Rafael Corrêa gosta de voltar à infância para explicar como virou cartunista. Em Rosário do Sul, onde nasceu, desenhava como toda criança. Com a chegada da maturidade, seguiu traçando suas ideias munido de lápis e papel.
A explicação pode parecer simples frente ao sucesso de um cartunista de 42 anos premiado 43 vezes, que começou publicando cartuns aos 14 em um jornal do Interior e hoje imprime sua crítica política e social em uma das publicações mais influentes do país, o jornal Folha de S.Paulo. Mas é com certa despretensão que Rafael encara seu trabalho. Certa resignação, também. Diagnosticado com esclerose múltipla em 2010, doença que afeta a coordenação motora, seguiu desenhando mesmo sentindo cansaço e dificuldade com a mão esquerda, com a qual tinha maior habilidade.
Ainda que perdesse o controle do lápis e voltasse repetidas vezes ao mesmo ponto para finalizar o desenho, processo que perdura até hoje, Rafael insistiu. A teimosia rendeu cartuns e tiras que conquistaram grandes prêmios logo após o diagnóstico, como o de Melhor Tira no Salão Internacional de Piracicaba, em 2012, e o Aydın Doğan, reconhecimento internacional na Turquia alcançado duas vezes — em 2013 e 2014.
Parte desse trabalho de desenhista teimoso está reunida em Até Aqui Tudo Bem, coletânea de tiras e cartuns produzidos nos últimos 10 anos que será lançada de duas formas: com a exposição que será inaugurada no sábado (14), às 14h, na Galeria Hipotética (Rua Visconde do Rio Branco, 431), e no seu primeiro livro de coletâneas — se o crowdfunding que lançou na internet atingir o apoio necessário até o dia 20 de julho. O nome do projeto não se resume às análises dos últimos anos de um país abalado politicamente, com acessos de intolerância e hipocrisia no trato social. Também reflete as limitações na vida de Rafael.
— Estou passando por dificuldade, mas, até aqui, tudo bem.
Traço simples, retrato afiado
Se arranca humor de cenas duras do cotidiano, também dobra situações difíceis para seguir na profissão. Em 2016, com a mão esquerda comprometida, desenvolveu a direita para o domínio do lápis. Viu vantagem no desafio: passou a dar menos importância à precisão do traço e tornou-se, orgulhosamente, um cartunista que usa o lápis como veículo para mensagens.
— O que me interessa é a ideia. Quero que, em dois ou três traços, o desenho se resolva.
O estilo de Rafael amadureceu entre grandes nomes do cartum gaúcho, como Edgar Vasques, Moacyr Guterres, o Moa, e Santiago, profissionais que conheceu em encontros da Grafistas Associados do Rio Grande do Sul (Grafar). O desenhista mirim, que desembarcou em Porto Alegre aos 17 anos para cursar Publicidade e Propaganda, foi até Santiago para apresentar ao ídolo um fanzine feito com colegas da faculdade, o Bodoque. Para surpresa do fã, o homem admirado nacionalmente pelas charges ferozes em meio à ditadura já conhecia a revista.
Em uma relação de parceria desde então, é Santiago quem assina o prefácio do novo livro que Rafael pretende lançar. Assim o veterano define a relação do amigo com o lápis: “Para Rafael, o petróleo não tem valor, mas o ouro negro que brota do seu toquinho inesgotável, tem”.
Até Aqui Tudo Bem
Exposição
Na Galeria Hipotética (Rua Visconde do Rio Branco, 431). Inauguração sábado (14), às 14h. Visitação de terças a quintas, das 14h às 19h, sextas, das 10h às 18h, e aos sábados, das 10h às 14h. Até 9/8. Entrada gratuita.
Crowdfunding
Colaboradores têm até o dia 20 de julho para apoiar o lançamento da primeira coletânea de cartuns de Rafael Corrêa. Contribuições a partir de R$ 15, com recompensas, em bit.ly/livrorafaelcorrea.