Passadas as minhas férias e a cobertura do 50º Festival de Gramado, é hora de retomar a tradição das sextas-feiras: as listas de 10 filmes, séries, personagens, cenas etc.
A última, em 22 de julho, havia sido a de 10 seriados para quem gosta de viajar ao passado. Agora, será a vez de 10 mistérios capazes de fundir a cuca do público.
Ou de formar uma comunidade: a dos fãs, que, nos tempos dos fóruns na internet ou na era das redes sociais, se reuniram para discutir teorias, especular sobre o destino de personagens, tentar desvendar os quebra-cabeças propostos pelos roteiristas.
Twin Peaks (1990-1991/2017)
Quem matou Laura Palmer? Esse é o grande mistério lançado no episódio de abertura da obra criada pelo cineasta David Lynch e pelo produtor Mark Frost. O caminho para a resposta não foi uma jornada linear. O clima de suspense, fantasia e humor bizarro fez de Twin Peaks um marco da cultura pop, tornando-se embrião da fase de ouro que a dramaturgia televisiva viveria nas décadas seguintes e arregimentando uma legião de fãs fiéis — brindados, em 1992, com o filme Os Últimos Dias de Laura Palmer, que narra eventos anteriores aos vistos na série, e, em 2017, com uma desconcertante terceira temporada.
A trama se passa em uma cidadezinha estadunidense parada no tempo, próxima da fronteira com o Canadá. A jovem Laura Palmer (Sheryl Lee) aparece morta à beira de um lago, enrolada em um saco plástico, brutalmente espancada e violentada. Chega ao lugarejo o agente do FBI Dale Cooper (Kyle MacLachlan), que segue os passos de um assassino serial responsável por crimes semelhantes. Cooper é orientado por uma lógica absurda: segue tanto a intuição e as evidências quanto dicas que lhe chegam como charadas em seus sonhos. A trilha sonora composta por Angelo Badalamenti sublinha o cenário ora onírico, ora fantasmagórico — elementos do terror, como possessão demoníaca, dividem espaço com perversões sexuais, tráfico de drogas e falcatruas financeiras. (3 temporadas, 48 episódios; a 1ª e a 2ª temporada estão disponíveis no Paramount+, e a 3ª não está mais em cartaz na Netflix)
Arquivo X (1993-2002/2016-2018)
Criada por Chris Carter, transformou-se em um clássico do sci-fi mundial no período em que a internet ainda engatinhava. Estreou em 1993 e teve, originalmente, nove temporadas que conquistaram 16 prêmios Emmy — outras duas saíram em 2016 e em 2018, e houve duas adaptações cinematográficas: Arquivo X: O Filme (1998) e Arquivo X: Eu Quero Acreditar (2008). Na série, dois agentes do FBI trabalham no departamento de casos misteriosos, como visitas de extraterrestres e atividades paranormais: Fox Mulder (papel de David Duchovny) dedica-se a desvendar o oculto, e Dana Scully (Gillian Anderson) é a cética médica que deveria pôr as teorias do colega à prova.
Foi a primeira produção a ter informações escondidas. Ou seja, tem uma trama central que costura as temporadas e requer que o público vá montando um quebra- cabeças para chegar à resolução de um mistério. Outra inovação foi trazer episódios duplos e finais com ganchos para a temporada seguinte — até então, nenhuma série usava o "to be continued". (11 temporadas, 218 episódios, Star+)
True Detective (2014-)
A série criada por Nic Pizzolatto estreou sem maior badalação e conquistou público e crítica com sua peculiar estrutura narrativa e, sobretudo, pelo desempenho de seus protagonistas. Matthew McConaughey e Woody Harrelson vivem, respectivamente, o enigmático Rustin Cohle e o vulcânico Martin Hart, detetives que solucionaram um crime em 1995 e que estão, em 2012, dando explicações a dois policiais da região de Nova Orleans. Algo saiu dos trilhos nestes 17 anos, arrastando as vidas de Cohle e Hart por caminhos tortos, e um serial killer está nas ruas indicando que o caso supostamente resolvido pela dupla pode ter ficado com muitas pontas soltas.
