Logo na abertura de Agente Oculto, a música de Henry Jackman evoca a trilha sonora de Missão: Impossível — neste momento, percebe-se que a ambição da Netflix com uma de suas apostas mais caras de todos os tempos não é pouca, afinal, a franquia protagonizada por Tom Cruise é uma das mais bem-sucedidas e elogiadas de seu gênero. A gana, porém, vai além disso, o longa dirigido pelos irmãos Anthony e Joe Russo, a dupla por trás de Vingadores: Ultimato, quer ser o 007 do serviço de streaming do "tudum".
Já adiantando aqui: Agente Oculto erra os seus dois alvos, mesmo que a sua arma custe nada menos do que US$ 200 milhões — a quantia que a Netflix investiu para tirar o projeto do papel. Na trama, Ryan Gosling vive Court Gentry, um ex-presidiário que é recrutado para trabalhar para a CIA em troca de liberdade. Ao assumir a identidade de Sierra Seis, ele se torna o mais letal dos agentes de campo do serviço. Porém, ao finalizar mais um trabalho, ele descobre uma conspiração dentro da própria agência.
Tudo isso acontece pouco tempo depois de o seu mentor e recrutador, Donald Fitzroy (Billy Bob Thornton), aposentar-se. Quando a agência toma conhecimento de que Seis sabe mais do que deveria, recruta o psicopata terceirizado Lloyd Hansen (Chris Evans) e mais uma legião de mercenários ao redor do mundo para caçar o protagonista, que, ao lado da espiã Dani Miranda (Ana de Armas), precisará usar todas as suas habilidades para escapar — e isso exigirá uma suspensão da descrença impressionante por parte dos espectadores.
Isso porque os irmãos Russo, apesar de já terem provado o seu talento para filmes de espionagem com o ótimo Capitão América 2: O Soldado Invernal (2014), aparentemente não conseguiram se desprender do universo dos super-heróis, colocando Seis no meio de cenas de ação tão megalomaníacas que seria impossível um ser humano sobreviver — ok, talvez sobrevivesse uma vez, de maneira milagrosa, rendendo notícias e documentários sobre a façanha. Agora, uma dezena de vezes em um curtíssimo espaço de tempo? Só com superpoderes, mesmo.
Sim, este tipo de "forçada de barra" é normal no cinema de ação, afinal, é para isso que muitas pessoas assistem a filmes, para fugir da realidade e se impressionar com o extraordinário. Mas Agente Oculto não sabe por qual caminho seguir. Não abraça o absurdo em forma de sátira do próprio gênero — por mais que o personagem de Chris Evans com seu bigode malandro abra espaço para tal —, não tem competência para inserir uma carga dramática eficaz e nem se destaca por sequências de ação realmente interessantes.
Entre Kingsman – O Serviço Secreto (2014), 007 – Sem Tempo Para Morrer (2021) e Missão: Impossível - Efeito Fallout (2018) — um exemplar do mundo da espionagem de cada possível caminho citado acima —, Agente Oculto fica nas lacunas entre eles, no vazio, entregando pontos genéricos de cada um.
Saindo das cinzas
Agente Oculto é a adaptação do livro homônimo de Mark Greaney, especialista em thrillers de espionagem. O filme é escrito por Joe Russo, Stephen McFeely e Christopher Markus, que trabalharam juntos em cima das histórias do Capitão América para o Universo Cinematográfico Marvel de 2014 até a despedida do herói, em 2019 — porém, em um dos momentos deste longa, o vilão de Evans sobrevive a uma explosão de granada usando um de seus capangas como escudo. Entendeu a referência?
Mas voltando, o trio tem a responsabilidade de abrir as portas para que a Netflix possa fazer uma franquia em cima deste universo, com sequências, derivados e séries — tal qual John Wick fez com competência. Por isso, Agente Oculto acrescenta mais personagens do que deveria em suas 2h09min de duração — alguns deles, com pouquíssima utilidade dentro da trama. A ideia, visivelmente, é apenas apresentá-los ao público. Por sorte, a participação de Wagner Moura como Laszlo Sosa funciona dentro de seu propósito e a sua conclusão poderia inspirar outras resoluções dentro do longa, o que agregaria mais urgência ao espetáculo.
E é espetáculo, mesmo: apenas uma sequência de ação levou um mês para ser produzida. Ela envolvia armas pesadas, um trem atravessando o bairro da Cidade Velha de Praga (República Tcheca) e Gosling lutando contra um exército de assassinos algemado a um banco. A brincadeira custou cerca de US$ 40 milhões para ser feita e, segundo Anthony Russo, "foi um filme dentro de um filme". Nitidamente, foi investido um grande esforço ali, mas o problema é que são vários momentos megalomaníacos com este, o que dissolve o impacto de um individual.
Além disso, faz com que Seis, apesar de ser interpretado com competência por Gosling, dentro de todas as limitações que o roteiro apresenta, em momento algum, parece correr um risco real. E temer pelo mocinho é essencial para a imersão. Quando o emocional é colocado em jogo, ao apresentar o passado do agente e a conexão dele com a família de seu recrutador, as revelações são tão clichês e apressadas que pouco conseguem surtir efeito. Agente Oculto joga exatamente dentro das linhas e não busca surpreender — difícil acreditar que este filme vem das mesmas mentes que tiveram a coragem de matar metade da humanidade em Vingadores: Guerra Infinita (2018).
Agente Oculto tinha muito potencial, principalmente por ter tantas pessoas talentosas envolvidas. Porém, ao apresentarem um longa que tem medo de trazer qualquer novidade ao espectador, seja de maneira narrativa ou visual — inclusive, exageram na câmera dando rasantes com o drone —, os irmãos Russo entregam uma história vazia, mas que queria ser mais do realmente é: dois homens sarados tentando se matar e destruindo tudo por onde passam. Talvez, se tivessem abraçado esta trama simples, mas honesta, teria sido mais interessante.