Top Gun: Maverick? Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo? Agente Oculto? Trem-Bala? Que nada. As cenas de ação mais impossíveis de 2022 não foram feitas em Hollywood, mas na Coreia do Sul. Você as encontra em Carter, filme lançado em agosto pela Netflix, dirigido por Jung Byung-Gil — o mesmo de A Vilã (2017) — e estrelado por Joo Won, ator até então mais conhecido por papéis em doramas como Uma Chance de Vida e Garota Atrevida.
Antes de clicar no menu da plataforma de streaming, convém ler cinco avisos:
1) Carter talvez seja mais sangrento do que O Homem do Norte e o taiwanês A Tristeza, vencedor da mostra internacional no Fantaspoa. Em vários momentos, o sangue de mentirinha respinga na tela.
2) Carter é o mais próximo que o cinema já chegou de um game. Não raro, assumimos o ponto de vista do personagem principal enquanto ele distribui sopapos, acerta golpes de machadinha, foge de moto ou precisa decidir qual o próximo passo.
3) Carter conta uma história rocambolesca que envolve um agente secreto desmemoriado (qualquer semelhança com Jason Bourne não é mera coincidência) que pode estar trabalhando para a CIA ou para a Coreia do Norte — e que, à la John Wick, vai enfrentar um exército de inimigos — e uma pandemia que transforma as pessoas em zumbis agressivos (uma típica ameaça sul-coreana, como visto em Invasão Zumbi, #Alive e na série Kingdom).
4) Carter tem diálogos paupérrimos (quando não confusos) e personagens extremamente superficiais (aí incluída a da brasileira radicada nos EUA Camilla Belle).
5) Carter é muito mais longo do que deveria ser: são 132 minutos de duração, tempo suficiente para as inúmeras reviravoltas, mas também para enfastiar o espectador. Ou enjoar, por causa da combinação de episódios violentos e movimentos de cãmera.
Portanto, Carter é o que podemos chamar de um filme ruim. Porém, dependendo do seu estado de espírito, da sua boa vontade e de sua tolerância à violência, Carter é um passatempo irresistível, um espetáculo marcante, uma proeza cinematográfica.
Tente não prestar atenção à trama. Vale até avançar o filme nas cenas de diálogo. O que importa em Carter é sua fisicalidade, é sua pirotecnia.
Jung Byung-Gil finge filmar como se fosse um único plano-sequência. à la 1917 (2019), de Sam Mendes, ou Dois Minutos Além do Infinito (2020), de Junta Yamaguchi. Digo "finge" porque os momentos de corte são evidentes, tirando um pouco do charme da proposta.
Pensando bem, charme é uma palavra fora de lugar em um filme que começa com o protagonista, seminu, enfrentando uma horda de homens pelados em uma casa de banho.
Instantes antes, o diretor mostrara a cena mais sofisticada em relação à, digamos, dramaturgia. Em um quarto de motel, sob a mira de agentes da CIA que o acusam de ter sequestrado o cientista capaz de encontrar uma cura para a pandemia, o protagonista se vira para o jogo de espelhos às costas da cama. Estão ali seis reflexos de Carter, ilustrando sua dificuldade para compreender a própria identidade.
Menos mal que o sujeito tem uma "voz da consciência": por meio de um dispositivo instalado no ouvido, uma mulher o chama de Carter e afirma que ele está em uma missão de resgate do tal cientista e de sua filha, ambos desaparecidos. A partir daí, a câmera vai girar (demais) e drones vão voar.
A coreografia e a cenografia das cenas de ação são espantosas. A ponto de por vezes provocar um sorriso ou mesmo um riso do espectador, surpreso por ver um filme que, a exemplo da franquia Velozes e Furiosos, não tem medo de abraçar o absurdo e o ridículo. Além do massacre na casa de banho, nos minutos iniciais, merecem destaque a alucinante sequência de perseguição motociclística e combates corpo a corpo ambientados em três furgões emparelhados, que começa por volta do 48º minuto; o balé no ar após um desastre aéreo, ali pelos 72 minutos; a subsequente pancadaria em um caminhão carregado de porcos; e, claro, o helicóptero-borboleta, que surge a partir dos 112 minutos, mais ou menos.
São cenas que fizeram valer a pena assistir a Carter, mas, repito, é preciso ter paciência para com uma história longa e boba e estômago para a matança e a brutalidade.