Nas últimas duas semanas, grandes filmes entraram em cartaz nas plataformas de streaming.
Um dos destaques é Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007), recém adicionado ao menu da Netflix. Dirigido por Paul Thomas Anderson, valeu a Daniel Day-Lewis o segundo dos seus três Oscar de melhor ator _ ele ganhou também com Meu Pé Esquerdo (1989) e Lincoln (2013) _ e também foi premiado na categoria de fotografia, assinada por Robert Elswitt, que recuperou uma lente vintage 43mm datada de 1910 para chegar a uma escala de contrastes entre personagens e cenários. O título concorreu ainda aos troféus de melhor filme, direção, roteiro adaptado (pelo próprio Anderson, a partir do romance Petróleo!, do escritor estadunidense socialista Upton Sinclair), edição, direção de arte e edição de som.
Em performance memorável, Day-Lewis encarna Daniel Plainview, um sujeito misantropo e ganancioso que faz fortuna explorando petróleo na Califórnia do começo do século 20. No solitário caminho que marca sua ascensão social, Plainview cruza com um jovem fanático religioso (Paul Dano, em vigorosa atuação), com o qual trava um conflito moral que tensiona o lugarejo em que vivem entre os poderes do dinheiro e da fé. O confronto deles numa pista de boliche tornou-se um momento antológico do cinema.
Confira outros 10 filmaços lançados recentemente:
O Leopardo (1963)
De Luchino Visconti. A decadência da nobreza e a ascensão da burguesia na Itália do século 19 é observada nesta obra-prima pelo olhar resignado de um aristocrata que amarra o casamento de seu sobrinho como a filha de um comerciante. Ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes, adapta o romance de Giuseppe Tommasi di Lampedusa e traz no elenco Burt Lancaster, Claudia Cardinale e Alain Delon. (Looke)
Desconstruindo Harry (1997)
De Woody Allen. Um dos melhores filmes de Allen, encontra sua força no nonsense: um escritor (o próprio Allen) com bloqueio criativo passa a ser assombrado pelos seus antigos personagens. Um deles, lá pelas tantas, numa das grandes piadas da carreira do cineasta, aparecendo com um raro defeito: o de estar sempre fora de foco (papel de Robin Williams). Com Judy Davis, Julia Louis-Dreyfus, Stanley Tuccie Tobey Maguire. (Amazon Prime Video)
Os Outros (2001)
De Alejandro Amenábar. O cinema de Alfred Hitchcock e o romance de Henry James A Outra Volta do Parafuso (1898) inspiram este filme que explora o prazer de sentirmos medo. A história se passa em 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial, na enevoada Ilha de Jersey, entre a Inglaterra e a França. Enquanto espera a incerta volta do marido do front, Grace (Nicole Kidman) cuida do casal de filhos pequenos (Alakina Mann e James Bentley) numa mansão vitoriana, onde passam a lidar com ameaças sobrenaturais. (MGM)
A Promessa (2001)
De Sean Penn. O corpo de uma garotinha brutalmente assassinada é encontrado na neve. Em seu último dia antes da aposentadoria, um detetive (Jack Nicholson, excelente) jura aos pais da vítima, pela "salvação de sua alma", que vai achar o culpado. Então, o que parece o enredo de mais um ordinário filme policial estadunidense torna-se, pelas mãos de Penn, uma portentosa e exasperante história sobre obsessão e destino. (Netflix)
Madame Satã (2002)
De Karim Aïnouz. Em uma grande interpretação, Lázaro Ramos vive um mito da boemia carioca, João Francisco dos Santos (1900-1976). Negro, pobre e gay, também foi pai adotivo, capoeirista, cozinheiro, artista e presidiário. (Globoplay, com assinatura extra)
Melancolia (2011)
De Lars von Trier. Nem Jack Bauer, literalmente (não foi à toa que o cineasta dinamarquês escolheu o protagonista da série 24 Horas, Kiefer Sutherland, para este filme), evita o apocalipse.
