O terror espanhol Tin & Tina (2023) é um dos filmes mais assistidos na Netflix nos últimos dias. Nesta quarta-feira (31), ocupava o terceiro lugar no top 10, e na terça (30) era o vice-líder do ranking. É um sucesso exagerado, a despeito do talento do diretor Rubin Stein e da equipe técnica na composição das cenas, na movimentação da câmera e nas escolhas da edição.
Trata-se do primeiro longa-metragem de Stein, 40 anos, que antes assinou a trilogia de curtas batizada de Luz & Oscuridad, formada por Tin & Tina (2013) — base do título lançado agora pela Netflix —, Nerón (2016) e Bailaora (2018). Na trama, o diretor e roteirista espanhol cozinha vários ingredientes com os quais o paladar do espectador do gênero já pode estar familiarizado em demasia. Há ecos de Gêmeos: Mórbida Semelhança (1986), de O Anjo Malvado (1993), de A Cidade dos Amaldiçoados (1995) e de Boa Noite, Mamãe (2014), entre outros filmes que vêm à língua. Há ainda um olhar e um ouvido nostálgicos para a década de 1980, revisitada quase à exaustão por obras como Stranger Things, It: A Coisa e Glow.
A história começa na Espanha de 1981, ano de uma frustrada tentativa de golpe de Estado no país, marcada pela invasão, por um grupo de militares e guardas civis armados, do Congresso dos Deputados. Esse tenso episódio é reproduzido em uma televisão assistida pelos personagens principais, mas depois disso Tin & Tina jamais volta a imbricar o terror com a política, diferentemente do que fazem, por exemplo, o anglo-iraniano À Sombra do Medo (2016), o brasileiro O Clube dos Canibais (2018) e o argentino História do Oculto (2020). Contudo, Tin & Tina não deixa de abordar questões de peso — no caso, o fundamentalismo religioso.
Interpretada por Milena Smit, do filme Mães Paralelas (2021) e da série A Garota na Fita (2023), a protagonista é uma mulher que perdeu a fé em Deus após sofrer aborto espontâneo de seus filhos gêmeos no dia do casamento. O problema foi grave: ela não poderá mais engravidar. Seis meses depois, por insistência do marido, o piloto de avião Adolfo (Jaime Lorente, o Denver do seriado La Casa de Papel), Maria de los Dolores, a Lola, aceita visitar um convento para a adoção de uma criança. Acabam saindo de lá com duas, os irmãos gêmeos albinos Tin (Carlos González Morollon) e Tina (Anastasia Russo).
Não demora para que os manos justifiquem a primeira impressão de Adolfo: eles são mesmo estranhos. Recitam o tempo todo versículos bíblicos, fazem uma "brincadeira" de sufocamento como forma de "ver Deus", tentam "purificar" um cachorro... A certa altura, Lola vai expressar sua preocupação:
— E se não forem crianças inocentes interpretando errado a Bíblia? E se forem justamente o contrário?
Mas apesar das muitas evidências de que Tin e Tina podem ser nocivos à família, eles permanecem na casa de Lola e Adolfo — ou seja: o filme está sempre exigindo demais a nossa suspensão da descrença. Tanto pior que, em um clichê surrado, a mãe passa a ser desacreditada pelo pai, agora amoroso com os filhos.
AVISO DE SPOILER DE LEVE LOGO MAIS.
A sucessão de situações e concessões difíceis de engolir chega ao cúmulo quando, mais para frente — REPITO O ALERTA SOBRE SPOILERZINHO —, Lola comete um descuido que por pouco não se torna trágico. É o momento em que o filme parece estar se encaminhando para o final, mas uma olhada no relógio revela que ainda falta meia hora! Tempo suficiente para o diretor Rubin Stein engendrar um longo plano-sequência que de fato é virtuoso, mas que não salva Tin & Tina de ser consumido na fogueira da mesmice e da obviedade.