No primeiro filme da franquia Rocky sem a presença de Sylvester Stallone e no primeiro filme dirigido pelo ator Michael B. Jordan — Creed III (2023), já disponível no Amazon Prime Video —, quem aplica o nocaute é Jonathan Majors. Não seria exagero especular sobre uma indicação ao Oscar de melhor coadjuvante, que coroaria a ascensão do ato californiano de 33 anos, indicado ao Emmy pela série Lovecraft Country (2020) e alçado ao posto de novo supervilão do Universo Cinematográfico Marvel, Kang, o Conquistador, papel desempenhado no seriado Loki (2021) e na aventura Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (2023).
Mas no dia 25 de março, menos de um mês após a estreia de Creed III nos cinemas, Majors foi preso em Nova York, acusado de assédio, agressão e estrangulamento contra uma mulher de 30 anos. Depois, segundo a revista Variety, outras mulheres procuraram a polícia para relatar supostos casos de abuso. A advogada do ator, Priya Chaudry, diz que ele é inocente e que há provas disso.
As repercussões foram imediatas. Majors foi dispensado pela agência de talentos 360 Entertainment. O Exército dos Estados Unidos postergou uma campanha que seria estrelada por ele. O time de beisebol Texas Rangers retirou o ator de suas peças publicitárias. A grife Valentino e o ator "concordaram mutualmente" em cancelar sua participação no baile Met Gala. Seu nome também foi cortado de projetos como o filme The Man in my Basement, adaptação de um livro de Walter Mosley, e Otis and Zelma, cinebiografia do cantor e compositor Otis Redding. Sua presença na segunda temporada de Loki, que estreia em outubro, está garantida, mas a Marvel não bateu martelo sobre o futuro cinematográfico do personagem Kang. Há ainda dois longas-metragens aos quais Majors, por enquanto, segue ligado: Da Understudy, de Spike Lee, e 48 Hours in Vegas, no qual ele interpretaria o então jogador de basquete Dennis Rodman.
Creed III é o nono longa-metragem de uma franquia que já está perto dos 50 anos (leia mais no fim desta coluna) e que não tem hora para abandonar o ringue. Jordan, 36 anos, já disse que um quarto filme é "uma certeza" e que pretende "expandir o Creedverso dentro do razoável", talvez desenvolvendo outros personagens.
A trama foi escrita por Zach Baylin, indicado ao Oscar de melhor roteiro original por King Richard: Criando Campeãs (2021), e Keenan Coogler, um dos roteiristas de Space Jam 2 (2021) e irmão de Ryan Coogler, diretor do primeiro Creed (2015) e coautor do argumento de Creed III.
O filme tem início na Los Angeles de 2002. Então um adolescente, Adonis (interpretado por Thaddeus J. Mixson) empreende uma escapada noturna de sua casa para acompanhar um amigo de 18 anos, Damian Anderson, o Dame (Spence Moore II), então um prodígio do boxe egresso do Crenshaw, bairro notório por sua comunidade negra (foi lá que John Singleton filmou Os Donos da Rua, em 1991). Exímio observador dos pontos fracos do adversário, Dame ganha a luta e sai para comemorar com Adonis.
Algo dá errado, o que terá consequências nos dias de hoje, quando Adonis Creed (Michael B. Jordan), já aposentado do boxe, curte a vida em família, com a esposa, Bianca (Tessa Thompson), e a filha, Amara (Mila Davis-Kent), e o sucesso como empresário — treinado pelo irônico Duke (Wood Harris, visto também na série Lakers: Hora de Vencer), o mexicano campeão Felix Chávez (encarnado pelo pugilista José Benavidez Jr.) se prepara para duelar contra Viktor Drago (Florian Munteanu), o desafiante em Creed II (2018). Um dia, ao sair da academia, Adonis depara com um estranho encostado em seu carrão. É Dame adulto, recém saído da prisão e interpretado por Jonathan Majors.
Dame é um baita personagem, e Majors o engrandece a ponto de, quando sai de cena, fazer o filme cair muito. Não deixa de ser um ato de humildade e generosidade da parte de Michael B. Jordan. Como diretor, ele poderia concentrar Creed III na sua própria figura. Obviamente, não faltam cenas heroicas ou sofridas de Adonis, e há um momento meio metalinguístico, meio megalômano quando o protagonista surge no topo da montanha que tem o famoso letreiro de Hollywood — é como se o astro estivesse dizendo que é o rei do pedaço. Mas Jordan também joga as luzes para o outro lado do ringue.