A primeira temporada de True Detective (houve mais duas, com elencos diferentes, e uma quarta está a caminho) ferve em ritmo lento influências da literatura do gênero e do fantástico — como Robert W. Chambers, de O Rei de Amarelo, temas como pedofilia e bruxaria e referências a Twin Peaks. No Emmy, venceu cinco categorias, incluindo direção (Cary Joji Fukunaga), e concorreu em outras sete — entre elas, melhor série dramática e melhor ator (em dupla indicação: McConaughey e Harrelson acabaram derrotados por Bryan Cranston, de Breaking Bad). (3 temporadas, 24 episódios, HBO Max)
Lost (2004-2010)
Quando os olhos de Jack Shephard (interpretado por Matthew Fox) se abriram pela primeira vez, o público passou a experimentar uma nova forma de ver séries. Criado por J.J. Abrams, Jeffrey Lieber e Damon Lindelof, Lost é sobre os sobreviventes de um acidente de avião que se veem presos em uma ilha onde muita coisa esquisita acontece.
Houve investimento financeiro (só o primeiro episódio, com duas horas de duração, teve o custo recorde de US$ 10 milhões), ousadia narrativa (a trama se alternava entre o presente, o passado, o futuro e uma realidade paralela), desenvolvimento de personagens (graças a um elenco heterogêneo e ambíguo), a criação de um mundo próprio (rico em instituições fictícias, como Oceanic Airlines e a Dharma Initiative) e, claro, mistérios a mancheias (desde os números 4, 8, 15, 16, 23 e 42 até o monstro de fumaça). Foi o seriado certo na hora certa: coincidiu com a explosão da internet, portanto, a mitologia de Lost se disseminou em fóruns de fãs, comunidades no Orkut e blogs especializados. (6 temporadas, 121 episódios, Globoplay e Star+)
Sense8 (2015-2018)
O título da atração bolada pelas irmãs cineastas Lilly e Lana Wachowski e pelo roteirista de quadrinhos J. Michael Straczynski faz um trocadilho com a palavra em inglês sensate (sensato). A série de ficção científica sobre oito desconhecidos que acabam ligados mentalmente por uma força pouco compreendida é, na verdade, muito mais sobre as dificuldades de nos conectarmos intimamente com outras pessoas do que qualquer outra coisa.
Enquanto tentam descobrir como e por que essa ligação aconteceu e o que isso significa, são ajudados por um misterioso homem chamado Jonas e caçados pelo estranho Whispers. Destaque para a diversidade do papéis, que inclui um queniano, uma sul-coreana, uma mulher trans e lésbica e dois casais homossexuais. (2 temporadas, 24 episódios, Netflix)
Stranger Things (2016-)
É um dos fenômenos culturais dos últimos tempos, graças à combinação entre os enigmas do enredo, a nostalgia dos anos 1980 e o ótimo elenco de personagens. Criada pelos irmãos Matt e Ross Duffer, a série começa com o desaparecimento de uma criança, Will Byers, o que leva a uma investigação policial (conduzida pelo detetive vivido por David Harbour), ao colapso mental da mãe do garoto (encarnada por Winona Ryder), a uma conspiração corporativa e a um monstro que transita entre duas dimensões. Os amigos de Will — Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLoughlin) — também estão à procura dele, auxiliados por uma menina com poderes mentais: Eleven, que lançou ao estrelato a atriz Millie Bobby Brown.
Uma das graças de Stranger Things é identificar as referências oitentistas, desde as citações a filmes como O Enigma de Outro Mundo (1982), E.T. (1982), Poltergeist (1982), Os Caça- Fantasmas (1984), Chamas da Vingança (1984) e Conta Comigo (1986) até o emprego, na trilha sonora, de canções como Africa (1982), do Toto, Should I Stay or Should I Go (1982), do Clash, Elegia (1985), do New Order, Running Up That Hill (1985), de Kate Bush, e Master of Puppets (1986). (4 temporadas até agora, 34 episódios, Netflix)
Dark (2017-2020)
O seriado alemão de Baran bo Odar e Jantje Friese foi o herdeiro por excelência de Lost. Dark também conjugou personagens interconectados, um cenário que funciona como microcosmo, viagens no tempo, experimentos científicos e mistérios capazes de engajar a audiência a formular teorias explicativas.
