Não me perdoo por ter deixado de fora Missa da Meia-Noite (Midnight Mass, 2021) da lista com as 10 melhores minisséries dos últimos anos que publiquei semanas atrás. Dei uma de Emmy, que praticamente ignorou, na premiação de 2022, a minissérie em sete episódios disponível na Netflix.
Enquadrado em um gênero que costuma ser subestimado, o terror, o título criado, dirigido e editado por Mike Flanagan — o mesmo de A Maldição da Residência Hill (2018) — só concorreu na categoria de edição de som. Acho que tinha lugar na briga pelos troféus mais importantes, em pé de igualdade com Dopesick, The Dropout, Inventando Anna, Pam & Tommy e The White Lotus, as cinco indicadas ao Emmy de melhor minissérie. Foi um grande pecado esnobar, por exemplo, Hamish Linklater, ator que interpreta não o protagonista, mas o personagem que reluz.
Trata-se de Paul Hill, um padre que chega à Ilha Crockett, comunidade fictícia e minúscula (tem somente 127 habitantes), para substituir o monsenhor Pruitt, afastado temporariamente por causa de um problema de saúde. Sua chegada coincide com o retorno de Riley Flynn (encarnado por Zach Gilford), que viu sua carreira no mundo das startups ruir quando, ao dirigir embriagado, matou uma adolescente. Ele passou quatro anos na prisão e tenta recomeçar sua vida, contando com o apoio da mãe, Annie (Kristin Lehman), mas enfrentando a relutância do pai, o pescador Ed (Henry Thomas), reencontrando sua namorada dos tempos de escola, a professora Erin Greene (Kate Siegel, esposa do diretor), e revendo, todas as noites, o fantasma da garota atropelada.
Esse não é o único evento fantástico na ilhazinha, mas não convém avançar muito na trama. Que é a mais pessoal na carreira de Mike Flanagan, um estadunidense de 45 anos nascido em Salem (Massachusetts), cidade costeira celebrizada pela infame caça às bruxas de 1692. Após adaptar Stephen King (nos filmes Jogo Perigoso e Doutor Sono), Henry James (A Maldição da Mansão Bly), Shirley Jackson (A Maldição da Residência Hill) e Edgar Allan Poe (em A Queda da Casa Usher, que estreia em 12 de outubro na Netflix), ele finalmente pôde orquestrar Missa da Meia-Noite, que nasceu como o projeto de um romance, depois de um filme, até entrar em um limbo, tornando-se só o título de um livro falso que o diretor colocava no fundo de seus trabalhos, sua maneira de "manter a ideia viva".
Na Ilha Crockett, Flanagan costura sua educação no catolicismo, seu subsequente ateísmo e sua paixão pelo horror. Cada capítulo é intitulado com o nome de um dos livros da Bíblia: Gênesis, Salmos, Provérbios, Lamentações, Evangelhos, Atos dos Apóstolos e Apocalipse. Uma das personagens mais relevantes e revoltantes é Beverly Keane (Samantha Sloyan), uma fanática que frequenta a Igreja de São Patrício. E não faltarão elementos sobrenaturais (nem sustos de gelar a espinha!), mas esses serão usados com certa parcimônia e estarão a serviço de uma história sobre questões bem humanas — e que consegue transcender o âmbito religioso.
Missa da Meia-Noite é sobre como lidamos com nossos erros, nossos arrependimentos, nossos desejos, nossas crenças. Sobre culpa, perdão, sacrifício e cura. Sobre a perigosa perseguição empreendida por alguns de nós (ou muitos de nós) atrás do "verdadeiro milagre", o da segunda chance (tema mítico nos EUA, a propósito) — é tênue a linha que separa a esperança da loucura (assim como o limte entre a fé e o fanatismo). Sobre o sentido da vida e sobre "o que acontece quando morremos" — esse é o tema de alguns dos vários monólogos presentes na minissérie.
"Quando eu morrer… Minha atividade cerebral cessa e não resta mais nada de mim. Nenhuma memória, nenhuma consciência de que alguma vez existi, de que alguma vez magoei alguém. De que eu já matei alguém. Tudo está como era antes de mim. E a eletricidade se dispersa do meu cérebro até virar apenas tecido morto. Carne. Esquecimento. E todas as outras pequenas coisas que me compõem, os micróbios e as bactérias e os bilhões de outras pequenas coisas que vivem nos meus cílios e no meu cabelo e na minha boca e na minha pele e no meu intestino e em todos os outros lugares, eles apenas continue vivendo. E comendo. Estou servindo a um propósito. Estou alimentando a vida", diz Riley.
"É como uma gota d'água caindo no oceano, do qual sempre fez parte. Todas as coisas... separadas. Todos nós... separados. Você, eu e minha filhinha, e minha mãe e meu pai, todos que já existiram, cada planta, cada animal, cada átomo, cada estrela, cada galáxia, tudo isso. Há mais galáxias no universo do que grãos de areia na praia. E é disso que estamos falando quando dizemos 'Deus'. O único. O cosmos e seus sonhos infinitos. Somos o cosmos sonhando consigo mesmo. É simplesmente um sonho que penso ser a minha vida, sempre", diz Erin.
São longos, densos e ilustrativos monólogos que podem ser considerados entediantes ou pedantes por uns, mas que são capazes de comover e hipnotizar outros, pois proferidos por atores e atrizes tão comprometidos com seus papéis e acompanhados por imagens tão vigorosamente belas — ou terríveis. Eu jamais vou esquecer o grito de pavor que encerra um dos episódios, prolongando-se enquanto a tela escurece e surgem os créditos.