Dias atrás, Woody Allen disse em entrevista ao jornal espanhol La Vanguardia que seu próximo filme, o de número 50 (Wasp 22, a ser rodado em Paris), seria seu último, mas logo depois sua assessoria de imprensa negou que o diretor estadunidense já estivesse planejando sua aposentadoria. Seja como for, é razoável pensar que em um futuro próximo o cineasta de 86 anos vai encerrar sua carreira de sete décadas — a estreia foi como ator e roteirista na comédia Que É que Há, Gatinha? (1965), de Clive Donner. Em algum momento, Allen assinará, sim, seu último filme.
Agora, qual foi seu último grande filme? Uns podem achar que foi Meia-Noite em Paris (2011), doce — ainda que com travos amargos — comédia romântica pelo qual Allen conquistou seu quarto Oscar, o terceiro de melhor roteiro original, depois de vencer com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977), que também lhe valeu a estatueta dourada de direção, e Hannah e suas Irmãs (1986). Há o fã-clube de Vicky Cristina Barcelona (2008), ganhador do Globo de Ouro e pelo qual Penélope Cruz foi oscarizada como atriz coadjuvante. E outros talvez apontem o drama Blue Jasmine (2013), que deu a Cate Blanchett o Oscar de atriz e rendeu ao cineasta sua 24ª e derradeira indicação ao prêmio da Academia de Hollywood, onde as portas começaram a se fechar para ele a partir de 2014, quando Dylan Farrow, sua filha adotiva com Mia Farrow, trouxe de volta à tona a acusação de que, com sete anos de idade, tinha sido sexualmente abusada pelo pai.
Gosto desses três filmes, veria de novo os três, mas acho que não estão à altura de títulos como os já citados Noivo Neurótico, Noiva Nervosa e Hannah e suas Irmãs, além de O Dorminhoco (1973), Manhattan (1979), Zelig (1983), Broadway Danny Rose (1984), A Rosa Púrpura do Cairo (1985), Crimes e Pecados (1989) e Tiros Sobre a Broadway (1994). Para mim, o top 10 de Woody Allen foi fechado, sugestivamente, por Match Point (2005), que dias atrás foi adicionado ao catálogo do Amazon Prime Video.
O próprio Allen considera este suspense existencial um de seus melhores filmes. Certamente é o mais sensual e o mais trágico — não à toa, a tradicional trilha de jazz de suas comédias românticas foi substituída por árias de ópera, gênero que sempre associou desejo sexual à fatalidade. E, em vez de Nova York, estamos em Londres. A trama chega a ser simples: rapaz fica dividido entre suas ambições (o casamento com uma mulher rica) e seus desejos (a amante desprovida de tudo, menos de luxúria). Mas o filme tem uma força que impacta, e suas imagens perduram.
No Brasil, o filme foi redundantemente batizado de Ponto Final: Match Point. Redundante e desnecessariamente: a decisão da distribuidora subestimou o conhecimento do público nacional em relação ao tênis. Vale lembrar que à época de sua estreia, em 2005, o país já tinha vivido o fenômeno Guga — Gustavo Kuerten foi tricampeão do torneio de Roland Garros (1997, 2000 e 2001), conquistou o ATP Finals de 2000 e chegou a ser o número 1 do mundo no esporte.
O protagonista é o ex-tenista Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers, que depois encarnaria o rei Henrique VIII em 38 episódios da série The Tudors), irlandês de origem humilde que, desde as primeiras cenas, demonstra um distorcido senso de moral: "Prefiro ter sorte a ser bom". Ao ser contratado para dar aulas em um clube, ele vê em Tom Hewett (Matthew Goode, brilhante como o Robert Evans da minissérie The Offer) sua porta de entrada para a alta sociedade londrina.
Como em Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini, Chris seduz a família Hewett, que tem Brian Cox (duas vezes indicado ao Emmy de melhor ator pela série Succession) no papel do patriarca, Alec. Há uma sugestão homoerótica na aproximação a Tom, e logo ele passa a namorar a irmã dele, Chloe (Emily Mortimer, a Mackenzie McHale do seriado The Newsroom). O paraíso, porém, guarda uma serpente: Nola (Scarlett Johansson, pré-Viúva Negra), uma estadunidense aspirante a atriz e, para desgosto da mãe de Tom, Eleanor (Penelope Wilton, a Anne do seriado After Life), noiva do amigo rico.
Na solução do conflito, Allen mistura duas de suas influências, a tragédia grega e o romance russo do século 19. O roteiro concorrente ao Oscar retoma temas como limites morais, culpa, falta de coragem para a renúncia e existência ou não de uma justiça maior. O diretor deixa-nos praticamente a sós com a consciência do protagonista enquanto ele olha ao longe, como se examinasse as escolhas que fez.