Sempre dá match com o público quando a Netflix lança filmes e seriados cheios de sexo: logo essas produções tornam-se campeãs de audiência na plataforma de streaming. O que aconteceu com a série colombiana Perfil Falso (2023), que entrou em cartaz no dia 31 de maio e vem se mantendo no top 1, já havia acontecido antes com Desejo Sombrio (2020), O Preço da Perfeição (2020), Sexify (2021), Sex/Life (2021-), Olhar Indiscreto (2023) e Desejo Obsessivo (2023), entre outros títulos, além de longas-metragens como a trilogia polonesa 365 Dias (2020-2022) e o holandês Infiéis (2023).
O sucesso não se deve apenas ao eterno apelo carnal — thrillers eróticos, romances calientes e comédias picantes têm um público cativo e sempre em renovação. Como as datas de lançamento indicam, a pandemia impulsionou a produção de obras com classificação indicativa 18 anos que roçam o pornô. Afinal, o distanciamento social inibiu muitos prazeres reais. Portanto, a solução foi virar voyeur. E, quem sabe, apimentar a vida a dois.
Perfil Falso adota a linha da ilusão do sexo explícito, embalado por caras e bocas de corpos sarados, closes bem próximos da genitália, iluminação de cabaré chique, música sensualizante, e edição ofegante. Como o o nome já revela, a série pega carona em outro negócio que cresceu durante a era do coronavírus: o Tinder. A trama em 10 episódios criada pelo chileno Pablo Illanes, um dos roteiristas da telenovela Buscando a Frida (2021), começa em Las Vegas, nos Estados Unidos, onde o aplicativo de relacionamento une os dois personagens principais. Interpretado pelo galã venezuelano Rodolfo Salas (o Daniel Valencia da novela Betty em Nova York), ele é Fernando Castell, um cirurgião plástico de Cartagena, na Colômbia. Encarnada pela bela mexicana Carolina Miranda (a Elisa Lazcano da série Quem Matou Sara?), ela se chama Camila e, apesar de ser dançarina em uma boate erótica, se apresenta como enfermeira.
Mas o perfil falso a que se refere o título não é exatamente o dela. Como logo se revela — afinal, os capítulos são curtos (a duração varia de 34 minutos a 46, no epílogo) —, o enganador da história é Fernando. Ou melhor, Miguel Estévez, que sequer é médico e tampouco é solteiro, embora de fato seja rico.
Camila descobre isso ao viajar de surpresa para Cartagena. Meio que para não perder a viagem, ela decide infernizar a vida de Miguel, que é casado com Angela (a colombiana Manuela González), herdeira do magnata Pedro Ferrer (Victor Mallarino), dono do condomínio de luxo Riviera Esmeralda e também pai do dono de restaurante Adrián (Mauricio Hénao), que está para casar com o corretor de imóveis Cristóbal (Felipe Londoño). A partir daí, Perfil Falso pisa um pouco no freio nas cenas de sexo e passa a investir em uma trama rocambolesca. A receita inclui clichês do gênero, ofensas violentas à lógica narrativa, coadjuvantes que ganham uma (mais ou menos) inesperada importância, uma boa dose de humor involuntário e uma porção de segredos e reviravoltas que, se não tornam o prato saboroso, pelo menos atiçam o paladar para o consumo voraz até rasparmos o prato — surge nos últimos instantes a cereja do bolo, uma revelação sobre o parentesco de dois personagens tão bombástica quanto, para seguirmos na analogia gastronômica, difícil de engolir.
O romance proibido vira uma montanha-russa que mescla características das telenovelas hispano-americanas (o protagonismo feminino da moça humilde que se apaixona por um homem rico, as interpretações carregadas de dramaticidade, as traições) com elementos de uma das séries estadunidenses mais festejadas dos últimos anos: pode-se perceber ecos de Succession (2018-2023) nas relações da família Ferrer, marcadas por ambição, desprezo, mentira e infidelidade, e até na trilha sonora. Mas não espere os diálogos brilhantes do seriado criado por Jesse Armstrong, nem as atuações fascinantes. Só Carolina Miranda parece realmente interessada em variações e nuances (apesar do roteiro jogar bastante contra ela), os demais atores e atrizes se contentam em ser estereótipo ou paisagem.
Há, no entanto, alguns pontos bem positivos em Perfil Falso em relação às produções do gênero, embora não cheguem a ser novidades. O primeiro é evidente desde as cenas iniciais: a câmera não prioriza o olhar masculino, demorando-se no corpo dos homens tanto quanto no das mulheres.
O segundo salta aos olhos com o decorrer dos episódios: a série também não prioriza o olhar heterossexual. O sexo entre homens gays — e este é outro aspecto interessante: evita-se a fetichização das lésbicas — não está relegado a beijos tímidos, sombras e elipses narrativas. Esses casais também têm seu lugar ao sol.