O novo filme de 007, Sem Tempo Para Morrer, não poderia ter uma palavra mais apropriada em seu título para definir a produção: "tempo". Ele é o mais longo da franquia, com 2h43min de duração. Originalmente, seria lançado em novembro de 2019, mas a troca de diretores e a pandemia o moveram por várias datas, até que a sua estreia acontecesse agora, em setembro de 2021. Também marca o encerramento de uma era, o fim da linha na saga para o sexto ator a dar vida a James Bond nos cinemas, Daniel Craig.
E, dentro do filme, o tempo também é o fio-condutor. Logo no começo, o público se depara com um James Bond já aposentado de seu posto de agente 007 na MI6, e o seu cargo dentro do Serviço Secreto Britânico é assumido com muita competência por uma mulher, Nomi, vivida pela ótima Lashana Lynch — uma justa, mesmo que tardia, mostra de equivalência dentro de uma franquia que, muitas vezes, escorregou na misoginia. Porém, é claro, o espião vai precisar voltar à ativa para, mais uma vez, salvar o mundo em uma aventura repleta de ação, com pitadas de humor e uma alta dose de emoção.
Na história, Bond é recrutado para lidar com uma ameaça global que pode se espalhar como uma pandemia, infelizmente e involuntariamente — uma vez que o filme foi rodado em 2019 —conversando os tempos em que vivemos. Assim, a trama resgata a organização Spectre, a ameaça do longa de 2015 do espião, e inclui um novo inimigo, Lyutsifer Safin, vivido por um Rami Malek que, mais uma vez, apresenta uma performance automática.
Início, meio e fim
Ao contrário das aventuras de James Bond vividas por outros atores, em que as histórias pouco se conectavam, mesmo que mantivessem os mesmos protagonistas, o 007 de Daniel Craig carrega consigo todo o passado do personagem, desde Cassino Royale, o que lhe permite ter uma maior profundidade. E, com isso, o seu agente não é somente mulherengo e fatal, mas também um ser humano com camadas e com um peso em seu psicológico. Ter licença para matar traz consequências. E estes são os maiores desafios enfrentados por Bond, superando os planos maléficos dos vilões e as tramas mirabolantes.
Agora, em Sem Tempo Para Morrer, o agente viaja, além dos diversos países que abrigam as suas missões, também pelo seu passado, como um acerto de contas. E isto serve como um resgate do início da jornada do personagem, em 2006, mas também conversa com os outros longas que levaram até esta conclusão. Com tal propósito, após a saída de Danny Boyle do comando do filme pelas sempre suspeitas “diferenças criativas”, Cary Joji Fukunaga (de True Detective), primeiro norte-americano a dirigir um filme da franquia, debruçou-se também no roteiro da produção ao lado de um time de peso, que contava com os já veteranos em filmes do personagem Neal Purvis e Robert Wade, mas também da talentosa Phoebe Waller-Bridge, criadora e protagonista da série multipremiada Fleabag.
Com este time reunido, o filme conseguiu caminhar com segurança por diversos lugares, apesar de ter um segundo ato mais in,chado do que deveria, que contrasta com a excelente — e extensa — sequência de abertura. Ao perder um pouco de fôlego, personagens e situações um tanto quanto desnecessários começam a ficar evidentes. Porém, nada que estrague a experiência — principalmente para quem puder assistir à projeção em uma sala IMAX, que engrandece ainda mais esta despedida, que carrega consigo paisagens e cenas deslumbrantes. E, claro, a obra ainda abriga surpresas para os fãs da saga, que presenciarão momentos nunca antes vividos pelo espião.
Craig. Daniel Craig.
Ao ser anunciado como James Bond, em 2005, Daniel Craig viu muitos narizes sendo torcidos. Afinal, mesmo que fosse britânico, ele fugia da personificação do agente 007 criado no imaginário dos fãs desde a concepção do personagem pelo escritor Ian Fleming, em 1953. O ator era loiro, de olhos azuis e tinha um porte mais atlético do que os seus antecessores. Porém, toda a desconfiança se desfez após a estreia de Cassino Royale, justamente um remake da primeira aventura do espião. Foi aclamado e, para muitos, o melhor longa dos 25. Título merecido.
De lá para cá, Craig caiu nas graças dos fãs, apresentando um 007 mais sensível e, ao mesmo tempo, que explorava mais a força bruta e o seu corpo, menos refém de bugigangas — que ganham um destaque maior nesta despedida. Deu muito certo e ele se tornou o ator que por mais tempo deteve o papel de James Bond. Entre o lançamento de seu primeiro filme, em 2006, até agora, foram 15 anos. Para toda uma geração, o ator é a personificação do agente britânico. E, certamente, entrou para a história.
— Estou feliz por terminar do meu jeito, sou grato aos produtores por me permitirem fazer isso, mas vou sentir falta. Provavelmente, ficarei incrivelmente amargurado quando a nova pessoa assumir — disse Craig em entrevista recente ao Graham Norton Show.
Assim, ao final desta trajetória, o astro de 53 anos mostrou que, mesmo que seja atualmente o ator mais bem pago de Hollywood e recém nomeado comandante honorário da Marinha Real Britânica — mesma patente que Bond —, demonstra um sentimento humano, que é o ciúmes, pelo personagem, que também foi humanizado ao ser interpretado por Craig. É o fim de uma era para os fãs do espião, mas a franquia aponta que o futuro pode ser ainda mais interessante para o agente que atravessa décadas e se molda através dos tempos.