Todo mundo está lidando com novos desafios ou velhos problemas na terceira temporada de Ted Lasso, que estreia nesta quarta-feira (15) na Apple TV+.
Aliás, a série em si encara desafios e problemas em seu retorno.
Para começar, Ted Lasso precisa enfrentar o peso de seu próprio sucesso. De forma análoga à de seu protagonista, precisa gerenciar as emoções e as expectativas de sua torcida mista — público e crítica sentam lado a lado e vibram juntos com as desventuras do treinador universitário de futebol americano que teve de, literalmente, trocar as mãos pelos pés quando saiu do Kansas para Londres, onde virou técnico de um fictício time de futebol da bilionária Premier League. O que se iniciou como um diabólico plano de vingança da dona do tal clube, o Richmond, contra o marido que vivia a traindo, apostando em piadas sobre as diferenças entre os dois esportes e as duas culturas, aos poucos foi se revelando uma história com contornos muito mais dramáticos. Foram para o centro do gramado temas de saúde mental, como ansiedade, ataques de pânico, negação e resistência à terapia.
Temperada pelo otimismo contagiante do personagem principal e impulsionada pelo brilho do time de coadjuvantes, essa mescla cativou a audiência e fez Ted Lasso ingressar em uma elite: a das produções que conquistaram o prêmio Emmy de melhor série cômica em suas duas primeiras temporadas. O seriado desenvolvido por Jason Sudeikis, Bill Lawrence — o criador de Scrubs e Cougar Town —, Joe Kelly e Brendan Hunt a partir de comerciais de TV da NBC está ao lado de The Phil Silvers Show, Tudo em Família, Cheers, Supergatas, Frasier, 30 Rock e Modern Family. No total, já soma 11 Emmys, incluindo dois de melhor ator (Jason Sudeikis), dois de ator coadjuvante (ambos para Brett Goldstein, que interpreta Roy Kent, primeiro um um carrancudo jogador veterano, depois um carrancudo comentarista de TV e agora um carrancudo assistente técnico) e um de atriz coadjuvante (Hannah Waddingham, que encarna Rebecca Welton, a proprietária do Richmond).
Sudeikis também venceu duas vezes o Globo de Ouro, concedido pela Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood, o SAG Awards, do Sindicato dos Atores dos EUA, e o Critics' Choice, dos críticos estadunidenses e canadenses de rádio, TV e internet. Nesta última premiação, Ted Lasso ganhou duas vezes como melhor comédia, duas vezes a categoria de atriz coadjuvante (Waddingham) e uma vez a de ator coadjuvante (Goldstein).
A badalação deve ter estimulado a Apple TV+ a promover uma mudança no esquema de distribuição. Ted Lasso será a primeira série da plataforma a ter episódios lançados nas quartas-feiras, e não mais nas sextas. Pode ser uma estratégia de visibilidade e engajamento, dando mais dias úteis da semana para cada um dos novos 12 capítulos reverberar na imprensa e nas redes sociais.
A estreia, intitulada Smells Like Mean Spirit (que significa "cheira a espírito mau" e faz um trocadilho com o grande sucesso da banda Nirvana, Smells Like Teen Spirit), reprisa dois pontos que podem ser considerados algo problemáticos e suficientemente antigos. Ambos estão interligados: há um certo desequilíbrio entre a parte cômica e a parte dramática, sendo que aquela por vezes incorre no humor bobo, e a outra, naturalmente, faz espichar a duração dos episódios — os quatro primeiros da terceira temporada giram entre 44 e 50 minutos, um tempo não muito adequado para a manutenção do ritmo de comédia. Que é o gênero no qual Ted Lasso ainda se filia, embora a Apple TV+ pareça tratar como drama à la Game of Thrones, pedindo o maior cuidado com spoilers ao jornalistas que puderam ver antecipadamente e determinando horários de embargo para a publicação de matérias.
Bem, conforme dito no início desta coluna, Smells Like Mean Spirit mostra os personagens envolvidos com novos desafios ou velhos problemas. Ted Lasso procura balancear sua positividade com as suas fissuras, muitas delas provocadas pela transatlântica distância do filho pequeno, Henry, que ficou morando com a mãe nos EUA. Enquanto tenta manter apenas sua terapeuta, a doutora Sharon Fieldstone (Sarah Niles), a par de seu sofrimento, o treinador volta a dar lições de liderança e gestão de equipe ao levar seus jogadores para uma inusitada visita à rede de esgotos de Londres, incentivando os comandados a se conectarem com os pontos fortes de seus colegas — "Em momentos de crise, por exemplo, peguem emprestado um pouco da autoconfiança de Jamie (Phil Dunster)", sugere.
Já Roy Kent está dando seus primeiros passos como assistente técnico do Richmond, ao lado de Beard (Brendan Hunt), e Keeley (Juno Temple) agora tem sua própria empresa de relações públicas — como estará o romance dos dois, que já nos fez rir, já nos fez chorar e já nos irritou?
Rebecca está preocupada: a imprensa prevê que o Richmond, recém-promovido da segunda divisão, corre sério risco de novamente ser rebaixado — o fantasma que assombrou o clube na temporada inicial de Ted Lasso. Tanto pior que a mídia esportiva acredita no sucesso do West Ham United, uma equipe real que, na ficção, hoje está sendo presidida por Rupert Mannion (Anthony Head), justamente o ex-marido de Rebecca.
E o West Ham, se você não lembra do final da segunda temporada, é o time no qual foi trabalhar Nathan Shelley (Nick Mohammed), em um gesto de traição para com Ted Lasso, ressentimento ou uma mistura de respeito próprio e ambição, dependendo do ponto de vista. Graças também à ótima atuação de Mohammed, Nate é um dos grandes personagens da série. No episódio desta quarta-feira, completa-se a sua transformação — o funcionário inseguro e vítima de bullying que virou um gênio da tática e uma das figuras mais prestigiadas do Richmond agora é um vilão à la Darth Vader, que abraçou o seu lado sombrio a ponto de só vestir preto.
Mas também vale lembrar que, apesar de algumas jogadas dramáticas já estarem manjadas, apesar de o humor às vezes ser uma bola nas costas, há muita delicadeza e complexidade emocional em Ted Lasso. A suposta estereotipagem de Nate não esconde os problemas de insegurança e negligência que o transfiguraram no antagonista do personagem de Jason Sudeikis. Sua vulnerabilidade é como uma arma secreta dos roteiristas enquanto preparam o inevitável duelo entre criador e criatura.