As fotos de divulgação de Silo escondem um dos grandes trunfos da série lançada recentemente pela Apple TV+ e estrelada por Rebecca Ferguson: o design de produção. Os cenários e os elementos decorativos são quase personagens na adaptação da trilogia futurista escrita pelo estadunidense Hugh Howey.
Desenvolvida por Graham Yost, roteirista do filme Velocidade Máxima (1994) e criador do seriado Justified (2010-2015), Silo teve seus três primeiros episódios dirigidos pelo norueguês Morten Tyldum, que despontou com o ótimo thriller Headhunters (2011), foi indicado ao Oscar por Jogo da Imitação (2014) e assinou a minissérie Em Defesa de Jacob (2020). O quarto, no ar a partir desta sexta-feira (19), e o quinto trazem o nome de David Semel. A temporada inicial (uma segunda já está em desenvolvimento) terá 10 capítulos no total.
Trata-se da mais nova série sobre o fim do mundo — paradoxalmente, um mundo sem fim na televisão e no streaming. Silo, The Last of Us, que também estreou em 2023, na HBO Max, e Fallout, que chega em breve no Amazon Prime Video, dão sequência a uma tradição de narrativas pós-apocalípticas ou distópicas iniciada na década de 1970 por títulos como Survivors (1975-1977) e Logan's Run (1977-1978, também conhecida no Brasil como Fuga das Estrelas), derivado do filme Fuga do Século 23 (1976). Entre as obras já produzidas, destacam-se Battlestar Galactica (2004-2009), The Walking Dead (2010-2022), Os 100 (2014-2020), The Last Ship (2014-2018), O Expresso do Amanhã (2020-) e Sweet Tooth (2021).
Silo conta a história das supostas últimas 10 mil pessoas da Terra. Entre elas, estão o xerife Holston (David Oyelowo, o Martin Luther King do filme Selma), sua esposa, Allison (Rashida Jones, de Parks & Recreation), a mecânica Juliette (Rebecca Ferguson, da franquia Missão: Impossível e de Duna), a prefeita Ruth Jahns (Geraldine James, de Anne com um E), o chefe do departamento de TI, Bernard Holland (Tim Robbins, vencedor do Oscar de ator coadjuvante por Sobre Meninos e Lobos), e Robert Sims (o rapper Common), que comanda a vigilância sob ordens do Judicial, a rígida e temida organização governamental.
Elas moram no enorme silo do título, protegidas do aparentemente tóxico e mortal ambiente do lado de fora. É um bunker com 144 andares conectados por uma interminável escada em espiral. Como é de se esperar, o colosso de concreto reproduz a divisão de classes. A exemplo do que acontece nos vagões do trem de O Expresso do Amanhã e no presídio vertical do filme O Poço (2020), na parte de cima ficam os ricos e os poderosos, e lá embaixo estão os trabalhadores que dão duro para manter funcionando o gigantesco gerador que mantém iluminada a cidade subterrânea. Explorar esse microcosmo e suas regras — como a do controle de natalidade — é um dos motivos que tornam o seriado fascinante.
Outro está subentendido nos dois parágrafos acima. As palavras "supostas" e "aparentemente" foram usadas porque um dos enigmas da série é saber se de fato o mundo como o conhecemos acabou. Ou seja: Silo faz uma envolvente mistura de ficção científica, crítica social e mistério policial (o que, verdade seja dita, novamente suscita comparações com O Expresso do Amanhã).
Holston e depois Juliette vão investigar a morte de um homem chamado George Wilkins (Ferdinand Kingsley) e tentar descobrir o que há de verdade em teorias conspiratórias. Os enigmas ajudam a inserir Silo em outra tradição das especulações sobre o mundo daqui a décadas ou séculos.
Em geral, as previsões são pessimistas, porque, na verdade, refletem inquietações do tempo em que as ficções nasceram (vide Black Mirror). Como diz Rudinei Kopp, autor do livro Quando o Futuro Morreu? (2011), as distopias encenadas se apresentam não exatamente como profecias, mas pesadelos do presente. A série da Apple TV+ vai além do evidente paralelo com a preocupação gerada pelo aquecimento global. Vê-se eminentes políticos contemporâneos nas autoridades que adotam o sigilo nas informações, procurando manter o passado na obscuridade ou até reescrevê-lo, e, ao que tudo indica, difundem fake news.