Dos filmes que disputam os Kikitos aos artistas homenageados, passando pelas exibições fora de competição, o 52º Festival de Cinema de Gramado tem uma das programações mais atraentes dos últimos anos. O evento na cidade da Serra será oficialmente aberto às 16h desta sexta-feira (9), com concerto da Orquestra Sinfônica de Gramado na Sociedade Recreio Gramadense, e terminará no dia 17 de agosto, com a premiação no Palácio dos Festivais, que neste ano terá um telão para fazer a interface com o Tapete Vermelho.

A briga entre os sete longas-metragens nacionais promete ser forte (confira a programação completa mais abaixo). As produções representam quatro das cinco regiões do país: Centro-Oeste, Nordeste, Sudeste e Sul. Os gêneros são variados — há drama, comédia, faroeste —, e todos os títulos farão no Palácio dos Festivais sua primeira exibição nacional.

— Isso atesta o desejo dos grandes e novos realizadores de apresentar seus filmes aqui, como primeira tela no Brasil. É uma honra e uma alegria saber como o festival se mantém importante no universo cinematográfico nacional. Gramado é um festival onde os filmes nascem, em suas telas e seus debates — comentou o crítico Marcos Santuário, curador de Gramado ao lado do ator Caio Blat, à época do anúncio dos concorrentes.

Vale ressaltar a presença do olhar feminino: quatro dos sete filmes são dirigidos por mulheres.

Coprodução entre Mato do Grosso do Sul e São Paulo, Cidade; Campo tem a assinatura de Juliana Rojas, coautora, com Marcos Dutra, de Trabalhar Cansa (2011) e As Boas Maneiras (2017). O filme trata da migração entre o meio urbano e o rural em histórias protagonizadas por Fernanda Vianna, Mirella Façanha e Bruna Linzmeyer e valeu a Rojas o troféu de melhor direção na mostra Encounters (dedicada a cineastas independentes) do Festival de Berlim.

Pasárgada (RJ) marca a estreia como diretora da atriz Dira Paes, vencedora do Kikito de melhor coadjuvante por Noite de São João, em 2003, e do prêmio de atriz em curtas nacionais por Ribeirinhos do Asfalto, em 2011. Ela mesma faz o papel principal, o de uma ornitóloga solitária que, durante projeto de pesquisa no meio da floresta, "redescobre sua tropicalidade após conhecer Manuel (Humberto Carrão), um jovem guia que fala a língua dos pássaros e traz à tona seus dilemas como mulher, mãe e profissional".

O Clube das Mulheres de Negócios (SP) promove o retorno a Gramado de Anna Muylaert, realizadora de Durval Discos (2002), vencedor de sete Kikitos, e de É Proibido Fumar (2009), ganhador de oito Candangos no Festival de Brasília, e Que Horas Ela Volta? (2015), laureado em Berlim e em Sundance. Trata-se de uma comédia ambientada em um mundo imaginário onde os estereótipos de gênero estão invertidos. Na trama, conforme Muylaert contou em entrevista em novembro de 2023, "mulheres poderosas, num dia de folga, recebem a visita de dois jornalistas. Uma série de situações absurdas vai revelando questões de gênero e de classe". O elenco inclui Irene Ravache, Louise Cardoso, Grace Gianoukas, Cristina Pereira, Itala Nandi e Polly Marinho.

Representando o Rio Grande do Norte, Filhos do Mangue é dirigido por Eliane Caffé, de Narradores de Javé (2003), que levou nove prêmios Calunga no Festival de Recife. Segundo a sinopse, um homem (Felipe Camargo) aparece ferido e sem memória em uma comunidade ribeirinha. A população o acusa de roubo e, em um julgamento popular, vem à tona uma trama que envolve desvio de verba pública, exploração da prostituição e violência doméstica.

No papel, tem similaridade com Oeste Outra Vez. É outro faroeste de Erico Rassi, diretor de Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta (2016). Agora, em um lugar isolado no sertão de Goiás, "homens rudes, incapazes de lidar com suas próprias fragilidades, são constantemente abandonados pelas mulheres que amam. Tristes e amargurados, eles se voltam violentamente uns contra os outros". No elenco, Ângelo Antônio, Babu Santana e Tuanny Araújo.

