Quando Negra Jaque convoca em seus shows toda “a massa preta de Porto Alegre” para cantar junto Cabelo Crespo, a pista é tomada sobretudo por mulheres com orgulho de sua cor e de suas madeixas. Parceria com o angolano Narrador Kanhanga, a música é um dos petardos do poderoso Deus que Dança, álbum lançado pela cantora neste ano.
– A música (Cabelo Crespo) é um projeto de combate ao racismo e de autoestima para todas as crianças pretas e crespas. É uma ferramenta de cidadania. Vou te dizer que tu é bonito do jeito que tu nasceu, e as pessoas não podem te tratar diferente por causa disso – afirma Negra Jaque, que apresentará na íntegra o seu novo trabalho neste sábado (14), no Galpão do IBGE, onde rola o Lechiguana Festival (leia mais aqui).
Mas a rapper porto-alegrense, que cresceu no Morro da Cruz rodeada de mulheres que ouviam Bete Carvalho e Alcione, nem sempre conseguiu demonstrar a força que tem hoje quando está no palco. Já teve vontade de alisar o cabelo, mas nunca o fez – não pela consciência política que tem agora, mas porque, na época, o preço para realizar o procedimento não estava a seu alcance:
– Primeiro, dá trabalho; segundo, é muito caro. É uma química que tu passas no cabelo para que se desmanchem as bolinhas, que são tão lindas – explica a artista de 31 anos, que diz ter sentido os primeiros sinais de racismo na adolescência, quando foi estudar no Instituto de Educação General Flores da Cunha.
Lá, teve de enfrentar os colegas mexendo em suas tranças e o deboche em relação ao seu cabelo. As consequências das agressões foram além das verbais. São cicatrizes que a artista carrega em seu corpo até hoje:
– Tenho uma marca, que outras meninas negras têm também, atrás da cabeça, onde o cabelo não cresce mais de tanto usar ele preso, para tentar escondê-lo – recorda Negra Jaque, que é mãe de Erick, um garoto de 10 anos. – E isso é muito sério. Há detalhes da vida da gente que as pessoas não têm dimensão.
A consciência do que havia sofrido ficou mais clara para Jaqueline Trindade Pereira, nome de batismo da cantora, a partir de 2001, quando realizou, simultaneamente ao Magistério, um curso para se tornar educadora popular, oferecido pela ONG Instituto Leonardo Murialdo.
– Estudando Paulo Freire descobri que existia uma cultura hip-hop, em que principalmente os jovens negros se organizavam. Nunca mais parei – lembra a rapper, que, na adolescência, influenciada pelo som que tocava no rádio dos tios, já havia entrado em contato com nomes como Ndee Naldinho e Racionais MC’s.
No salto da carreira, choque com o machismo
Em 2006, já compartilhando experiências com outros artistas de rap, passou a escrever suas rimas, “a colocar no papel as coisas pelas quais estava passando”, nas palavras de Jaque, que é pedagoga e trabalha com educação infantil em uma escola da Cidade Baixa. Em 2007, passou a fazer parte do grupo Pesadelo do Sistema.
No ano de 2013, Negra Jaque decidiu trilhar o seu caminho sozinha, e a carreira deu um salto. Foi a primeira mulher a vencer a Batalha do Mercado, tradicional evento de hip-hop de Porto Alegre. Com a premiação, gravou seu primeiro EP, intitulado Sou. Em abril passado, lançou, em um evento no bairro Partenon, Deus que Dança, com letras que buscam valorizar a identidade negra e principalmente o hip-hop feito por mulheres.
– O disco é um questionamento: que Deus é esse? Para mim é energia, e ele pode ser uma mulher negra, um menino, uma criança – explica a artista, que, após conquistar seu espaço num ambiente dominado por homens, tem de enfrentar o sexismo da cena hip-hop de Porto Alegre.
– Até pouco tempo atrás, tive muitos problemas, principalmente pelos caras não aceitarem que é um espaço de disputa. Por eu estar sendo contratada no lugar de MCs homens, eles pegam pesado demais, chegam a nos violentar emocionalmente, não nos passando informações, por exemplo. São pequenas coisas que atrapalham nossa rotina e que a gente sabe que é influência do machismo.
São problemas que Negra Jaque tem enfrentado sem medo neste ano, um dos mais importantes de sua carreira. Ela tem conquistado espaço em importantes casas de show de Porto Alegre, como o bar Agulha, e firmado parcerias com artistas como Valéria (ex-Houston), Pâmela Amaro e o grupo Ultramen. Sempre com o apoio de sua equipe e fãs.
Na maioria, mulheres com seus cabelos crespos.
LECHIGUANA FESTIVAL
Dia 14 de julho, a partir das 14h.
Galpão do IBGE (Avenida Augusto de Carvalho, 1.225), em Porto Alegre.
Classificação: 18 anos.
Ingressos: R$ 25 (meia-entrada), R$ 30 (promocional, com doação de 1kg de alimento não perecível) e R$ 50 (inteiro).
Pontos de venda: online (clique aqui para comprar) e no local, mediante disponibilidade.
OS SHOWS
-16h20min: Sintonize
-17h10min: Descartes
-18h: Maquinário Sabiá
-18h50min: GiraCeleste
-19h40min: Supervão
-20h30min: Maestro Sujo
-21h20min: Os Vespas
-22h10min: Pônei Xamânico
-23h: Mulamba
-00h20min: Suerte
-01h10min: Saskia
-01h40: Negra Jaque
-02h20min: Butia Dub
-03h: Musa Híbrida
-03h40min: Zudizilla & Kiai Grupo