Estragaram a melhor série de comédia dos últimos anos: Ted Lasso, da Apple TV+, que foi campeã do Emmy em suas duas primeiras temporadas (façanha só alcançada por outros sete seriados na história de 74 anos do prêmio). Pelo que está jogando na terceira, o time de roteiristas, diretores e atores deveria cair para a segunda divisão do gênero.
Ted Lasso foi a série certa na hora certa. Lançada em agosto de 2020, foi, nas palavras do crítico estadunidense David Sims, da revista The Atlantic, "o abraço gentil que o público precisava em meio ao confinamento pandêmico, uma história sobre um homem bom infectando o mundo cínico ao seu redor com sua gentileza".
Criada por Jason Sudeikis, Bill Lawrence — o autor de Scrubs e Cougar Town —, Joe Kelly e Brendan Hunt a partir de comerciais de TV da NBC, nasceu como uma típica comédia, com pendor para o besteirol. Na primeira temporada, os episódios tinham a duração comum ao gênero, girando entre 29 e 33 minutos enquanto narravam as desventuras de um treinador que tem de, literalmente, trocar as mãos pelos pés: Ted Lasso (papel de Sudeikis, duas vezes premiado com o Emmy de melhor ator) é um técnico do futebol americano universitário que sai do Kansas para Londres, onde vai assumir o comando do Richmond, um fictício clube da bilionária Premier League.
Em meio às trapalhadas físicas e verbais, começaram a surgir as lições de liderança e gestão de equipe ("Pessoas vêm primeiro", "Valores são inegociáveis", "Respeite e confie", como enumerou o especialista em marketing estratégico e inteligência empresarial André Luiz Tonon em artigo publicado em GZH) e, também, as fissuras psicológicas do protagonista e dos coadjuvantes. Foram para o centro do gramado, por exemplo, temas de saúde mental, como ansiedade, ataques de pânico, negação e resistência à terapia.
A combinação dessas duas frentes — a de dar vez e voz aos colegas e aos liderados de Ted e a de realçar os contornos dramáticos dos personagens — refletiu-se no inchaço da série na segunda temporada. A duração dos episódios aumentou bastante: os cinco últimos tiveram entre 42 e 49 minutos, um tempo não muito adequado para a manutenção do ritmo de comédia.
Na terceira temporada, o excesso de personagens e de tempo está cobrando seu preço. Parece mesmo uma "fanfic ruim do seriado original", como definiu o jornalista Caue Fonseca no Twitter: "episódios loooongos, piegas e piadas sem nenhuma graça ou timing".
Dos 10 episódios lançados até agora (o 11º vai ao ar nesta quarta-feira, dia 24), dois têm 47 minutos, dois duram 49, um chegou aos 54, outro, aos 57, e dois acham que estão em Game of Thrones: 63 minutos!
As cenas se arrastam e se repetem. Cada reunião dos Diamond Dogs, o grupo de suporte emocional do qual participam Ted, os seus auxiliares Beard e Roy Kent, o dirigente Higgins e agora o jornalista Trent Crimm, provoca uma sensação de déjà vu, com as mesmas bobagens de Ted, o mesmo sarcasmo de Beard, a mesma rabugice de Roy Kent e o mesmo nonsense de Higgins. Agora pelo menos há Trent Crimm variando o uivo da turma.
Ted Lasso perdeu sua capacidade de surpreender (como no controverso episódio da noite alucinada de Beard) e de emocionar (como no antológico episódio de Natal). Tudo é telegrafado, as suas jogadas já ficaram manjadas (vide o namoro de Keeley, a personagem de Juno Temple, com a investidora Jack). À exceção do ótimo ator Nick Mohammed, que sempre dá um jeito de achar sutilezas no papel de Nate, o ex-protegido de Ted Lasso que agora virou rival, na condição de técnico do West Ham, o elenco parece robotizado, preso a um texto muito preocupado em dar lições de moral ao abordar questões sociais, como a xenofobia, a homofobia e o vazamento de conteúdos íntimos na internet e nas redes (um exemplo bem-acabado é o oitavo episódio, We'll Never Have Paris). Os conflitos são evitados ou adiados. Quando ocorrem, há uma urgência em resolvê-los logo (Zava, o craque à la Ibrahimovic que escolheu jogar no Richmond, participou de apenas quatro episódios) e da melhor forma possível, o que invariavelmente inclui palavras de conforto, pedidos de desculpas, abraços apertados, sorrisos amarelos e algumas lágrimas técnicas. A positividade da série tornou-se tóxica.