
Passado o Oscar, comecei a colocar em dia sugestões de filmes e séries dadas pelos próprios leitores, como O Suplente (2022), drama argentino que entrou em cartaz na Netflix em fevereiro.
Gosto dessa troca, porque nem sempre conseguimos estar atentos a todos os lançamentos e resgates que chegam às plataformas de streaming a cada semana. E se o filme vem da Argentina, já tem um voto de confiança.
A dica de O Suplente veio do Jeferson Morais, professor de História e Sociologia, via Instagram: "Retrata com maestria a realidade da escola pública nas periferias. Se passa na Argentina, mas é o cenário do Brasil também".

O título foi dirigido por Diego Lerman, realizador dos premiados Refugiado (2014) e Uma Espécie de Família (2017), a partir de uma história que ele escreveu com María Meira e Luciana de Mello. É a contribuição argentina a um filão — o dos filmes sobre desafios do ensino, o dos professores que, às vezes contra tudo e contra todos, vai além da matéria e tenta mudar a vida dos alunos — que inclui produções dos Estados Unidos (como o clássico Ao Mestre com Carinho, Mentes Perigosas e Escritores da Liberdade), do Brasil (Anjos do Arrabalde, o documentário Pro Dia Nascer Feliz e a série Segunda Chamada), da França (Entre os Muros da Escola e Sementes Podres), da Espanha (o seriado Merlí), do Irã (O Quadro Negro) e até do Butão (A Felicidade das Pequenas Coisas).
O Suplente cruza a pegada social da vertente com um quê de suspense, e talvez essa mistura resulte em uma certa indecisão de Lerman: em dado ponto, parece que vai abandonar seu olhar à la Ken Loach — o inglês que se celebrizou como o cineasta da classe trabalhadora em obras como Pão e Rosas (2000), Eu, Daniel Blake (2016) e Você Não Estava Aqui (2019) — para assumir-se como diretor de um thriller. Mas apesar de ser mais interessante e envolvente na apresentação dos conflitos do que na sua solução, trata-se de um filme que merece sua atenção.

Primeiro, por trazer no elenco dois ótimos atores sul-americanos: o argentino Juan Minujín, 42 anos, que fez o jovem Jorge Bergoglio em Dois Papas (2019) e encarnou o Pastor no seriado O Marginal (2016-2022), e o chileno Alfredo Castro, 62, premiado por filmes como Tony Manero (2008) e O Clube (2015). Minujín interpreta Lucio Garmendia, um professor universitário que, após ser preterido para uma cátedra, vai ministrar a aula de Literatura em um colégio público de Ensino Médio situado em uma área degradada da Grande Buenos Aires, a Isla Maciel.
Chegando lá, Lucio depara com uma turma dispersa, desanimada e até desgastada (um estudante dorme a sono solto sobre a mesa, já que passa a noite trabalhando). O professor arrisca uma pergunta:
— Alguém pode me dizer para que serve a literatura?
O silêncio é a primeira resposta, mas ele insiste.
— Para nos fazer dormir — diz uma aluna.
— Eu não leio — diz outra.
Uma menina de cabelos azuis, Mayomi, dá um fiapo de esperança a Lucio:
— A literatura serve para contar histórias.
Só que um garoto chamado Dilan sentencia:
— Pra nada.
Lucio concorda. Afirma que, em termos práticos, a literatura não serve para nada mesmo. É uma surpresa de O Suplente: não temos aqui aqueles típicos discursos edificantes, aqueles monólogos capazes de tocar e transformar a classe imediatamente. O professor Garmendia é um sujeito realista, com problemas reais: pai divorciado, tem dificuldade para motivar a filha, Sol (Renata Lerman), que mora com a mãe, Mariela (Bárbara Lennie); filho de um líder comunitário, o Chileno (papel de Alfredo Castro), acaba envolvido tanto no tratamento do pai contra um câncer quanto no seu atrito com um "bandido benfeitor", o traficante Perro (evidentemente, a criminalidade é uma tentação para adolescentes sem muitas perspectivas de futuro, mas Diego Lerman também mostra como o combate às drogas é uma tentação para políticos populistas, repressivos e manipuladores).
Esse realismo é realçado por outra das virtudes do filme: a direção de fotografia do polonês Wojciech Staron, com câmera na mão e enquadramentos voyeurísticos, que, por sua vez, é valorizada pela edição sem pressa de Alejandro Brodersohn.