Um menino de 11 anos desaparece na floresta de Winden, na Alemanha, em 2019, e vai parar em 1986 — mesmo ano do sumiço do irmão caçula de seu pai e o mesmo ano de uma explosão na usina nuclear da cidade. A partir daí, desenvolvem-se jornadas entre passado e futuro (o primeiro sendo, não raro, influenciado pelo segundo). Isso gera linhas temporais distintas, que se convergem e criam versões diferentes dos mesmos personagens — a maioria deles integrantes de quatro famílias: Kahnwald, Nielsen, Tiedemann e Doppler. Entre os objetivos das viagens no tempo, estão impedir o apocalipse e evitar tragédias familiares. (3 temporadas, 26 episódios, Netflix)
Manifest: O Mistério do Voo 828 (2018-2022)
Outra série que remete — muito — a Lost e também a Os 4400 (2004- 2007) e The Leftovers (2014- 2017), além de lembrar um caso real: o desaparecimento do voo 370 da Malaysia Airlines, em 2014, na rota entre Kuala Lumpur e Pequim. Havia 239 pessoas a bordo, e até hoje não há respostas sobre o que de fato aconteceu.
Em Manifest, o criador Jeff Rake conta a história de um avião da fictícia Montego Air que enfrenta uma turbulência. Ao pousarem, os 191 passageiros e tripulantes descobrem que cinco anos se passaram. Irmãos, a policial Michaela (Melissa Roxburgh) e o professor Ben (Josh Dallas) resolvem investigar os reflexos do retorno dos viajantes à vida real. A quarta e última temporada deve estrear em breve. (3 temporadas até agora, 42 episódios, Netflix)
Boneca Russa (2019-)
Comédias dramáticas também podem entrar na lista. Criada por Amy Poehler (atriz e roteirista do Saturday Night Live e de Parks and Recreation), pela atriz Natasha Lyonne e por Leslye Headland, Boneca Russa tem como protagonista uma engenheira de software que, no dia do seu aniversário de 36 anos, fica presa em um looping fatal, à la O Feitiço do Tempo (1993). A cada morte que sofre, Nadia (interpretada por Lyonne) vê um pedaço da sua alma se partindo em duas peças — em uma analogia às bonecas russas. Ela pega essas duas partes e tenta ligar os pontos. Por conta da profissão, trata tudo como um verdadeiro bug no sistema chamado de vida e começa a caçar cada detalhe a fim de corrigir o fluxo da sua rotina. (2 temporadas até agora, 15 episódios, Netflix)
O Inocente (2021)
Oriol Paulo e Pablo Vallejo adaptaram para a Espanha um romance do escritor estadunidense Harlan Coben. Mario Casas interpreta Mateo Vidal, o Mat, estudante de Direito que, em uma briga de bar, mata acidentalmente um rapaz. Após quatro anos na prisão, ele reconstrói sua vida e reencontra a mulher que conhecera na festa após ser libertado, Olivia (Aura Garrido). Os dois se casam e estão para se tornarem pais, mas um belo dia ele recebe uma mensagem perturbadora enviada pelo celular dela.
O que consta na mensagem? Qual é a relação entre Mat e uma freira que se suicidou em pleno orfanato? Por que o corpo dessa religiosa atrai a atenção da polícia federal? O que Olivia esconde quando se tranca no banheiro? Quem é Anibal? As tramas que correm em paralelo em O Inocente vão preenchendo o quebra-cabeças e reprisando os temas de Coben: o peso do passado e o preço dos segredos. (1 temporada, 8 episódios, Netflix)