Os outros dois títulos da competição geram bastante expectativa. Barba Ensopada de Sangue (SP) é a versão do cineasta Aly Muritiba — dos premiados filmes Para Minha Amada Morta (2015), Jesus Kid (2021) e Deserto Particular (2021), do documentário O Caso Evandro (2021) e da série Cangaço Novo (2023-) — para o romance do escritor Daniel Galera, ganhador do Prêmio São Paulo em 2013. O personagem principal é vivido por um dos atores mais badalados do momento, Gabriel Leone, que foi coadjuvante na cinebiografia Ferrari (2023), do veterano Michael Mann, e que vai estrelar a minissérie da Netflix sobre Ayrton Senna. Segundo o resumo divulgado pelo Festival de Gramado, o protagonista com uma condição neurológica que o impede de reconhecer rostos ganhou nome (Gabriel). O litoral paulista serviu como "dublê de cenário" para a fictícia praia da Armação, em Garopaba, Santa Catarina. Lá, ele investiga o sumiço de seu avô, uma figura misteriosa e algo mítica, e "uma cidade que quer enterrar seu passado a qualquer custo".

Por fim, teremos a continuação de Estômago (2007), comédia criminal com sabor brasileiro e inspiração italiana que conquistou cinco categorias no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro: melhor filme, diretor, roteiro, ator coadjuvante (Babu Santana) e escolha do público. Em Estômago 2: O Poderoso Chef, o diretor paranaense Marcos Jorge volta a fazer parceria com o ator baiano João Miguel. Agora, Raimundo Nonato é o chef dos chefs na prisão, encantando com sua comida e sua lábia tanto o diretor do presídio quanto o veterano líder dos detentos. Até que um mafioso vindo da Itália aparece no pedaço. O elenco conta com Paulo Miklos, Nicola Siri e Projota.

Os filmes gaúchos

A competição de longas-metragens gaúchas também é bacana. Entre os cinco concorrentes, está Até que a Música Pare, rodado em Antônio Prado, Nova Roma do Sul, Nova Bassano e Veranópolis por Cristiane Oliveira, diretora dos premiados Mulher do Pai (2016) e A Primeira Morte de Joana (2021). Na trama, depois que o último filho sai de casa, Chiara, matriarca de uma família descendente de italianos, decide acompanhar o marido em suas viagens como vendedor pelos botecos da Serra.

Memórias de um Esclerosado é um documentário no qual o cartunista Rafael Corrêa (que assina a direção com Thais Fernandes) compartilha sua experiência como paciente de uma doença degenerativa, a esclerose múltipla. Esse título foi o grande vencedor do Cine-PE, o Festival de Recife, onde recebeu cinco Calungas, incluindo melhor filme — tanto pelo Júri Oficial quanto pelo Júri Popular —, ator coadjuvante (para o próprio Rafael) e roteiro. Outro documentário na disputa é Um Corpo Só, de Cacá Nazario, sobre a trajetória da Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz.

A Transformação de Canuto, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho, se passa em uma pequena comunidade Mbyá-Guarani entre o Brasil e a Argentina e recria a lenda de um homem transformado em onça. E Infinimundo, de Bruno Martins e Diego Müller, se passa em uma cidade fabular, onde um jovem contador de histórias apaixona-se pela compositora da banda local, mas seus planos são atrapalhados por uma invasão de forasteiros.

Na disputa nacional de curtas-metragens, há dois representantes do RS: Ana Cecília, de Julia Regis, e Pastrana, de Melissa Brogni e Gabriel Motta.

Sessões especiais e homenagens

O Festival de Gramado já começa sedutor. Na primeira noite, haverá a exibição hors-concours de Motel Destino (2024), do diretor cearense Karim Aïnouz, realizador de Madame Satã (2002), O Céu de Suely (2006) e A Vida Invisível (2019). Definido como um thriller erótico e estrelado por Nataly Rocha, Iago Xavier e Fábio Assunção, foi o único longa-metragem latino-americano que concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes, onde mereceu 12 minutos de aplausos, e tem lançamento comercial prevista para 22 de agosto. 

Outra sessão fora de competição, no dia 10, é a do primeiro episódio de Cidade de Deus: A Luta Não Para, que estreia no dia 25 de agosto na plataforma Max. Com produção da O2 Filmes, dá sequência aos acontecimentos do aclamado filme Cidade de Deus (2002), indicado ao Oscar nas categorias de direção (Fernando Meirelles), roteiro adaptado (Bráulio Mantovani, a partir do romance homônimo de Paulo Lins publicado em 1997), fotografia (César Charlone) e edição (Daniel Rezende). A trama mostra os personagens 20 anos depois. Buscapé (Alexandre Rodrigues) segue com o trabalho de fotógrafo. Já Berenice (Roberta Rodrigues) tornou-se uma líder comunitária. Thiago Martins e Andréia Horta também fazem parte do elenco. O time de roteiristas é comandado por Sérgio Machado. Na direção, está Aly Muritiba, da série Cangaço Novo, que também teve pré-estreia no Festival de Gramado, em 2023.

