Antes de embarcar no Trem-Bala (Bullet Train, 2022), que traz Brad Pitt a bordo e que chega nesta quinta-feira (4) aos cinemas, vale conferir se, na sua bagagem de mão, você está levando um lencinho — para limpar o sangue que pode vazar da tela — e se deixou do lado de fora a pretensão de assistir a uma história com originalidade e, digamos, conteúdo. Sob a condução de David Leitch, o mesmo diretor de Atômica (2017) e Deadpool 2 (2018), o que o filme oferece é uma viagem de duas horas carregada de personagens excêntricos de nomes bizarros (apresentados com o uso de caracteres), reviravoltas na trama, flashbacks recorrentes, atos de violência, humor mórbido, bacanices na trilha sonora (como uma versão em japonês de Stayin' Alive) e referências à cultura pop que a todo instante nos lembram: Quentin Tarantino e Guy Ritchie já fizeram isso. E melhor.
Talvez o filme não seja o desastre tedioso que alguns colegas de crítica viram, mas está longe de ser genial e imperdível, como já disseram outros. Depende do estado de espírito do espectador se vai levar para perto do céu ou para as bordas do inferno. Há virtudes, a começar por Brad Pitt, ganhador do Oscar de melhor ator coadjuvante por Era uma Vez em... Hollywood (2019), de Tarantino — e astro de Snatch: Porcos e Diamantes (2001), de Ritchie —, muito à vontade para rir de si mesmo. Aliás, um trunfo de Trem-Bala é não ter vergonha de ser ridículo, exagerado e desinteressado em nutrir o intelecto do espectador — trata-se apenas de uma bomba calórica para consumo imediato.
O filme se passa em um trem-bala que vai de Tóquio a Morioka, no Japão. Pitt interpreta um dos passageiros, Ladybug, o Joaninha, assassino de aluguel que, atualmente, vem fazendo terapia. Para a sua contratante (voz de Sandra Bullock), ele diz estar menos reativo e aceitando mais as limitações das pessoas. Só que para o terapeuta, Barry, o protagonista jamais revelou seu campo de trabalho.
Joaninha entrou no trem sem intenções letais: a missão é simplesmente coletar uma maleta e ir embora. Parece moleza, mas logo ele vai estar enredado em uma ciranda que envolve:
Limão e Tangerina, "gêmeos" matadores ingleses interpretados por Brian Tyree Henry (o Paper Boi da série Atlanta) e Aaron Taylor-Johnson (o Dave Lizewski de Kick-Ass) — o primeiro deles usa o desenho animado Thomas e seus Amigos (aquele das locomotivas falantes) como um guia para identificar a personalidade das pessoas, o que faz o segundo perder a paciência;
Lobo, papel do rapper de Porto Rico Bad Bunny, aqui creditado como Benito A. Martínez Ocasio, um exímio capanga de cartel mexicano obcecado por consumar uma vingança;
Príncipe, o codinome da perversa mas dissimulada personagem encarnada por Joey King, estrela da trilogia adolescente A Barraca do Beijo;
Morte Branca, um bandido russo que ascendeu no submundo do crime japonês (e cujo rosto só é revelado no terço final);
Kimura (Andrew Koji), pai de um menino hospitalizado depois de ter sido empurrado do alto de um edifício;
E uma cobra venenosa.
Baseado no livro homônimo do escritor japonês Kotaro Isaka, o roteiro assinado por Zac Olkewicz vai promovendo encontros e desencontros que não raro se transformam em cenas de pancadaria ou morte, nas quais David Leitch, um ex-dublê (inclusive do próprio Brad Pitt, em títulos como Clube da Luta e Troia), não demonstra a mesma criatividade de Deadpool 2 nem a mesma visceralidade de Atômica. O diretor preferiu apostar em uma suposta comicidade, com o intuito de fazer um filme mais "família" — apesar de ser estrelado por assassinos de elite e vilões cruéis e apesar da classificação indicativa de 16 anos.
As duas horas de duração mostram-se cansativas, ainda que pontuadas por algumas aparições-surpresa — a cena mais engraçada é aquela com um símbolo sexual de Hollywood. E o filme termina com uma piada que tem duplo sentido para quem achar que acabou de assistir a uma bosta.