Depois do comovente e oscarizado Menina de Ouro (2004), como fazer um filme em que o boxe serve de pano de fundo para o grande combate da vida? A Luta pela Esperança (Cinderella Man, 2005), que foi resgatado do limbo digital pela plataforma de streaming Star+, pode sair de cabeça erguida do desafio.
Repete-se aqui a parceria do diretor Ron Howard com o ator Russell Crowe, após Uma Mente Brilhante, Oscar de melhor filme em 2002. O título teve três indicações à estatueta dourada: melhor ator coadjuvante, para Paul Giamatti, edição, por Daniel P. Hanley e Mike Hill, dupla que ganhou o prêmio por Apollo 13 (1995), do mesmo cineasta, e que concorreu por Uma Mente Brilhante e Frost/Nixon (2008), também de Howard, e maquiagem.
A exemplo de Menina de Ouro, o protagonista de A Luta pela Esperança vê o ringue como sua salvação. A diferença é que a história desse sujeito, Jim Braddock, é real, e aconteceu nos Estados Unidos da Grande Depressão, causada pela quebra da bolsa de valores de Wall Street, em 1929. Assim, o filme se avizinha de outro título do início dos anos 2000, Seabiscuit (2003), em que um jóquei sofrido e um cavalo pequeno viram ídolos de um povo arrasado pela crise econômica.
Howard ganha seu primeiro round justamente ao solucionar com uma elipse a transição dos dias de glória de Braddock (papel de Russell Crowe, 20 quilos mais magro) para o tempo de miséria. Após celebrar uma vitória com a esposa, Mae (Renée Zellweger), o boxeador tira seu relógio e coloca-o sobre a penteadeira cheia de joias e objetos. Há um corte, e surge a mesma penteadeira, agora vazia, em um apartamento mais do que humilde.
Na primeira metade, o filme recria as cidades de Nova York e New Jersey dos anos 1930 — incluindo a favela dos desempregados em pleno Central Park —, com as cores quase desaparecendo na fotografia. Braddock tenta emprego nas docas: combate o pesadelo de precisar mandar os filhos para parentes ou, pior, um orfanato. Até que um dia seu antigo agente e treinador, Joe Gould (Paul Giamatti), lhe arranja uma luta.
Bastaria perder para ganhar um bom dinheiro, mas o pugilista, mesmo fora de forma, acaba derrotando um aspirante ao título dos pesos-pesados — para sua própria surpresa e a do amigo ("Jesus, Maria, José, Maria Madalena e todos os outros santos!", festeja Gould).
A essa altura, o coração do espectador já capitulara frente ao drama dos Braddock. No entanto, nosso ânimo muda quando ele pisa no ringue e ouve o mantra de Gould ("Pop, pop, bang!"). E é por conta das agruras desse personagem que, nas cenas de boxe filmadas com extremo realismo e no limite da proximidade entre os atores, nos sentimos livres para curtir o gosto de Joe por sangue e para encarnar no tigre em que Jim Braddock se transforma.