Há filmes que valem por uma cena e há cenas que valem por filmes inteiros. O Quarto de Jack se enquadra nesta última categoria, embora tenha muito mais a oferecer do que uma única sequência. Indicado a quatro Oscar, incluindo melhor filme, e virtual vencedor na categoria melhor atriz (Brie Larson faturou todos os prêmios prévios), o longa estreia nesta quinta-feira nos cinemas brasileiros.
Com a mão segura do irlandês Lenny Abrahamson, diretor do já surpreendente Frank (2014), O Quarto de Jack é uma adaptação do best-seller Quarto, que a própria autora, Emma Donoghue, também irlandesa, roteirizou para o cinema. Narra a estranha história de um menino que cresce preso com a mãe em um quarto isolado. E que, conforme adiantado pela sinopse distribuída pelos produtores, vai conhecer o mundo lá fora – justamente na impactante sequência citada na abertura deste texto.
Leia também:
Quem são (e em que status estão) os diretores indicados ao Oscar
Documentários são o melhor da premiação. E já podem ser vistos
Críticas dos indicados e todas as notícias sobre o Oscar 2016 em ZH
Jack tem cinco anos. É interpretado por Jacob Tremblay, garoto que tem atuação muito difícil mas bastante impressionante – é de se perguntar por que não foi lembrado pela Academia de Hollywood. Brie Larson vive a jovem mãe que, naquele confinamento, tenta explicar ao piá que as pessoas, os animais, as árvores e tudo o mais que ele só conhece pela TV existe de verdade do lado de fora daquele ambiente.
Por que eles estão ali? Melhor começar a ver sem saber. Não que as revelações demorem a aparecer; é que Abrahamson busca criar sensações que são potencializadas pela insegurança e a ansiedade do espectador. Alguns filmes de suspense mantêm certos fatos ocultos com o objetivo de instigar o público a descobri-los. Quando os autores põem a plateia no "mesmo nível" de personagens com os quais esta pode simpatizar, as coisas costumam funcionar – basta texto, atores e a encenação em geral serem bons, o que é o caso.
Em O Quarto de Jack, o espectador é posto ao lado do menino. É pelos olhos dele que é conduzido a desvendar o que se passa. E ele não tem noção do que há fora daquelas quatro paredes. O fotógrafo Danny Cohen incorpora esse olhar com competência, usando planos fechados que ampliam a profundidade de campo e dão a sensação de grandiosidade mesmo no espaço reduzido. Do lado de fora, com lentes de angulação maior, essa premissa se inverte. Com um plus: a descoberta do sol, por parte de Jack, é um pretexto para compor sequências muito bem montadas nas quais se destacam as imagens com luz em excesso, inclusive com fachos na direção da câmera.
Na verdade, tudo muda após a sequência-chave do filme. É o choque da liberdade que entra no foco de Abrahamson – paradoxo que o roteiro de Emma Donoghue explora com muita competência. O ritmo da fruição cai um tantinho (não tem como se manter, dado o impacto daquele momento), e o suspense vira drama psicológico – o que pode decepcionar parte do público. Mas as respostas ao turbilhão que acomete o garoto (imagine o impacto sobre ele), necessárias para manter a coerência da história, estão todas lá.
É uma pena que a trilha sonora de Stephen Rennicks seja exagerada em sua pegada infantil e redundante pelos climas que pretende criar. Não fosse por isso, tecnicamente O Quarto de Jack seria um tour de force de impacto ainda maior.
Revelações do ano
Jacob Tremblay e Brie Larson são candidatos a revelação do ano em Hollywood. Ele é um canadense de nove anos (tinha entre sete e oito nas filmagens) até então pouco conhecido pelo público, mas que, depois de O Quarto de Jack, já emendou quatro novos longas – todos filmados e com previsão de estreia até o fim deste ano. Ela, que, salvo alguma surpresa, ganhará o Oscar de melhor atriz na cerimônia do próximo dia 28, é uma californiana de 26 anos que faz sucesso desde o início da década passada, quando integrava o elenco fixo do Disney Channel. Queridinha do público infantil, Brie Larson inaugura com o novo filme uma fase de protagonismo nos trabalhos adultos – em Anjos da Lei (2012) e Como Não Perder Essa Mulher (2013), fez papéis bem discretos. Entre outros projetos, está trabalhando na prequel de King Kong, ainda sem título em português, que tem estreia prevista para 2017.
O Quarto de Jack
De Lenny Abrahamson. Com Jacob Tremblay e Brie Larson.
Drama/suspense, Irlanda/Canadá, 2015, 118min.
Estreia nesta quinta-feira no circuito de cinemas.
Cotação: 4 estrelas (de 5).