A terceira exibição hors-concours faz dobradinha com o Troféu Eduardo Abelin, entregue no dia 16 ao cineasta Jorge Furtado, que em 2024 comemora 40 anos de carreira. Haverá a première mundial de Virgínia e Adelaide (2024), filme que Furtado dirigiu com Yasmin Thayná. Como contou o diretor em entrevista por conta da homenagem recebida no Festival de Punta del Este, "é sobre a história de uma psicanalista negra, a primeira psicanalista da América do Sul, Virgínia Leone Bicudo (1910-2003). É um nome de que não se ouve falar porque ela foi apagada da História". Foi rodado em Porto Alegre e é estrelado por Gabriela Correa e Sophie Charlotte.

O elenco de homenageados do festival é completado pelo ator Matheus Nachtergaele, que receberá o Troféu Oscarito, a mais tradicional honraria, no dia 10; a atriz Vera Fischer, celebrada com a mais jovem distinção, o Troféu Cidade de Gramado, no dia 14; e Mariëtte Rissenbeek, diretora executiva do Festival de Berlim entre 2019 e 2024, que, no dia 15, abre a etapa globalizada do Kikito de Cristal, anteriormente dedicada a nomes do cinema ibero-americano.

Há ainda as homenagens no âmbito gaúcho. O Troféu Sirmar Antunes vai para o ator e compositor Álvaro RosaCosta. O Troféu Leonardo Machado celebra o ator e diretor Nelson Diniz. O Prêmio Iecine, do Instituto Estadual de Cinema, será dividido em três categorias: Legado, para o diretor, animador e produtor José Maia; Inovação, para Aleteia Selonk, sócia-diretora e produtora executiva da Okna Produções; e Destaque, para Alexandre Mattos, membro-fundador da Moviola Filmes e membro do Macumba Lab — Coletivo de Profissionais Negres do Audiovisual do RS.

A programação do 52º Festival de Gramado

Os filmes exibidos à noite são reprisados com entrada franca às 8h30min do dia seguinte, no Palácio dos Festivais, e debatidos a partir das 10h na Sociedade Recreio Gramadense

9/8, sexta

• 16h, na Sociedade Recreio Gramadense: abertura oficial do 52º Festival de Cinema de Gramado, com concerto da Orquestra Sinfônica de Gramado
• 17h, na Rua Coberta: abertura do tapete vermelho
• 18h, no Palácio dos Festivais: sessão hors-concours de Motel Destino, de Karim Aïnouz

10/8, sábado

• 13h, no Palácio dos Festivais: Mostra de Curtas Gaúchos —- Prêmio Assembleia Legislativa, com os filmes A Um Gole da Eternidade, de Camila de Moraes e Paulo Ricardo de Moraes; Natal, de Alan Orlando; Pastrana, de Melissa Brogni e Gabriel Motta; Cassino, de Gianluca Cozza; Zagêro, de Victor Di Marco e Márcio Picoli; Janeiro, de Boca Migotto; Correnteza, de Diego Müller e Pablo Müller; Não Tem Mar Nessa Cidade, de Manu Zilveti 
• 18h, no Palácio dos Festivais: O Clube das Mulheres de Negócios, de Anna Muylaert (longas nacionais) + Troféu Oscarito para Matheus Nachtergaele + Sessão hors-concours da série Cidade de Deus: A Luta Não Para, de Aly Muritiba

11/8, domingo

• 13h, no Palácio dos Festivais: Mostra de Curtas Gaúchos, com os filmes Chibo, de Gabriela Poester e Henrique Lahude; Flor, de Joana Bernardes; Viagem para Salvador, de João Pedro Fiuza; Posso Contar nos Dedos, de Victória Kaminski; Entrega, de Luiz Azambuja e Pedro Presser; Noz Pecã, de Aline Gutierres; Está Tudo Bem, de Rodrigo Herzog; Envergo mas Não Quebro, de Tatiana Sager
• 18h, no Palácio dos Festivais: Estômago 2: O Poderoso Chef, de Marcos Jorge (longas nacionais) + Prêmio Assembleia Legislativa de curtas gaúchos e Troféu Sirmar Antunes para Álvaro RosaCosta (essa premiação tem transmissão pela TVE e pelo site do festival)