Depois de mostrar o fim do mundo ao som da música ultrarromântica de Wagner, o filme muda bruscamente de ritmo: uma instável câmera no ombro registra o luxuoso casamento de Justine (Kirsten Dunst, prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes) e Michael (Alexander Skarsgård) na bucólica e rica mansão no campo onde vivem a irmã da noiva, Claire (Charlotte Gainsbourg), com o marido John (papel de Sutherland). A cerimônia aos poucos vai revelando as tensões e os fantasmas que cercam a família da noiva _ e expondo principalmente o comportamento ciclotímico de Justine. Enquanto isso, o planeta batizado de Melancolia vem em direção à Terra. (MUBI)
O Lobo de Wall Street (2013)
De Martin Scorsese. Na quinta parceria com o ator Leonardo DiCaprio, o diretor encena a ascensão e queda de um tipo que espelha em um outro front a guerra pelo poder e a ganância que movimentam seus recorrentes gângsteres. Assistimos à história real de Jordan Belfort, um especulador financeiro que fez fama e fortuna nos anos 1990 usando como armas seu talento com os números e sua boa lábia. A Scorsese interessa acompanhar o desprendimento de Belfort do mundo real na medida em que ele se convence da onipotência que o dinheiro fácil lhe dá. Em torno do magnata, ergue-se um ultrajante circo de torpor coletivo embalado por sexo e drogas em doses fartas. Disputou os Oscar de melhor filme, direção, ator (DiCaprio), ator coadjuvante (Jonah Hill) e roteiro adaptado e imortalizou um punhado de cenas, como aquela com Margot Robbie no quarto da filha de sua personagem com o protagonista. (Amazon Prime Video, também disponível na HBO Max)
Os Suspeitos (2013)
De Denis Villeneuve. Foi a primeira produção hollywoodiana dirigida pelo canadense, que antes concorrera ao Oscar internacional com Incêndios (2010), e reúne um elenco estelar: Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal (ambos em intensas atuações), Viola Davis, Paul Dano, Maria Bello, Terrence Howard e Melissa Leo. Trata-se de um filme policial que, com toda a paciência do mundo - são duas horas e meia de duração -, dá um soco na cara do espectador. Somos confrontados com uma pergunta que pode fazer aflorar nosso lado mais obscuro: até onde iríamos se acontecesse algo de ruim com nossos filhos? O que faríamos se nossas filhas pequenas desaparecessem? (Netflix)
Huesera (2022)
De Michelle Garza Cervera. Coprodução entre México e Peru, mistura terror corporal com terror psicológico e ainda terror social. Natalia Solián interpreta Valeria, uma mulher grávida pela primeira vez que se vê ameaçada por forças ocultas. Os flashbacks que apresentam o passado da protagonista ajudam a construir o olhar crítico da diretora para as pesadas expectativas que recaem sobre os papéis femininos na sociedade. (Amazon Prime Video)
Till: A Busca por Justiça (2022)
De Chinoye Chukwu. Lamentavelmente ignorada nas indicações ao Oscar de melhor atriz, Danielle Deadwyler interpreta uma personagem histórica: Mamie Till-Mobley (1921-2003), que se tornou uma ativista dos direitos civis para os afro-americanos após a morte por linchamento de seu único filho, Emmett, 14 anos, em agosto de 1955, no Mississippi. No racista Sul dos EUA, qualquer fagulha pode acender um incêndio. No caso de Emmett, foi um assobio. A partir daí, a revolta e a dor compartilham o espaço com a bela atuação de Deadwyler, que é sublinhada pela música composta pelo polonês Abel Korzeniowski, ora grave, ora emotiva. Na pele de Mamie, a atriz experiencia todos os estágios do luto de uma mãe que sabe o quanto seu filho sofreu (a cena no necrotério é fortíssima) - um luto que vai transformar em luta. (Amazon Prime Video)