De certa forma, a relação entre Adonis e Dame remete à de T'Challa (Chadwick Boseman) e Killmonger (papel de Jordan, aliás) em Pantera Negra (2018). Estamos diante de um mocinho que comete erros graves, estamos diante de um vilão com o qual podemos nutrir empatia.
— Qual é a sensação de ouvir outra pessoa cantando a sua canção? — Dame pergunta para a ex-cantora Bianca, que agora virou produtora musical.
O jeito de Dame falar, meio que comendo palavras, e seus olhares traduzem os vários e contraditórios estado de espírito que Majors expressa simultaneamente. Na mesma cena, a timidez pode conviver com a ameaça, a gratidão, com o ressentimento, a sinceridade, com o blefe.
O modo como Dame consegue sua segunda chance é bastante implausível, assim como a trama em si é bastante previsível. Mas há méritos no roteiro por, em primeiro lugar, não demonizar Dame e também por pelo menos tentar tornar os dramas pessoais de Adonis interessantes e relevantes para Creed III como um todo. Enquanto as conversas com a sua mãe, Mary Anne (Phylicia Rashad), iluminam o passado do protagonista, os problemas escolares de Amara fazem refletir sobre o que é criar filhos e sobre como resolver conflitos. Há um esforço louvável, embora não exatamente bem-sucedido, de agregar temas como trauma, inveja, remorso e responsabilidade em um filme que talvez tenha como atrativo mais popular as cenas de luta.
Essas, em uma boa combinação dos trabalhos de Jordan, do diretor de fotografia Kramer Morgenthau (o mesmo de Creed II), dos editores Tyler Nelson (do Batman de 2022) e Jessica Baclesse e da equipe de som, são suficientemente dinâmicas, suficientemente viscerais, suficientemente violentas. Vale destacar os efeitos cenográficos do último combate, que isolam os dois boxeadores, transformando o ringue em outro ambiente, e ressaltam que, em disputa, há muito mais do que um cinturão.
Franquia inderrubável
Creed III dá sequência a uma das mais antigas franquias cinematográficas. A história sobre boxe começou em 1976, com Rocky, um Lutador, que ganhou três Oscar — melhor filme, diretor (John G. Avildsen) e edição — e recebeu outras sete indicações: melhor ator (Sylvester Stallone), atriz (Talia Shire), roteiro original (escrito pelo próprio Stallone), ator coadjuvante (Burgess Meredith e Burt Young), som e, claro, a empolgante canção Gonna Fly Now.
Stallone assumiu a direção dos filmes em Rocky II (1979) e assinou Rocky III (1982) e Rocky IV (1985), antes de devolver o comando a Avildsen em Rocky V (1990). O ator dirigiria também a retomada do personagem, já aposentado, em Rocky Balboa (2006).
Cada filme com Adonis Creed (Michael B. Jordan), o filho de Apollo Creed (Carl Weathers), célebre rival de Rocky, traz um cineasta diferente. Ryan Coogler fez Creed: Nascido para Lutar (2015), Steven Caple Jr. realizou Creed II (2018) e agora Jordan estreia como diretor em Creed III.
Ao interpretar, no primeiro Creed, o agora treinador Rocky Balboa, Stallone foi indicado ao Oscar de coadjuvante e tornou-se o sétimo ator na história a disputar uma estatueta dourada pelo mesmo personagem.
Embora nenhum longa tenha chegado perto do meio bilhão de dólares nas bilheterias, a franquia é um sucesso comercial. Ao todo, os oito títulos anteriores a Creed III custaram pouco mais de US$ 200 milhões e arrecadaram US$ 1,6 bilhão.
Rocky IV "ganhou" cinco Framboesas de Ouro e foi indicado em outras quatro categorias da premiação galhofeira que destaca os piores da temporada. Mas tem a seu favor a condição de campeão de público. Lançado à época da Guerra Fria, soube capitalizar a rivalidade entre os Estados Unidos e a então União Soviética, transposta para os ringues no combate entre Rocky e Ivan Drago (Dolph Lundgren). Faturou US$ 300 milhões, contra os US$ 270 milhões de Rocky III e os US$ 225 milhões do primeiro filme.