Doutor Estranho no Multiverso da Loucura? Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo? Que nada. O filme mais pirado sobre a possibilidade de existirem realidades paralelas é Dois Minutos Além do Infinito, recém adicionado ao catálogo da HBO Max.
Espectadores brasileiros já haviam tido a oportunidade de assistir ao filme em 2021, durante a 17ª edição do Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, o Fantaspoa — que concedeu ao japonês Junta Yamaguchi o prêmio de melhor direção entre os títulos de fora da América Latina.
Trata-se de uma produção amadora capaz de fazer cineastas renomados, como Christopher Nolan e Sam Mendes, chorarem no cantinho. Dirigido pelo estreante Yamaguchi, escrito por Makoto Ueda e estrelado pelo grupo teatral Europe Kikaku, Dois Minutos Além do Infinito (Beyond the Infinite Two Minutes, 2020) é uma espantosa combinação do tema da viagem no tempo — uma obsessão de Nolan, vide Amnésia (2001), A Origem (2010), Interestelar (2014), Dunkirk (2017) e Tenet (2019) — com a técnica do plano-sequência, como a empregada por Mendes em 1917 (2019).
Praticamente toda a história deste curto longa (tem apenas 70 minutos) se passa dentro de um café na cidade de Kyoto, com algumas subidas para um apartamento e uma sala comercial. Um dia, após o expediente, Kato (interpretado por Kazunori Tosa), o dono do estabelecimento, vai até sua casa — que fica no andar de cima — e tem sua atenção chamada por sua própria imagem na tela do computador.
— Eu sou o seu futuro eu. Dois minutos no futuro! — diz esse Kato, falando através da televisão instalada na cafeteria.
E aí se inicia uma divertida mas também complexa brincadeira, à qual se juntam amigos de Kato, uma atendente do café e um interesse romântico do protagonista, entre outros coadjuvantes. Por meio dos dois monitores, os personagens interagem com suas versões de dois minutos à frente no tempo. Consequentemente, também interagem com suas versões de dois minutos atrás no tempo. Ou seja, estão no presente, no futuro e no passado simultaneamente!
Como diz um dos amigos de Kato, é a representação cinematográfica do Efeito Droste, o da imagem que aparece dentro dela própria. Trata-se, por um lado, de um labirinto — os personagens parecem presos à instantaneidade de sua descoberta, sem refletir sobre o que passou nem planejar tanto o que virá. Por outro, é uma libertação — o conhecimento adquirido pelo eu do futuro poderá ajudar o eu do passado a salvá-lo de perrengues. Isso inclui, surpreendentemente, mentir — afinal, como diz a atendente da cafeteria em uma cena cômica, "não podemos contradizer o futuro!".
Dois Minutos Além do Infinito torna-se ainda mais fascinante por conta dos aspectos técnicos. A começar pelo pertinente uso do tempo real e do plano-sequência único, sem truques de edição — ou seja, à la Arca Russa (2002) e Ainda Orangotangos (2007), e não com os cortes invisíveis de Festim Diabólico (1948), Irreversível (2002), Birdman (2014) e 1917. E as condições de produção intensificam o deslumbramento: como mostrado nos créditos finais, Yamaguchi e sua equipe filmaram tudo com um celular, correndo para acompanhar o deslocamento dos atores e para se posicionar no lugar certo de cada cena. É de se imaginar a quantidade de ensaios e de testes-valendo que precisaram ser realizados.
A nacionalidade e a forma com a qual foi rodado conectam esta comédia de ficção científica ao vencedor do prêmio de melhor filme no Fantaspoa de 2017: Plano Sequência dos Mortos, de Shin'ichirô Ueda. Os primeiros 37 minutos dessa comédia de terror foram filmados em um único take. A obra ganhou mais de 20 troféus e credenciou o nome de Ueda, que, após assistir a Dois Minutos Além do Infinito, contribuiu para sua divulgação internacional cunhando uma frase em inglês: "A masterpiece of film-making packed with joy" (Uma obra-prima do fazer cinema repleta de alegria).