12/8, segunda

• 14h, no Palácio dos Festivais: Até que a Música Pare, de Cristiane Oliveira (longas gaúchos)
• 18h, no Palácio dos Festivais: Oeste Outra Vez, de Erico Rassi (longas nacionais) + Curtas brasileiros: Maputo (SP), de Lucas Abrahão; Ponto e Vírgula (RJ), de Thiago Kistenmacker; Castanho (AM), de Adanilo; Pastrana (RS), de Melissa Brogni e Gabriel Motta; A Casa Amarela (PR), de Adriel Nizer; Via Sacra (DF), de João Campos
• 19h, no Canal Brasil: curtas Maputo, Ponto e Vírgula e Castanho
• 20h20min, no Canal Brasil: documentário Toquinho Maravilhoso, de Alejandro Berger Parrado
• 22h, na TVE: curtas gaúchos A Um Gole da Eternidade, Natal, Pastrana e Cassino

13/8, terça

• 14h, no Palácio dos Festivais: Memórias de um Esclerosado, de Thais Fernandes e Rafael Correa (longas gaúchos)
• 16h30min, na Sociedade Recreio Gramadense: autógrafos dos livros Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais, da Abraccine, com organização de Gabriel Carneiro e Paulo Henrique Silva; Anotações no Escuro: as Perguntas que os Filmes me Fazem, de Ticiano Osório; Das Garagens para o Mundo: Como uma Jovem Geração de Artistas Independentes Transformou o Cinema Brasileiro dos Anos 2000, de Marcelo Gil Ikeda
• 18h, no Palácio dos Festivais: Pasárgada, de Dira Paes (longas nacionais) + curtas brasileiros: Movimentos Migratórios (BA), de Rogério Cathalá; Navio (RN), de Alice Carvalho, Larinha R. Dantas e Vitória Real; Fenda (CE), de Lis Paim; Ressaca (MG), de Pedro Estrada; A Menina e o Pote (PE), de Valentina Homem; e Ana Cecília (RS), de Julia Regis
• 19h, no Canal Brasil: curtas Pastrana, A Casa Amarela e Via Sacra
• 20h20min, no Canal Brasil: documentário Mestras, de Aíla e Roberta Carvalho
• 22h, na TVE: curtas gaúchos Zagêro, Janeiro, Correnteza e Não Tem Mar Nessa Cidade

14/8, quarta

• 14h, no Palácio dos Festivais: A Transformação de Canuto, de Ariel Kuaray Ortega e Ernesto de Carvalho (longas gaúchos)
• 18h, no Palácio dos Festivais: Troféu Cidade de Gramado a Vera Fischer + Cidade; Campo, de Juliana Rojas (longas nacionais) + Filhos do Mangue, de Eliane Caffé (longas nacionais)
• 19h, no Canal Brasil: curtas Movimentos Migratórios, Navio e Fenda
• 20h20min, no Canal Brasil: documentário Velho Chico: A Alma do Povo Xokó, de Caco Souza
• 22h, na TVE: curtas gaúchos Chibo, Viagem para Salvador e Posso Contar nos Dedos

15/8, quinta

• 14h, no Palácio dos Festivais: Um Corpo Só, de Cacá Nazário (longas gaúchos)
• 18h, no Palácio dos Festivais: Barba Ensopada de Sangue, de Aly Muritiba (longas nacionais) + Troféu Kikito de Cristal para Mariëtte Rissenbeek + Filhos de Bach, de Ansgar Ahlers (hors-concours)
• 19h, no Canal Brasil: curtas Ressaca, A Menina e o Pote e Ana Cecília
• 20h20min, no Canal Brasil: documentário Clarice Niskier: Teatro dos Pés a Cabeça, de Renata Paschoal
• 22h, na TVE: curtas gaúchos Entrega, Noz Pecã, Está Tudo Bem e Envergo mas Não Quebro

16/8, sexta

• 14h, no Palácio dos Festivais: Infinimundo, de Bruno Martins e Diego Müller (longas gaúchos)
• 18h, no Palácio dos Festivais: Troféu Eduardo Abelin para Jorge Furtado + Virgínia e Adelaide, de Yasmin Thainá e Jorge Furtado (hors-concours) + Premiação dos longas gaúchos e entrega dos prêmios Leonardo Machado e Iecine
• 20h20min, no Canal Brasil: documentário Poemaria, de Davi Kinski

17/8, sábado

• 21h, no Palácio dos Festivais: entrega dos Kikitos. Transmissão por Canal Brasil, TVE e site do festival