Se o terror espanhol Tin & Tina (2023) não merece ser um dos títulos mais assistidos na Netflix nos últimos dias, o mesmo não se pode dizer do filme de guerra alemão Sangue e Ouro (Blood & Gold, 2023), que desde o final de maio ocupa o primeiro lugar no ranking da plataforma.
Não é que seja uma obra-prima ou tenha a rara combinação de beleza, horror e contundência de outro recente filme de guerra alemão a fazer sucesso na Netflix, o oscarizado Nada de Novo no Front (2022), premiado nas categorias de melhor longa internacional, fotografia, design de produção e música original.
Mas o filme dirigido e coescrito por Peter Thorwarth é bem eficiente naquilo em que se propõe ser: um entretenimento enxuto (tem 98 minutos de duração) que presta tributo ao faroeste italiano e a Quentin Tarantino e que nos autoriza a torcer pela violência dos mocinhos diante de vilões tão abjetos.
Thorwarth, que completa 52 anos neste sábado (3), é o mesmo diretor de Céu Vermelho-Sangue (2021), uma curiosa convergência de terrorismo em avião e terror vampiresco. Como nesse trabalho anterior, em Sangue e Ouro o protagonista não medirá esforços para garantir a sobrevivência de sua filha.
A história se passa durante a primavera europeia de 1945, quando a Segunda Guerra Mundial já está prestes a acabar. Interpretado pelo bonitão e ágil Robert Maaser, Heinrich é um soldado condecorados que desertou (tudo o que ele quer é voltar para casa e reencontrar sua filha) e, agora, é caçado por um nazista fanático (com o perdão do pleonasmo), o tenente-coronel Von Starnfeld. Esse personagem caricato, que tem metade do rosto coberto por uma máscara, é vivido com gosto por Alexander Scheer, o terrorista Eightball de Céu Vermelho-Sangue.
Von Starnfeld e seu pelotão, que inclui o cruel Dörfler (Florian Schmidtke), também estão à procura de uma fortuna em ouro que teria pertencido a uma família judia da cidadezinha de Sonnenberg. Lá, encontraremos outros tantos personagens que refletem marcas do nazismo. A fazendeira Elsa (Marie Hacke), por exemplo, protege seu irmão Paule (Simon Rupp), que tem síndrome de Down — condição que determinaria sua execução pela política eugenista de Adolf Hitler. O padre, por sua vez, embora esteja nitidamente do lado do bem, não deixa de sinalizar para o silêncio ruidoso da Igreja Católica diante dos horrores cometidos na época. Já o prefeito e outros moradores encarnam os cidadãos que compartilhavam do discurso e das práticas antissemitas.
Mas como o próprio título sugere, o filme não tem por objetivo examinar a sociedade alemã daqueles tempos. Sua meta é oferecer uma mistura de sangue e ouro: cenas de ação violentas combinadas a um reluzente refinamento técnico — da direção de arte aos ângulos escolhidos pelo diretor de fotografia Marc Achenbach, passando pela edição intensa, mas não apressada de Knut Hake e pela trilha sonora assinada por Jessica de Rooij e Hendrik Nölle, que reforça a aproximação tanto com o spaghetti western quanto com o cinema de Tarantino. Ainda que Peter Thorwarth seja muito econômico nos diálogos e no humor, é evidente o parentesco de Sangue e Ouro com um dos maiores sucessos do cineasta estadunidense, Bastardos Inglórios (2009) — aliás, não raro os heróis se referem aos nazistas como "bastardos", e Von Starnfeld deve bastante ao Hans Landa interpretado por Chrisstoph Waltz. Também à moda tarantinesca, ninguém está a salvo: mesmo personagens proeminentes podem, inesperadamente, bater as botas, o que empresta um bem-vindo risco emocional à trama.