A Tela Quente desta segunda-feira (19), na RBS TV, tem uma baita atriz e um tema forte. Dira Paes faz a personagem principal de Pureza (2022), que é inédito na TV aberta e será exibido a partir das 22h25min, fechando uma das duas datas em que se celebra o Dia do Cinema Brasileiro.
O 5 de novembro lembra a exibição pública inaugural: em 1896, foram projetados oito curtas-metragens para a elite do Rio de Janeiro, na Rua do Ouvidor. No dia 19 de junho de 1898, o ítalo-brasileiro Affonso Segretto, a bordo de um navio, registrou as primeiras imagens em movimento no país — sua chegada à Baía da Guanabara.
Dirigido por Renato Barbieri, que escreveu o roteiro com Marcus Ligocki, o filme conta uma história real: a de Pureza Lopes Loiola, mulher que, no início dos anos 1990, saiu de sua casa em Bacabal, no Maranhão, onde fabricava tijolos, para procurar o filho caçula, Abel, que havia ido tentar a sorte no garimpo no Pará — Estado natal da atriz premiada por filmes como Corisco e Dadá (1996), Anahy de las Misiones (1997), Noite de São João (2003) e Baixio das Bestas (2006). Seguindo os rastros dele, a mãe acaba se infiltrando em uma fazenda onde encontra vários trabalhadores em condições análogas à escravidão. Eles tinham seus documentos confiscados, dormiam em redes ao relento, precisavam beber água de um riacho sujo, apanhavam dos capatazes e não recebiam seu salário, que era retido por causa das "dívidas" com transporte e alimentação.
Barbieri filma a história alternando-se entre os registros do drama, do suspense (gêneros acentuados pela trilha sonora composta pelo estadunidense Kevin Riepl) e do documentário — aliás, no mesmo ano o diretor, na companhia de Neto Borges e com narração da cantora Negra Li, lançou Servidão, que aborda o tema de forma documental. Em que pesem as boas atuações de Dira Paes — uma leoa na Amazônia — e de Flávio Bauraqui, como o capataz Narciso, faltam a Pureza a secura e a contundência de 7 Prisioneiros (2021), de Alexandre Moratto, outro título brasileiro sobre tráfico humano e o processo desumanizante imposto pela lógica capitalista, práticas que contam com anuência, incentivo, corrupção ou, no mínimo, hipocrisia por parte de autoridades, políticos, empresários, fazendeiros e consumidores.
Pureza Lopes Loiola se tornou um símbolo da luta contra a chamada escravidão moderna. Alfabetizada apenas aos 40 anos, porque queria ler a Bíblia, chegou a escrever cartas para três presidentes da República: Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O único que respondeu foi Itamar. Em 1997, ela recebeu em Londres o prêmio da mais antiga entidade mundial de combate ao trabalho análogo à escravidão, a Anti-Slavery International.
O filme Pureza foi rodado em locações reais de Bacabal e Marabá, entre outros municípios. Trabalhadores que viveram a experiência do cativeiro e integrantes de um grupo que hoje fiscaliza esse tipo de situação interpretaram a si mesmos. Um deles é Marinaldo Soares Santos, que foi resgatado três vezes e atualmente milita contra a exploração da mão de obra.
— Eu fui escravizado desde os meus 18 anos — ele contou em entrevista ao site g1 em maio de 2022. — E acontecia de eu estar sendo escravizado e achar normal, achava que era porque eu era pobre e precisava daquilo ali. Na verdade, eu nem reconhecia o meu direito. Só depois que eu fui resgatado e me deram muitas explicações foi que eu caí na real.
Pois o diretor Renato Barbieri disse que a presença dessas pessoas deu um banho de realidade no elenco profissional. Quando assistiu ao filme, dona Pureza disse pelo menos cinco vezes ao cineasta:
— É assim mesmo que acontece.