez, se inspirou na escabrosa história real do austríaco Josef Fritzl, que durante 24 anos trancou e violentou a filha, Elisabeth — ao ser libertada, ela tinha sete filhos nascidos dos estupros praticados pelo pai. O clima sinistro e pesado, o envolvimento de uma policial que é mãe e de personagens infantis, a coleção de segredos e enigmas e até a proximidade geográfica também remetem à produção dinamarquesa O Homem das Castanhas (2021).
Dito isso, melhor não falar muito mais sobre o enredo. Tudo começa com a fuga de uma mulher, Lena (Kim Riedle), e sua filha de 12 anos, Hannah (Naila Schuberth, em atuação assombrosa), de um cativeiro sem janelas onde o suposto pai impõe uma série de regras e punições. Desde as primeiríssimas cenas, dúvidas assaltam a mente do espectador: por que a mãe e as duas crianças precisam mostrar a palma e o dorso da mão? Aliás, por que o outro filho, o menino Jonathan, não fugiu junto? Qual é a identidade do homem?
Muitas outras questões aparecem à medida em que entram em cena mais personagens, como Karin Beck, encarada por Julika Jenkins, a Claudia Tiedemann da série Dark (2017-2020), e o detetive Gerd Bühling (Hans Löw), comprometido em tentar resolver um caso do passado que pode estar relacionado a esse de agora. A cada vez que achamos estar diante de uma resposta, surge um novo enigma; a cada passo à frente, há um desvio ou mesmo um beco sem saída. A condução pelo olhar de Hannah, talvez pautado pela impulsividade e pela fantasia características da infância, turva ainda mais o quadro.
Como sabemos que logo o quebra-cabeças estará resolvido, pois são apenas seis episódios, o jogo nunca se torna cansativo — ainda que angustiante e revoltante. Ficamos envolvidos e intrigados até o último capítulo, quando Depois da Cabana revela um pecado que a impede de ser perfeita como O Homem das Castanhas: em nome do mistério, acabou sendo apressada na solução.