Lançado há poucos dias pela plataforma Star+, Ninguém Vai te Salvar (No One Will Save You, 2023) virou uma coqueluche não só entre os fãs de terror. Dois dos principais autores dedicados ao gênero — o escritor Stephen King e o cineasta Guillermo del Toro — também se derramaram em elogios ao filme de invasão alienígena escrito e dirigido por Brian Duffield e protagonizado pela ótima Kaitlyn Dever, atriz indicada ao Emmy de coadjuvante pela minissérie Dopesick (2021).
Ninguém Vai te Salvar é um pequeno tesouro que merecia a tela grande de um cinema, onde seria melhor apreciado seu trabalho de som, onde seriam mais sentidos os sustos que provoca, onde ficaríamos ainda mais tensos a cada aparição ou ataque dos monstruosos e poderosos extraterrestres.
No filme, Dever interpreta Brynn, uma jovem que mora em um casarão no qual ainda lida com o luto pela morte da mãe, alguns anos atrás. Ela também sente uma tremenda saudade da melhor amiga, Maude, a quem escreve cartas e mais cartas.
Como se fosse uma forma de reconstruir sua vida, Brynn, na ampla sala da casa, monta uma versão em miniatura da cidade. É também uma maneira de se manter conectada com uma cidade que lhe virou as costas por causa de algum incidente no passado.
Brian Duffield espalha pistas suficientes para entendermos o que aconteceu, o que pode tirar o peso de uma revelação, mais para o final (algo ambíguo) do filme. Mas o diretor e roteirista beira o sublime no modo como traduz a condição de Brynn: Ninguém Vai te Salvar praticamente prescinde do diálogo ao longo de seus 93 minutos de duração, espelhando tanto a incomunicabilidade da protagonista com os demais moradores da cidade quanto seu silêncio em relação ao tal episódio traumático.
A invasão alienígena, logo nos minutos iniciais, funciona como catalisadora do processo pelo qual Brynn deve passar. E é um processo solitário, como indica o título, que também alude à situação da personagem no enfrentamento aos E.T.s. Essa combinação do terror físico com o psicológico conquistou Stephen King e Guillermo del Toro.
"Brilhante, ousado, envolvente, assustador. Você tem que voltar mais de 60 anos, até um episódio de Além da Imaginação (no original, The Twilight Zone) chamado Os Invasores (The Invaders, 1961), para encontrar algo remotamente parecido. Verdadeiramente único", publicou, no X (o eterno Twitter), o estadunidense King, 76 anos, autor de livros que deram origem a filmes como Carrie, a Estranha (1976), O Iluminado (1980), O Nevoeiro (2007) — outro terror sobre invasão alien — e It: A Coisa (2017).
Também no X, o mexicano Del Toro, 58 anos, diretor de A Espinha do Diabo (2001), O Labirinto do Fauno (2006) e O Beco do Pesadelo (2021), fez uma leitura do filme à luz do catolicismo, definindo Ninguém Vai te Salvar como "uma parábola muito divertida" sobre "reparação da alma". Reproduzi-la por completo seria dar spoilers, então aqui vai apenas o primeiro trecho: "Há um princípio essencial no dogma católico (você pode optar por refutá-lo ou adotá-lo) que serve como espinha dorsal da narrativa: a graça e a salvação emergem da dor e do sofrimento".
Mas nem todo mundo se rendeu a Ninguém Vai te Salvar. Também no X, o crítico brasileiro Chico Fireman, que desde 2003 abastece o blog Filmes do Chico, foi genial ao cunhar um aforismo: "Saudade de quando filme de terror era pra causar e não pra resolver trauma".